sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Bolsonaro e o avanço irreversível da militarização - Por Luís Nassif

 Há tempos alguns analistas políticos insistem na extraordinária robustez das instituições brasileiras – que, na sua opinião, seriam um obstáculo permanente às pretensões golpistas de Jair Bolsonaro. Trata-se de um erro fatal de análise, que apenas contribui para desarmar as instituições quanto ao avanço real das investidas de Bolsonaro.

Há duas estratégias em curso por parte de Bolsonaro. Uma delas, é a retórica radical, destinada a manter a mobilização de suas milícias. Outra, as ações efetivas de ampliação do controle sobre os organismos de Estado. Os idiotas da objetividade – e, aparentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) – enxergam apenas as ações ostensivas e respectivas reações. Cria-se então um jogo de pega-bobo, no qual o bobo definitivamente não é Bolsonaro. Ele exagera na retórica. O STF emite sinais de reação. Bolsonaro recua e os idiotas da objetividade comemoram. Aí ele continua comendo pelas bordas, tomando medidas sem alarde que, dia após dia, vão ampliando o controle sobre o Estado. Quando o movimento torna-se mais explícito, Bolsonaro reage com uma nova declaração estapafúrdia. A opinião pública se incendeia, o STF ameaça reagir, cria um novo assunto, ele se cala novamente, o avanço institucional cai para segundo plano. E continua comendo pelas bordas.

Peça 1 – a militarização do governo. Em qualquer caso, considere-se que o bolsonarismo não é mais um fenômeno restrito a Bolsonaro. A cada dia que passa, vai se tornando cada vez mais um processo de militarização em curso. Daí, a importância de separar o acessório do essencial. Por acessório, entendam-se os pequenos muxoxos das relações militares-Bolsonaro, declarações em off de supostos oficiais do Alto Comando, espantados com a irracionalidade de Bolsonaro, notícias dando conta da não promoção de oficiais bolsonaristas. Por essencial, analise-se o fenômeno da militarização que, a  cada dia que passa, vai ficando mais nítido e espalhado.

Militarização

* Abertura indiscriminada de cargos na área civil para militares das Forças Armadas e da Polícia Militar.

* Ocupação, por militares, de cargos-chave nas guerras culturais centrais do Bolsonarismo, na questão ambiental, de educação e de costumes, acentuando a identificação ideológica com as Forças.

* Tentativa de colocar a Polícia Militar como a 4a arma das Forças Armadas: Exército, Aeronáutica, Marinha e Polícia Militar. Ontem, César Maia advertiu que esse movimento foi essencial para o golpe no Chile, já que os “carabineros” (a PM chilena) são distribuídos por todo o país, ao contrário das Forças Armadas.

*Dois projetos de lei tirando o controle dos governadores sobre as Polícias Militares estaduais. A ideia central é conferir à polícia a mesma autonomia relativa dos Ministérios Públicos, com mandatos para os comandantes, obrigatoriedade de seguir a lista tríplice, assim como a hierarquia na definição das chefias. Segundo o Ministério da Justiça, os projetos estão sendo preparados com entidades representativas dos militares, como a Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais e do DF (Feneme). Seu argumento é que deve existir semelhança com a hierarquia militar porque policiais e os bombeiros militares constituem a força auxiliar e reserva do Exército, de acordo com a legislação de 1969, em plena vigência do Ato Institucional número 5. Considere-se que o flerte aos militares não é exclusivo de Bolsonaro. João Dória Jr também aposta nessa área, com o estímulo às escolas militares.

*Os pactos políticos . A mudança da natureza hierárquica das polícias passa pela Câmara. As disputas pela presidência da Câmara e do Senado caminham nessa direção. Hoje em dia, na Câmara, a disputa se dá entre um bolsonarista e um seguidor de Michel Temer. A probabilidade do grupo de Temer apoiar golpes, desde que participando do banquete, é total, faz parte de sua natureza. 

Peça 2 – o avanço totalitário por fora

Por aí se incluem as milícias digitais e as milícias armadas ligadas aos Bolsonaro, e controladas pelo filho Eduardo. Note-se que um dos riscos da sublevação dos trumpistas são justamente as milícias armadas. Por aqui, se tem dois anos de estímulo a se armas as populações, especialmente os Colecionadores, Atiradores e Caçadores (CACs),  clubes de tiro e caça estreitamente ligados aos Bolsonaro. Sem contar as milícias historicamente ligadas à família. Bolsonaro anunciou novas medidas para facilitar anda mais a importação de armas. No ano passado houve aumento de 90% na venda de armas registradas,. Para este ano, espera-se aumento maior ainda.

Peça 3  – o cenário de 2022

Há semelhanças entre 2022 e 2002, ano em que a opinião pública deserdou o neoliberalismo de Fernando Henrique Cardoso, depois dos desastre da política cambial em 1999 e do apagão. Além disso, houve um enorme acirramento da miséria, agravdo pela crise econômica pós-1999. Esses dois fatores reduziram as resistências da classe média ao PT. Até 2022 se terá uma economia em frangalhos, o aumento ainda maior do desemprego, o fim da ajuda emergencial, um programa de vacinação nas mãos de gestores medíocres, acentuando o quadro de desespero. A diferença maior está na falta de uma oposição organizada e unificada. Em cima desse quadro, há duas hipóteses para 2022:

Bolsonaro catalisando o desespero. Nessa hipótese, ele chegaria a 2022 em condições de vencer as eleições. Sendo reeleito, teria a força política necessária para tentar o golpe final.

Bolsonaro perdendo apoio. Havendo perspectiva de perdas das eleições, também tentaria o golpe final, conforme o ensaio nas últimas declarações de apoio a Trump. E encontraria pela frente uma oposição desorganizada, mesmo eventualmente elegendo um competidor.

 

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