Ontem ao chegar à Penitenciária de Pedrinhas o coordenador da pastoral carcerária do Maranhão que acolá se encontrava para um culto ecumênico com os detentos me informou que a polícia acabava de atirar em dois presos ferindo-os gravemente. Em algumas ocasiões ao visitar presos, - algo que, lamentavelmente, não faz parte ainda da minha rotina pastoral, - flagrava detentos com o rosto inchado e ensanguentado saindo de uma sala daquela delegacia conduzidos por policiais. Cansei de ver olhos e rostos deformados de mulheres e até de crianças espancadas por companheiros ou familiares. Costumo dizer que quando uma pessoa recorre aos meios violentos para se impor ou convencer o outro a respeito de algo é sinal evidente do seu fracasso como veiculador de ‘humanidade’. Virou bicho, e bicho bruto!
Quando criança sempre me chamava a atenção a notícia que uma determinada igreja havia sido invadida e que o seu sacrário havia sido violado. Os ‘profanadores’ espalhavam as hóstias consagradas pelo chão da igreja num gesto que provocava nas pessoas indignação e espanto. Os atos de desagravo naquela igreja, - uma forma litúrgica para ‘devolver’ a sacralidade ameaçada, - promovidos pelos párocos eram muito concorridos. Em alguns deles o próprio bispo se fazia presente. Crescendo, compreendi que esses atos de ‘profanação’ mesmo sendo gestos injustificáveis e desrespeitosos não produziam nenhuma deformação ao ‘corpo’ de Jesus. Jesus já vivia e vive à direita do Pai, e ninguém poderia ameaçar a sua integridade física. Compreendi que aquelas hóstias consagradas eram sim ‘sacramento-sinal’ da presença de Jesus, mas que não coincidiam com o seu ‘corpo’ físico, histórico, o mesmo que andou anunciando, pregando, curando, perdoando. Aquele corpo está numa outra dimensão e nenhum gesto profanador iria produzir dor ou humilhação a Jesus.
Crescendo, compreendi que existem ‘corpos’ reais, históricos, ‘sacramentos e templos do Espírito Santo’ que são machucados, torturados, seviciados, violados produzindo dores e espasmos horríveis. Corpos profanados! Muitas vezes a virulência e a brutalidade perpetradas por ‘outros corpos sem alma’ contra ‘esses corpos’ deixam marcas indeléveis, espantosamente deformantes ao longo de toda a sua vida. Algo que profana e que parece negar a ‘presença real’ do Deus Criador e Senhor da vida nos corpos dos violados e dos torturados, templos vivos da Sua presença. Isso sim mereceria um permanente desagravo não somente litúrgico e canônico, mas social e humano! Constato, tristemente, que muitas pessoas de fé ao verem tantos ‘corpos’ sendo torturados, violentados e assassinados não sentem a mesma indignação ao se depararem com o desprezo de outras pessoas por uma hóstia consagrada. Preferem ‘adorar’ o sinal, o símbolo, o significante’ ignorando hereticamente o seu ‘significado’, nesse caso o ser humano impregnado de divindade, aquele ‘templo-moradia de Deus, real e efetivo, capaz de manifestar e veicular a própria presença salvadora do Senhor da vida! Que ao fazermos comunhão com o ‘Corpus Christi’ possamos fazer comunhão real e efetiva com tantos ‘Corpus homini’ machucados e feridos!
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