CORPUS CHRISTI...
Corpo reluzente, escultural, definido, estético ,
Corpo glorioso, luminoso, vitorioso, ressurgido,
Corpo venerado, adorado, idolatrado, divinizado........
.....ECCE CORPUS HOMINI
Corpo ensanguentado, dilacerado, desfigurado, esquartejado
Corpo sequestrado, seviciado, torturado, crucificado
Corpo comercializado, abusado, prostituído, sacrificado;
Qual corpo se quer celebrar na solenidade do Corpus? É de ‘corpo específico’ que falamos, ou de corpo genérico ‘feito pão’, sacramentalmente, para alimentar outros corpos? É de ‘corpos crucificados e sacrificados’ que devem ser resgatados e ‘ingeridos’ pela alma para que outros corpos não morram, ou queremos celebrar outros tipos de corpos?
Não cabe mais aos nossos dias continuar a alimentar devoções que se fixam e se cristalizam numa imagem/sinal totalmente descontextualizada: um ‘pedaço de pão/hóstia’ sobrante de um banquete eucarístico, oportunamente consagrado, é ‘retirado e isolado’ e colocado num ostensório prateado ou dourado e exposto publicamente para que os devotos prestem suas homenagens e realizem suas devoções....
A trágica redução do revolucionário banquete pascal do Mestre de Nazaré onde o seu corpo estava para ser preso, violentado, sacrificado e crucificado pelos senhores do pão e dos corpos é, agora, simplesmente abstraído do seu contexto original e se torna exposição devocional e midiática.
A hóstia glorificada e enaltecida que emerge acima da massa e é publicamente homenageada deixa de mostrar as feridas infeccionadas, as chagas, as sevícias, os buracos dos pregos de tantos corpos dilacerados pela guerra, pela fome, pela arrogância e pela brutalidade humana.
A hóstia adorada e incensada oculta o verdadeiro pão que alimenta anjos, pobres, escravos, martirizados que deveriam estar sentados ao mesmo e permanente banquete da partilha, do serviço, e do recíproco lavar-os-pés.
A hóstia glorificada se torna, agora, o instrumento privilegiado e quase absoluto para abençoar dignamente as massas, mesmo que estas tenham em seus corpos o ‘pão do banquete’ recém ingerido numa comunhão feita de partilha e solidariedade. O participante do banquete deixa de ser o verdadeiro sacrário itinerante que leva vida renovada e fartura para todos por ter incorporado o verdadeiro Senhor/Servidor do pão e dos corpos.
Que o CORPUS CHRISTI revelador do CORPUS HOMINI não nos deixe em paz ao ingerirmos o ‘Panis angelicus’, o ‘corpo e sangue’ do Ressuscitado!
Sugestão litúrgica para uma renovada celebração do Corpus Christi
Não há como negar que a prática tradicional da procissão do Corpus Christi exibindo ostensivamente a hóstia consagrada já faz parte do capital devocional de muitos católicos. Sem menosprezar isso, sugiro que se promova um verdadeiro ‘banquete itinerante’ em que o sentido de banquete eucarístico dê o tom da celebração de ponta a ponta.
Uma missa por etapas, devidamente preparadas, com a instalação de várias mesas ao longo do caminho: 1. Mesa do pão da palavra, 2. Mesa do pão solidário oferecido, 3. Mesa do pão e vinho feitos corpo e sangue vivo, 4. Mesa do pão da comunhão, do pão partilhado e distribuído. Pode-se convidar todos os presentes a levar comida a ser trocada no final; deveria haver um destaque para todas as pessoas têm em seus corpos os sinais da fragilidade humana: cadeirantes, idosos e outros e que pudessem participar ativamente, assistidos e cuidados pelos presentes. É o pão partilhado e não adorado que deve prevalecer. É o corpo dilacerado/sacrificado de Jesus e de tantos seguidores de hoje que deve ser resgatado, ‘incorporado e ingerido’ no nosso ser e no nosso corpo! Como, por exemplo, entender uma bênção solene com a hóstia no ostensório se todos se alimentaram do ‘corpo eucarístico’ e conservam dentro de si como verdadeiros sacrários o ‘pão da vida’? A hóstia do ostensório teria mais poder divino do que a hóstia ingerida no banquete eucarístico? Não precisamos eliminar nem a solenidade e nem a procissão, mas ressignificá-la e transformá-la radicalmente numa permanente e itinerante eucaristia como peregrinos que não se acomodam e que, ‘cingidos os lombos, sandálias nos pés e cajado na mão comem apressadamente a ‘Páscoa do Senhor ‘ porque, afinal, o ‘tempo se encurtou’!
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