Como é possível que um pecador calejado, ladrão e sanguessuga, por causa de um mero e circunstancial auto-reconhecimento que é ‘pecador’, - como de fato é, - possa ser ‘justificado’ por Deus? Como aceitar, ao contrário, que alguém que sempre tem agido de forma correta, honesta, mesmo que legalista, e que só pelo fato de reconhecer que ‘ é bom mesmo’, - o que não é mentira, - não seja igualmente justificado? Deus teria se apressado a justificar um e não o outro? Afinal, o que está por trás da parábola do fariseu e do publicano? É bom lembrarmos que toda parábola de Jesus tem um objetivo de fundo, que é o de ‘chocar’ o interlocutor e ouvinte, mediante estórias um tanto paradoxais. Uma forma para que o ouvinte se pergunte qual é mesmo o verdadeiro sentido daquilo que está ouvindo e que, na maioria das vezes, foge à lógica e ao senso comum. Um recurso literário e teológico para reafirmar que a lógica de Deus é outra, diametralmente oposta à dos homens. Parece haver uma tendência universal em simpatizar mais por aquelas pessoas que aprontaram feio durante a vida, mas que acabaram reconhecendo o seu erro, do que admirar aquelas pessoas que se mantiveram sempre fiéis e honestas, mas andaram exibindo como numa vitrine essa coerência de vida.
Convenhamos: isso não é um crime tão grave! Grave mesmo, é bom lembrar, é desrespeitar, extorquir, chantagear, trapacear, humilhar, corromper como fazia um ‘verdadeiro publicano-cobrador de imposto’. E não é certamente por um circunstancial reconhecimento que ‘é pecador’ que tudo está esquecido e justificado! Aqui está o nó da parábola de Jesus: não podemos achar que a nossa coerência de vida possa ser utilizada como moeda de troca para com Deus. ‘Fiz bem, logo mereço bênçãos e graças’, não entra na lógica de Jesus! Ao passo que seja no bem que no mal, pecador ou virtuoso que seja, de modo algum podemos avançar vantagens pessoais e reconhecimento para com Deus, pois seria uma forma de cooptar Deus!A prova, afinal, é que, paradoxalmente, um ‘autêntico pecador’ só por reconhecer a sua situação de contradição, sem exigir nada de Deus, saiu do templo justificado, embora não necessariamente perdoado. Perdoado mesmo, só quando o nosso ‘simpático e humilde’ publicano deixar de roubar, extorquir e corromper que vinha fazendo!
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