A parábola dos reis magos elaborada pelo judeu Mateus está fortemente impregnada de messianismo nacionalista. Na sua ânsia de provar que Jesus era o verdadeiro ‘rei dos judeus’ (v.2) acaba criando essa ‘estória’ para provar que até os povos pagãos daquela época o reconheceram como tal, contrariando a postura dos sacerdotes e dos governantes da ‘sua nação’ que o ignoram ou o perseguem. É evidente, afinal, a intenção do evangelista que escreve para judeus já em contato com o recém criado movimento de Jesus: Jesus, o frágil e desconhecido mestre de Israel, é o legítimo enviado de Deus, e todos os povos pagãos hão de reconhecê-lo como tal e aderir a Ele, tal como fizeram esses ‘reis magos’! Em que pese a intenção apologética do escritor e teólogo Mateus, temos nessa parábola catequética muitas fontes de inspiração e reflexão para o nosso cotidiano. Hoje temos a impressão de viver numa realidade globalizada, plural, com autonomias relativas. Tudo seria interdependente e desconcentrado. Graças às modernas tecnologias tudo estaria interligado. Aparentemente, até o próprio poder político e econômico estaria relativamente difuso, sem grandes centralizações e concentrações. Os nacionalismos e as identidades regionais e culturais estariam em fase de extinção ou se tornando mais fluidas diante do vigoroso movimento planetário para criar a grande ‘aldeia mundial’. Nela, supostamente, não haveria grandes diferenças e nem vergonhosas desigualdades. Nada disso está ocorrendo. Está se criando e moldando, ao contrário, um ‘ídolo único’, uma espécie de ‘deus universal’, globalmente aceito e planetariamente venerado de forma servil: a ‘mercadoria resplandecente e divina’. Um ‘neo-ídolo’ sedutor e cativante que possui diferentes poderes e preços. Com múltiplas origens e utilidades, mas com um único objetivo: suscitar deslumbramento místico e dependência comportamental nas pessoas entendidas como consumidoras e adoradoras.
Em lugar de venerar, cuidar e respeitar ‘corpos’ como expressão máxima da presença amorosa do único e verdadeiro Criador um número sempre maior de pessoas abre os cofres do seu coração para idolatrar e mercantilizar ‘objetos’ que fatalmente exigirão mais dependência e servilismo. Os seres vivos e os próprios corpos dos humanos, templo e espaço de veneração do Deus Verdadeiro viram mercadoria a ser trocada, distribuída e vendida. A Epifania nos lembra que a pessoa, a indefesa, a frágil e perseguida, - como o foi a recém-nascida de Belém, - deve ser globalmente venerada, cuidada e, principalmente, protegida de quantos, hoje, procuram sistematicamente abusá-la, manipulá-la, deixando-a morrer de fome e de doença, sem afeto e sem lar. Para além de toda globalização e de todo nacionalismo, para além de todo regionalismo e de todo ‘gueto’ ideológico e religioso, torna-se essencial redescobrir, hoje, a luz itinerante de Belém que continua pousando lá onde têm sofredores perseguidos e massacrados pelos modernos criadores de ídolos e escravidões. Eles continuam dominando e manipulando vidas e consciências. Continuam residindo nos palácios de governo, nos magníficos templos de qualquer religião e igreja, e nos luxuosos prédios de alguma grande metrópole deste ‘pequeno’ planeta. Lá, eles continuam a idolatrar suas próprias ‘criaturas’. Seus fúteis objetos.
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