A vida parece nos dar uma permanente lição: nenhuma conquista se alcança com facilidade. Mais que isso: o que é conquistado com suor e lágrimas proporciona uma satisfação e uma íntima realização que outras conquistas não conseguem. O que é conquistado com a doação da própria vida assume um valor incalculável e permanece como memória perturbadora ao longo dos séculos. Os próprios acontecimentos locais ou nacionais que mudaram o destino de uma nação sempre têm sido acompanhados por sacrifícios de vidas, por testemunhos de doações radicais. A conquista de inúmeros direitos trabalhistas, da igualdade entre os seres humanos, da liberdade de culto, da democracia, e de outros direitos deixaram atrás de si corpos e dignidades dilaceradas. A resistência de alguns e a persistência de outros, contudo, permitiram que os seres humanos iniciassem uma fecunda caminhada para encontrar algumas bases comuns para colaborar e dialogar entre si em pé de igualdade. É uma caminhada que precisa ser percorrida sistematicamente. Ainda não chegamos. Ao contrário. Temos a impressão que a cada dia estamos nos afastando da trilha principal. Intolerância, uso da violência fácil, procura doentia de satisfação imediata de seus interesses individuais, ambições e outras práticas desrespeitosas parecem conhecer um novo e ameaçador ciclo que perturba a humanidade como um todo.
O evangelho de hoje nos mostra o quão consciente era Jesus da necessidade de se jogar numa causa assumindo inteiramente suas consequências. Jesus bem sabia que Deus não queria o seu sacrifício. Se dependesse Dele certamente o teria poupado, como um pai faz com o filho. Ocorre que ao mergulhar corpo e alma na causa do Reino, no anúncio e na construção de uma sociedade de respeito, sem escravidão e dominação, na valorização de todos os cidadãos pobres ou doentes que fossem, ele iria questionar a ‘ordem religiosa e política’ que vigorava. E que as autoridades religiosas vendiam como ‘ordem divina’. Algo que não se podia mexer. Jesus vem percebendo progressivamente que o que vinha realizando na Galiléia não desencadeou um movimento popular de grandes proporções em favor do Reino como Ele esperava. Ao contrário, irritou muita gente e criou mais hostilidade contra ele. Jesus investe na capital, mas Jerusalém vive graças à renda que circulava em torno do templo. Suas críticas ferozes ao templo o condenam definitivamente. Jesus poderia dar um tempo, fugir e se esconder. Decide ficar. Só fazendo a experiência pessoal de ser ‘enterrado’ como o grão de trigo é que poderá ‘renascer’ multiplicado e mais fértil. Jesus percebe que a essa altura só o seu sacrifício voluntário pela causa do Reino poderá questionar as consciências tranquilas dos cidadãos de Israel e suscitar novas atitudes. A morte de cruz foi, afinal, o último gesto profético que lhe havia sobrado. E o usou para lançar um último apelo de ‘conversão’ para quantos iam permanecer.
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