Inicia-se, com o domingo de ramos a semana que nos faz imergir na paixão, resistência, morte e vida ressurgida de Jesus e da humanidade. Um itinerário comum aos humanos, mesmo para aqueles que têm uma ‘morte natural’ e não violenta como a de Jesus. Somos convidados a não fazer arqueologia religiosa de um passado distante e impessoal, e sim, celebrar e reviver o cotidiano de milhões de pessoas, inclusive o nosso. Convidados a nos identificar e nos indignar com a dor de Maria e das mulheres, repudiarmos o cinismo dos sumos sacerdotes e dos soldados romanos de ontem e de hoje. Evitando esquecer os crucificadores de ontem e de hoje. Sem ter medo de deixar aflorar sentimentos de indignação e angústia, mas reconhecer que tudo o que produz sofrimento, dor, humilhação, injustiça é algo detestável e condenável. Mesmo que isso possa parecer expressão de rancor, raiva, intolerância. Sentir tudo isso não significará que iremos reproduzir nos outros aquilo que detestamos e condenamos. Sentir indignação não significa deixar-se vencer por sentimentos de vingança ou de agressão. A cegueira e a indiferença do coração é que não podem tomar de conta da nossa alma nessa semana santa! Se acreditamos que o que Jesus viveu, principalmente nos últimos dias da sua vida, é algo que muitos humanos também podem vivenciar, então proponho o seguinte itinerário de contemplação e meditação....
1. Identificarmos atitudes, gestos, opções e posturas pessoais ou coletivas, institucionais ou não que hoje como ontem manipulam e cooptam leis e consciências, corrompem e se deixam corromper com o objetivo de excluir, marginalizar e eliminar pessoas consideradas incômodas, tal como fez o Sinédrio, Pilatos, Herodes e seus asseclas. Darmos os nomes aos crucificadores de hoje responsáveis por torturas, humilhações, ilícitos e arbitrariedades de todo tipo. Termos a honestidade de reconhecer que, talvez, nós também estejamos nessa lista, ou pouco temos feito para por fim a tantas formas de injustiça. Teremos, assim, a possibilidade de nos colocar do lado dos crucificados, abandonar as nossas cumplicidades, amenizar a cruz de tantos sofredores e evitar a morte de tantos ‘justos’.
2. Jesus não caminhou rumo à morte de forma serena, estóica, altiva. Nunca quis se oferecer como sacrifício nem pela expiação dos pecados e nem pela salvação da humanidade. O espiritualismo cristão o interpretou dessa forma, mas certamente não o Jesus histórico que suplicava por ser liberado de beber o cálice do martírio! Ele tinha plena consciência de que o seu Pai não lhe estava a pedir isso!A cruz, de fato, era e é sinal de humilhação e morte vergonhosa. É o amor incondicional, intenso, criativo, puro, que salva! Mesmo que para tanto, paradoxalmente, tenhamos que enfrentar a cruz! Jesus foi forçado por meio de coação armada a assumir uma cruz que não desejava e que não queria carregar. O que ele queria era poder continuar a amar, acolher e perdoar sem que para isso fosse necessário ter que assumir o caminho da morte violenta e vergonhosa. As circunstâncias o colocaram numa situação em que para poder ‘amar até o fim’ teve que encarar também a cruz, mesmo sem desejá-la. Ficou perturbado ao constatar que estava sendo assassinado e crucificado. Jesus ficou perplexo e desnorteado ao sentir – e não compreender - ‘o silêncio’ de Deus! Que não usemos ideologicamente o símbolo da cruz para conformar os crucificados e sofredores, livrando, assim, os crucificadores de hoje de suas responsabilidades! Que não tenhamos medo de sentir a angústia do silêncio de Deus. É a nossa natural reação psicológica diante da nossa vontade de viver. E isso é positivo! Que nunca possamos pensar que o Deus de Jesus Cristo nos abandonou. Ele continua percorrendo conosco os calvários de hoje e nos ajudando como tantos ignotos Cireneus a carregar a nossa pesada ou leve cruz de todos os dias! Uma santa semana!
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