terça-feira, 8 de março de 2022

A cotidianidade indígena do Maranhão ainda marcada pelas ausências e omissões...de todos!

 


Pouco se fala na imprensa local da real situação socioeconômica e sanitária das comunidades indígenas no Maranhão. Afinal, algo é publicado somente em casos de violência explícita, ou de ameaças a indígenas que vêm se destacando pelo seu protagonismo na defesa dos territórios. O dia-a-dia das famílias indígenas em seus territórios não chama a atenção, e não produz compaixão e nem revolta. A cotidianidade indígena quando não marcada por uma espetacular dramaticidade, não se torna objeto de debate, nem de denúncia, e nem de intervenção institucional. Adquiriu, tragicamente, o status de realidade oculta, não socialmente relevante! Entretanto, é na cotidianidade das numerosas e diminutas aldeias, feita de convivências e de ações corriqueiras, de necessidades e de ausências que os dramas e as angústias pela sobrevivência assumem sua forma trágica.

Nas visitas pelos territórios indígenas Arariboia, Canabrava, Bacurizinho, por exemplo, nos municípios de Grajaú, Arame, Jenipapo dos Vieira, Buriticupu, Santa Luzia, chama a nossa atenção, de imediato, a ‘falta de registros de nascimento’ de muitos indígenas. Em sua maioria, adultos, o que torna o processo de reconhecimento de sua existência, ainda mais complicado. Ousamos afirmar que, atualmente, são centenas de ‘sem registros’! São contabilizados, mas para o estado não são cidadãos, pois não existem! Eles não têm acesso a programas institucionais, não podem se matricular numa escola, e não existe, - pelo menos localmente, - um plano da Funai para sanar esse grave problema. No caso específico da CTL (Coordenação Técnica Local) da FUNAI de Grajaú, o coordenador em lugar de auxiliar e apoiar, ele encaminha os indígenas a um escritório particular em que trabalha a própria esposa que é advogada. Os seus honorários são pagos mediante os recursos dos diferentes ‘auxílios federais’, para quem tem acesso. A Defensoria Pública que é disponível para colaborar para sanar esse pecado social pouco ou nada é solicitada! Parecem ter se esgotado as iniciativas de outrora, - raras, diga-se de passagem, - de promover ‘forças-tarefas’ interinstitucionais para debelar definitivamente, o que ainda envergonha o Brasil em pleno século XXI: a existência de milhões de cidadãos sem registro de nascimento!

Seguindo, idealmente, as etapas da vida constata-se, no cotidiano das comunidades indígenas daquela região indígena do centro-sul do Maranhão, a ausência quase que total da educação escolar. Bem antes da pandemia, a educação escolar indígena, - cuja competência é do Governo do Estado, seguindo as diretrizes básicas federais, - vinha mergulhando no caos mais completo. Entra governo, sai governo, de direita ou de esquerda ou, supostamente, tais, em nada tem contribuído para modificar a estrutura, a infraestrutura e a prática de ensino-pesquisa de uma educação escolar indígena que, teoricamente, deveria se alicerçar nos princípios da interculturalidade, do bilinguismo e da especificidade. A explosão da pandemia serviu para o Estado como pretexto para se ausentar e omitir ainda mais, fazendo com que a educação escolar indígenas regredisse de decênios em todos os aspectos! O corpo docente continua fortemente marcado pela atuação de ‘professores monolíngues não indígenas’, escolhidos mediante um seletivo arcaico, sem nenhuma introdução mínima à realidade social e cultural do povo a quem são chamados a ‘alfabetizar’. Cursos de formação continuada para professores indígenas e não, foram sumariamente suspensos há muitos anos atrás. Ao longo desse período não se conseguiu criar uma cultura de diálogo e de parceria fecunda entre o governo do Estado/Secretaria de Educação e comunidades indígenas, de forma que um continua desconfiando do outro, um acusando e denunciando o outro. É, contudo, um fato irrefutável que, por exemplo, nesses últimos 8 anos o governo do Estado, através da Secretaria de Educação, não construiu sequer uma escola em nenhuma aldeia indígena. E pouquíssimas ele chegou a reformar....

Outro desafio que salta aos olhos na cotidianidade indígena é o higiênico-sanitário. É desses dias, início de março de 2022, por exemplo, a veiculação de várias denúncias de inúmeras comunidades indígenas da região de Arariboia e Bacurizinho da falta de água potável. Os carros-pipa contratados para fornecer água potável a várias aldeias que não possuem poço artesiano estão deixando de fazê-lo por não terem ainda alcançado um acordo-contrato com a SESAI (Secretaria de Saúde Indígena) do Maranhão. Centenas de famílias indígenas são obrigadas a recolher a água da chuva ou de cacimbas improvisadas para se abastecerem. Nem se fala da ausência sistemática de remédios, de consultas e visitas médicas, internações e outros cuidados e ações preventivas. A ausência de estradas trafegáveis torna ainda mais complicado o acesso de ambulâncias ou transportes para emergências graves! Em que pese tudo isso e muito mais, não deixa de passar despercebida nas pequenas, mas caprichadas roças familiares, a fartura de milho, feijão, fava, mandioca, arroz, abóboras. Por um instante a nossa mente começa a viajar, sonhar, imaginar....como seriam as aldeias do Maranhão se houvesse  um mínimo de investimento e de acompanhamento institucional, criterioso e sistemático. Não para criar dependências, nem para praticar assistencialismos baratos e humilhantes, mas para provar àquelas famílias que elas são parte ativa e indispensável de uma sociedade maior. Manifestar com políticas respeitosas de incentivo, de presença amiga, de parcerias sólidas e solidárias que chegou a hora de encurtar e eliminar o distanciamento e o abandono a que têm sido relegadas. 

A hora é agora, antes que os déspotas desse País mandem invadir e ocupar mais ainda seus territórios e suas almas, pisoteando seus sonhos, arrancando suas esperanças, sangrando suas matas, quebrando seus maracás e sufocando seus cantos....

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