A identidade de uma pessoa nunca se dá de uma vez por todas. Ela está sempre em construção. Aliás, podemos ter várias identidades ao longo da nossa vida. E termos várias identidades ao mesmo tempo. Tudo isso a depender dos contextos em que nos achamos, da consciência que temos de nós mesmos e do mundo em que estamos. Ter várias identidades não significa ter várias personalidades. Ou até, várias máscaras. Significa, em primeiro lugar, ter a capacidade de estar atento ao que somos e queremos num determinado momento histórico. E ouvindo o que a realidade externa nos pede constantemente. Em suma, se ‘identificar’ com projetos, urgências, pessoas, modelos, imperativos éticos. Realidades que estão em permanente mutação. E fazer tudo isso sem se quebrar por dentro. O evangelho de hoje trabalha isso de forma original e profunda. Narra o momento chave em que Jesus de um lado, e os discípulos do outro, começam a tomar consciência que está para nascer uma nova identidade antes desconhecida. Para ambos. A identidade de Jesus, dos discípulos, tomados individualmente, e do grupo como um todo. E essa identidade individual e coletiva que se dá ao mesmo tempo implica a assunção de novas práticas, novas escolhas, novas relações. Seja no nível pessoal que coletivo. Na narração evangélica fica claro desde o início qual é identidade de Jesus que as pessoas em geral lhe atribuem. As que não o conheciam, e que não conviviam com ele. Identificavam-no com um dos profetas do passado. Não conseguiam ver o novo que Jesus trazia e produzia. Mesmo que profeta ele era um a mais. Jesus, porém, sabe que a convivência com aquele grupo de seguidores havia produzido neles/as algo diferente. E os interpela, os questiona para que tenham a coragem de se expor e manifestar. De assumir para ele e para a sociedade o grau de identificação/compromisso com o Mestre
A pergunta de Jesus, de fato, não é uma mera pergunta de ‘sondagem’ sobre o que pensam dele. É um questionamento que tem a ver com opções existenciais próprias e não delegáveis a outros: ‘e vós que dizeis que é o filho do homem?’ Filho do homem e não o Cristo! Ou seja, não ‘glorioso ungido’, mas o ‘sofredor’ por excelência. Isso é um divisor de águas. Assume-se, aqui, uma nova identidade. Tudo isso ocorre porque não se trata de uma resposta doutrinária, de caráter dogmático. Trata-se de uma nova relação com aquele que o interpela. Trata-se de aceitar de construir uma nova identidade pessoal e coletiva com o ‘outro’ (Jesus) que vai na contra-mão da identidade esperada. Pedro em nome do grupo reconhece, mesmo sem muita convicção, que Jesus é o enviado. Ou seja, se compromete a construir a sua vida daí em diante não a partir de ‘outros messias’, poderosos e gloriosos, mas a partir da proposta do enviado Jesus filho do homem, um ‘sofredor e perdedor’. Um claro convite de Jesus a serem seguidores dele rumo ao calvário, à perseguição, às permanentes ameaças e atentados à integridade física, à morte. Não um messianismo ufanista, mas um caminhar humilde, de igual para igual, lado a lado, na consciência que somente juntos se pode vencer os crucificadores de corpos e esperanças.
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