Na solenidade da Santíssima Trindade não cabem perguntas do tipo: Deus existe? Ou quem é Deus? Como, apesar de existirem três pessoas, temos UM SÒ DEUS? Só cabe acolher ou rejeitar, por uma opção personalíssima de fé, que uma ‘Centelha Primordial’ de insondável origem, carregada de amor e de vida fez o universo existir e dar-lhe sentido. Não há como negar que as inúmeras imagens que foram construídas ao longo da história a respeito de Deus são fruto de heranças culturais, religiosas e históricas. A própria bíblia revela infinitos rostos de Deus de acordo com tradições e lugares sociais específicos. Ela, afinal, reflete nada mais que o pensamento humano sobre Deus, um Deus que jamais foi visto, e que jamais se deixará prender em nossas categorias humanas, limitadas. Porque, então, falarmos, ainda hoje, de 'três pessoas’, um só Deus?
Qual a conveniência ou utilidade teológica em afirmar velhos dogmas que tentam preservar, afinal, a divindade do humano Jesus de Nazaré sem negar, contudo, a essência monoteísta, juntamente com a preexistência do Espírito Santo? A própria inadequação da utilização da categoria ‘pessoa’ aplicada ao Espírito Santo que, inclusive, é sempre representada, simbolicamente, sob forma de pomba, pouco nos ajuda a mergulhar na identidade do Deus Trinitário. Não há como negar que o pouco que sabemos de Jesus de Nazaré, o Filho, até pelos dados evangélicos, ele nunca se declarou Deus, ou Filho de Deus. Até quando o chamavam de ‘bom’ ele repetia que ‘um só é o Bom, o Pai vosso que está nos céus’. Alguém duvida que Jesus não fosse um ‘monoteísta’, ou ele já se incluía entre a tríade santa?! Jesus com toda probabilidade havia sido educado e formado a ter uma determinada e peculiar relação com Deus, entendido como Pai cheio de compaixão e de misericórdia e que poderia em tempos curtos reinar em Israel com o seu jeito específico. Difícil dizer qual fosse a consciência e a compreensão que Jesus tinha a respeito da sua missão e dos possíveis sinais que operava entre os pobres de Israel. Certamente, graças a tudo isso, não significava que ele mesmo fosse Deus e que como tal quisesse ser equiparado e tratado! O profeta Jesus era, isso sim, pelo que sabemos, um homem de fé profunda em um Deus que, mesmo não o conhecendo, - como todos os humanos, - o entendia e o acolhia como um pai que cuida dos pequeninos, dos doentes, dos esquecidos e até dos passarinhos.
Os seus seguidores, após a morte de Jesus, ao resgatar paulatinamente toda a sua pratica e pregação iniciaram um processo de ‘normal divinização’ do Mestre, o que se consolidou, mais tarde na atribuição de títulos como ‘filho de Deus’, ‘Segunda pessoa da Santíssima Trindade’, ‘Verdadeiro Deus e verdadeiro homem’, ‘gerado não criado, da mesma substância do Pai’....Daí advém que até Maria, mãe de Jesus, se torna ‘Mãe de Deus’, inclusive, na base de ameaças e chantagens do imperador que patrocinava o Concílio. Deixa de ser uma simples mãe biológica, e se torna quase que geneticamente anterior ao próprio Deus por ‘ter gerado Aquele que não foi criado e nem gerado’!!!! É notório que todas essas atribuições a Deus, ao Filho, ao Espírito Santo se deram ao longo dos séculos mediante disputas e debates teológicos ferrenhos e impositivos, como se a verdade pudesse estar do lado do vencedor, e ainda mais, imposta! Compreendemos, assim, o quanto a reflexão sobre Deus e a Santíssima Trindade se complexificou, teologicamente, deixando em segundo lugar, contudo, o alcance catequético-pastoral da solenidade.
Acredito que a maioria dos padres ou ministros da palavra terá dificuldade de ‘encontrar iluminações adequadas’ nesta ocasião. Falar-se-á, certamente, de que o nosso Deus é um ‘Deus comunitário, e não solitário’, que ‘a Trindade é uma comunidade de amor’, e assim por diante....Resta o dilema: o Deus que é utilizado pela direita e pela esquerda, e que todos acham que está acima de tudo e de todos, e que é apontado como o responsável de tudo, do bem e do mal que existem, sendo ele trinitário ou não, poderá ainda ser revelado e testemunhado como o ‘Deus dos pequeninos’, como o Deus que ‘desce para libertar o seu povo porque sabe escutar ainda o seu clamor e entender a sua dor’?
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