segunda-feira, 30 de março de 2015

II - Paixão de Jesus, nossa paixão!


1. O Jesus de Marcos, nas narrativas da paixão, é um Jesus que fica em silêncio perante seus acusadores, e não reage. Quase nunca responde quando indagado. Jesus sabe que as elites judaicas já o condenaram antes mesmo de ser julgado. Jesus acha que não vale a pena discutir e retrucar às suas indagações. Nem pede uso da força aos seus seguidores quando está prestes a ser preso. Não há mais nada a fazer, a não ser encarar e enfrentar o próprio destino. O silêncio e a não violência, para nós também, podem ser a melhor resposta a tantas provocações. Não significa necessariamente desprezo, e sim uma não aceitação voluntária de usar a mesma moeda da provocação e da arrogância que o outro utiliza para nos derrubar!
2. O Jesus de Marcos é um Jesus que sente medo e angústia como todos os humanos. Sente que está sendo abandonado e gostaria de poder contar com uma intervenção divina para libertá-lo, de tirar o cálice amargo do martírio, ou de ter alguém ao seu lado para socorrê-lo e apoiá-lo, mas encontra a fuga de seus discípulos e a amargura do abandono inexplicável do Pai. Jesus não se conforma com isso e grita para seu Pai que lhe dê uma luz para poder dar sentido à sua morte. É a experiência de muitos crucificados pela doença, pela humilhação constante, pela violência e que clamam por Deus ou pelos próprios familiares e só encontram silêncio ou indiferença.
3. ‘ Deus, Deus, para que me abandonaste’? Esta é, segundo vários autores, a tradução correta do grito de Jesus antes de expirar. Jesus não pergunta sobre a causa da sua morte (Por que), - pois ele já a conhecia - mas pergunta sobre sua finalidade última, ou seja, para que.  Pergunta sobre o sentido daquele sacrifício. Para quem serviria a sua morte? Qual o objetivo, afinal, que a sua morte teria na vida e na história das pessoas? Jesus queria compreender para poder aceitar aquele momento com um mínimo de serenidade. É o grito de tantos injustiçados que veem suas vidas sendo esmagadas, não conseguem compreender o seu sentido e ao mesmo tempo contemplam seus algozes que, paradoxalmente, parecem gozar de prestígio, força, satisfação e plenitude de vida!
4. A narrativa de Marcos culmina com a declaração de fé do centurião debaixo da cruz. Ao ver como Jesus morreu ele exclama’ Verdadeiramente este era o filho de Deus’! Uma proclamação que sai da boca e do coração de um pagão, um estrangeiro, um dominador, e não da boca de um discípulo de Jesus. Marcos quer confirmar na fé suas comunidades provenientes do paganismo, e mostrar para elas como em sua vida terrena Jesus foi acolhido e reconhecido como o enviado de Deus por ‘pagãos’ que abriram o seu coração à mensagem de Jesus. Vejamos que o que convenceu o centurião a acreditar em Jesus não foram os sinais físicos externos, trovões e terremotos, e sim o modo de morrer de Jesus. O apóstolo Paulo nos dirá que a nossa fé é em Jesus e este crucificado. Não fé em um Jesus milagreiro e produtor de prodígios. Assumir, enfim, a cruz, mesmo que seja escândalo e tolice para gregos e romanos! 
5. Marcos termina dizendo que com a morte de Jesus o véu do templo se rachou. Uma imagem bonita para significar que a partir de agora ‘todos’ - e não somente o sumo sacerdote, uma vez ao ano, - podem se adentrar no ‘lugar santíssimo’ onde se acreditava estar a arca da aliança. Acabou a era dos sacrifícios de animais e liturgias para renovar a aliança com Deus. Jesus, com a sua morte, faz daquele templo corrompido um verdadeiro espaço de encontro-aliança com Deus. Agora, o seu próprio corpo oferecido é o lugar privilegiado do encontro dos humanos com um Deus que quer eliminar cruz e morte para sempre!

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