sexta-feira, 12 de julho de 2019

Também o sábio cantor Cali Guajajara se foi. Fica conosco, amigo!

Cali Guajajara é o terceiro da esquerda para a direita
Cali, incansável cantor  e guardião da identidade Guajajara
Era sempre uma alegria rever o velho e simpático amigo Cali Guajajara, na aldeia Bacurizinho. Provocador, perspicaz, e brincalhão na medida certa, a casa dele se havia tornado, para mim, uma parada obrigatória. Era uma obrigação moral levar sempre alguns pães que ele adorava, algo que nem sempre eu fazia...E ele cobrava, justamente, sempre em tom de brincadeira, fingindo que estava chateado. Além dessa ‘simpática cobrança’ quase sempre me pedia como presente uma máquina de costura, mesmo que usada, algo que nunca levei à sério, imaginando que fosse uma simples provocação. Ao contrário, descobri, mais tarde, que ele era um costureiro habilidoso mesmo! Dizia para ele que era mais conveniente comprar calção e camiseta dos chineses do que comprar tecido e fio para costurar e produzir. Saía mais em conta Ele me chamada de ‘ruim’, de ‘mão de vaca’....Ah, quanta saudade daqueles momentos de descontração e de companhia agradável, principalmente quando o convidava a entrar no carro, e nos acompanhar nas visitas às aldeias próximas. Em todas as aldeias ele dizia que tinha parentes. E era isso mesmo: sobrinhas, primas...Havia nascido na pequena aldeia da Pedra, bem próxima de Bacurizinho. Lembro as lágrimas de Cali ao narrar o enterro do irmão dele, o grande Abraão, no ano passado. Mostrava as fotos, e os vídeos daquele momento de tristeza. Uma geração de Guajajara que, aos pouco, está nos deixando, mas deixando em herança um legado inestimável que poucos karaiw conhecem, e saberiam apreciar...

A última vez que passei por Bacurizinho foi três semanas atrás. Já era um pouco tarde, mas mesmo assim, decidimos passar por lá, e dar um alô ao amigo. Estava deitado na rede. Entrei com o intuito de surpreendê-lo e, ao vê-lo deitado reclamei que ele estava ficando velho e preguiçoso. Levantou sorrindo, nos abraçamos e nos beliscamos como sempre fazíamos. Um mais zuadento que o outro. Nem nos despedimos, pois o reencontro já estava planejado para o mês seguinte... 

Hoje de manhã, Cali nos deixou, mas foi só fisicamente. A notícia, via wattsapp, me deixou atônito. Uma triste e inesperada surpresa. Agora, ao relembrar os momentos gostosos, alegres, vivos, sinto que ele está querendo brincar novamente, inclusive com a sua própria morte. Ele sabe que a sua ausência física não irá significar sumiço e desaparecimento para todos aqueles que o conheceram e estimaram. Ele, no céu, já deve ter arrumado uma baita de algazarra. Afinal, por onde chega Cali, junto vem a sua alegria contagiante. A sua fina ironia deve ter mexido até com o Administrador Maior da Eternidade. Tenho certeza que foi recebido pelo numeroso exército dos guerreiros Guajajara que lá estão. E, agora, juntos, empunhando o maracá da esperança estão cantando melodias que falam da vida que não conhece fim! 
Vá em paz, Cali, mas fica sempre entre nós, sábio amigo!

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