Hoje, na celebração da sexta feira santa, talvez pela primeira vez na minha vida, senti-me tocado e iluminado pela expressão utilizada pelo evangelista João ao descrever o momento final da vida física de Jesus: ‘Jesus entregou o espírito’. Repentinamente, um conjunto de reminiscências pessoais e bíblicas aflorou intensamente como um rio transbordante. Lembrei-me do longínquo 21 de janeiro de 1973, do momento em que a irmã que trabalhava no hospital público de Borgo Trento em Verona ao segurar a mão de meu pai agonizante se virou para mim e minha mãe e nos disse: ‘ele se foi’! Eu mesmo que estava bem próximo o havia percebido. Um suspiro quase imperceptível, mas mais longo que os outros. Meu pai havia devolvido o que havia recebido ao nascer, o espírito da vida. Mas ouso acreditar, hoje, que naquele momento meu pai estava a entregar para nós familiares o que o havia mantido vivo ao longo de 45 anos de existência. Entregava-o nós, os vivos, para que pudéssemos mantê-lo permanentemente vivo em nossas vidas. Da mesma forma aconteceu com Jesus. Jesus não entregou o seu espírito somente ao Pai, algo mais que natural e lógico. João ao afirmar que Jesus ‘entregou o espírito’ não quis dizer simplesmente que Jesus ‘devolveu’ o que havia recebido de Deus, mas que agora Jesus, desde a cruz, no momento da grande passagem, estava a entregar o seu espírito a quantos estivessem dispostos a recebê-lo e a acolhê-lo. Não o espírito de um agonizante, mas o seu mesmo espírito que lhe havia permitido viver com intensidade a sua existência. O de Jesus não é um simples ‘expirar’ e morrer. Jesus não ‘desperdiça’ o seu ‘hálito de vida’. Ele, ao contrário, o ‘repassa e entrega’ a outros para que ele não venha a morrer para sempre. Outros discípulos e discípulas poderão recolher e ‘in-spirar’ o espírito de Jesus, e mantê-lo vivo. Para eles mesmos viverem. Paradoxalmente, Jesus, como meu pai e como tantos outros pais, familiares e amigos nossos que se foram biologicamente, ao morrerem entregam a nós vivos o seu espírito para que eles nunca morram na nossa vida. E para que nós possamos viver graças ao espírito deles/as uma ‘nova existência’!
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