Há pregadores que só pregam. Não interessa o seu conteúdo, e tampouco a coerência entre pregação e testemunho. Eles podem ser evangélicos, católicos ou de outra denominação. Repetem as mesmas coisas. Muitos ameaçam, alguns condenam, outros apelam para o moralismo barato, e há quem faça piadinhas de mau gosto, e outros, enfim, se exibem como cantores e showman. Eles mesmos são seu próprio púlpito. Os seus ouvintes, passivos, desligam e ficam a fantasiar até o ‘sermão’ findar. Os doutores da lei contemporâneos de Jesus se assemelhavam aos de hoje. O pregador da Galileia, no entanto, Jesus de Nazaré, se diferenciava deles. Não tinha mandato para pregar, mas o fazia igualmente. Não tinha diploma fornecido por nenhuma escola rabínica, mas mesmo assim ‘pregava com autoridade’. E por isso chama a atenção dos ouvintes, e os perturba profundamente. A diferença está na sua postura, no conteúdo e na metodologia. Quem dava aos escribas e doutores a suposta legitimidade para pregar era a lei e o seu sistema sofisticado. Algo que eles mesmos e a sua tradição haviam elaborado. Jesus falava com autoridade não porque exibia uma fascinante oratória, ou uma erudição incomum, mas porque atribuía o seu mandato de pregador ‘sui generis’ à própria autoridade divina. Nem homens, nem tradição e nem leis lhe davam legitimidade. É como se Jesus dissesse: ‘se Deus, hoje, estivesse aqui de forma visível, diria e faria tudo aquilo que estou dizendo e fazendo’! A pregação de Jesus carregada de ‘autoridade’ se diferencia das demais porque ela realiza o que prega. Prega e liberta, simultaneamente. Da mesma forma que Deus no Gênesis cria falando...’E Deus disse, e foi feito o céu...a terra....’!
A originalidade da pregação-testemunho de Jesus desperta nas pessoas não somente curiosidade, desnorteamento e perplexidade, mas também expõe seus complexos, suas fobias mais ocultas, e as neuroses que se alojam no seu inconsciente. Principalmente de quem foi educado de forma unidirecional e rígida. O novo, de fato, quase sempre assusta. Revela um lado desconhecido de si próprio. Informa que a sua vida poderia ser outra, e bem diferente do que é e aprendeu até então. As suas reações de caráter emotivo eclodem com virulência, pois não se sente mais seguro como acreditava ser: ’o que quer de nós Jesus de Nazaré, nós sabemos quem você é....’ É a típica reação agressiva de quem descobre que foi enganado o tempo todo, e não aceita que outros, de fora, lhe mostrem a sua dura realidade pessoal. E ataca quem lhe mostra, de fato, o outro lado da moeda, e quer libertá-lo. Começa a intuir que, talvez, alguém o tenha permanentemente manipulado e controlado. Percebe que aquele espaço sagrado foi utilizado por supostos ‘homens de Deus’ para submetê-lo às suas vontades humanas e interesseiras. Descobre-se, tragicamente, no fundo, um ‘possuído’, um não livre! O evangelista Marcos, dessa forma, com uma ironia atroz faz uma crítica ao sistema religioso da época. Na prática nos diz que os doutores da lei e os escribas eram eles mesmos, de fato, os maus espíritos que possuíam e dominavam seus fregueses. Jesus com sua pregação diametralmente oposta à deles estava a desmontar e a desmoralizar tudo aquilo que eles vinham ‘ensinando e pregando’! O ‘exorcista libertador’, Jesus, tem que intervir com força para devolver a liberdade e a vida àquele coitado possuído, para ele experimentar, definitivamente, o espírito bom que liberta e salva.
O teólogo Marcos procede na sua crítica ao sistema religioso institucional sem pena e sem dó ao nos informar que ‘a possessão’ se dá, preferencialmente, nos templos/sinagogas/igrejas e nos dias a ele sagrados (sábado). Os maus espíritos rondam sistematicamente os espaços que o sistema religioso define como sagrados, diferentemente do que proclama Jesus segundo o qual tudo é sagrado e nada é impuro, a não ser o que sai de um coração humano cheio de ambições e arrogâncias. Hoje não podemos negar que essa prática persiste e se torna a cada dia sempre mais atual e ameaçadora. Baste, para tanto, constatar a atuação de um enorme exército de pregadores que não ensinam e não agem com a autoridade que vem de Deus, mas somente movidos por seus interesses pessoais e escusos. Pregadores, cujos patrocinadores são empresários sem responsabilidade social, setores podres do poder público, milícias, promotores de intolerância, etc. É preciso, portanto, assumir o ensinamento novo’ de Jesus de Nazaré denunciando esses abusos, esclarecer, educar e libertar pessoas para que não aceitem nenhuma forma de dominação, de mentiras revestidas de ‘falsa profecia’. Como nos dizia o evangelho de domingo passado é preciso se tornar ‘pescadores de homens’, ou seja, arrancar do mar da injustiça, da manipulação, da violência institucionalizada e do desespero todos aqueles humanos que nele estão a afogar!
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