Parece ser hábito adquirido julgarmos as pessoas pelas suas aparências. Pelos seus modos de se vestir, de falar, de se mexer, pela cor da pele, pelo sotaque. Reproduzimos os estereótipos clássicos em que o mundo estaria rigorosamente dividido entre bons e maus. Bondade e maldade definidas por nós, claro, a partir do nosso glossário cultural, subjetivo e individualista. Nisso nos descobrimos vítimas e cúmplices dos nossos preconceitos e, ás vezes, do nosso misterioso passado que nos condiciona na hora de nos aproximar do ‘outro’. Mesmo que a realidade do espírito humano esteja por demais variegada, complexa e contorta, nós nos arvoramos a juízes implacáveis dos ‘outros’. Não nos damos conta da gravidade da nossa leviandade que liquida uma vida inteira por causa de alguns gestos, opções ou palavras que não batem, á primeira vista, com o nosso modo de entender a vida. Esquecemos com facilidade que “os meus caminhos não são os vossos caminhos... pois vocês olham as aparências, mas eu olho o coração’ nos diz Javé através dos profetas. O modo de proceder de Deus é totalmente outro, e para nós humanos, às vezes, nos soa ilógico e paradoxal. Como paradoxal é a capacidade de Jesus de Nazaré de compreender, perdoar e acolher o pecador condenado e rejeitado de antemão pela igreja e pela sociedade. A atitude de Jesus de Nazaré vai além da prática e do pensamento do senso comum, socialmente aceito, e se aproxima espantosamente do modo de agir do próprio Deus. No evangelho hodierno o evangelista parece concentrar, de forma exaustiva, tudo o que está relacionado à difícil e desafiadora prática do perdão. Resumindo poderíamos dizer que:
1. Jesus não olha e nem se deixa condicionar pelo ‘status social e moral’ de uma determinada pessoa, no caso concreto uma mulher que não ‘gozava de boa fama’ naquela cidade. Olha, ao contrário, a sua capacidade de oferecer gestos concretos de amor, de carinho, de atenção ao outro. Nem que fosse um único gesto, mas intenso e carregado de amor, faz com que ela seja perante ele uma pessoa inteiramente nova. Um só gesto de amor parece anular um número sem fim de ‘negações de amor’.
2. Jesus não pede á mulher de abandonar o seu ‘status’, mas indiretamente a convida a continuar a ‘lavar e perfumar os pés e a enxugá-los com as lágrimas’ da sua nova consciência para com todos aqueles ‘hóspedes’ que não recebem a devida acolhida e atenção (como Jesus). Afinal, são esses gestos, - e não os seus ‘numerosos’ pecados, - que são ‘contabilizados’ diante da compaixão de Deus.
3. Jesus, ao preferir os gestos de amor e de atenção da ‘suposta’ pecadora à omissão e à indiferença do fariseu, supostamente ‘justo’, inverte a situação, o ‘status social e moral’ dos seus protagonistas. É como se Jesus nos dissesse que quem na realidade precisa de conversão e perdão, a partir de agora, é o fariseu ‘justo’ e não a mulher ‘pecadora’. Ela deixou de ser pecadora porque soube amar muito. Já o fariseu deve deixar de lado a sua arrogância e auto-suficiência e começar a ‘lavar, perfumar e enxugar’ os pés dos ‘hóspedes da vida’ que ele vem desprezando e ignorando.
Para aprender a saborear dessa forma, a presença amorosa de um Deus que não se importa em usar o ‘corpo vendido e impuro’ de uma ‘suposta prostituta’ para manifestar o seu amor e o seu carinho para com seus filhos e filhas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário