“Hoje, temos um problema a 10 mil km daqui. A nossa responsabilidade, em primeiro lugar, é com o bem-estar do nosso povo”. Com essa frase, o presidente Jair Bolsonaro procurou justificar a sua postura de “isenção” diante da invasão da Ucrânia pela Rússia. Só que a distância geográfica não nos protege dos efeitos do “problema” que ele mesmo cuidou de agravar. Quando se tem invasor e invadido, isenção significa omissão diante da invasão.
Diante dos primeiros impactos daquela guerra distante sobre a economia brasileira, em 1º de março, com a maior cara de pau, Bolsonaro declarou que a autonomia do Brasil em fertilizantes depende da exploração de potássio em terras indígenas situadas na região do baixo Rio Madeira (AM). No dia seguinte, Ricardo Barros, seu líder na Câmara dos Deputados, anunciou a coleta de assinaturas para votar, em regime de urgência, o Projeto de Lei 191/20, que atropela a Constituição para autorizar o garimpo predatório e a mineração em terras indígenas. Nesta quarta-feira (9/3), durante o “Ato Pela Terra”, que reuniu artistas e milhares de pessoas na Esplanada dos Ministérios num ato histórico em defesa do meio ambiente, a Câmara dos Deputados votou e aprovou o regime de urgência para votação do PL 191, que deve ir para Plenário em abril. A falsa manipulação da urgência por Bolsonaro desconsidera, ainda, as demais opções técnicas para a fertilização dos solos, através da sua remineralização e do uso de biofertilizantes. Também seria possível recorrer, se necessário, à importação de fosfato da África e do Canadá. O que choca é a desfaçatez do presidente em mentir descaradamente sobre questões tão graves, num momento tão grave, para esconder a própria omissão.
Bolsonaro sabe que o seu projeto de lei, mesmo aprovado, não teria como viabilizar, no curto prazo, projetos de mineração industrial nessas terras. Seriam necessárias outras normas e nenhuma empresa séria investiria com base numa lei sob judice, ou em área invadida. Mesmo que sejam superadas essas pendências, há que se fazer a consulta às comunidades afetadas, a pesquisa mineral e o licenciamento ambiental. O que ele quer é estender um manto de falsa legalidade sobre o garimpo ilegal, que triplicou a extensão devastada nesses três anos em relação ao acumulado histórico anterior. Bolsonaro não cansa de pressionar o STF para aprovar a tal tese do marco temporal, adotada pela bancada ruralista para restringir a demarcação de terras indígenas às áreas ocupadas em 5 de outubro de 1988, extinguindo os direitos dos povos que haviam sido removidos delas durante a ditadura militar. Também aqui ele mente, ao dizer que “o Brasil vai acabar” se o STF reafirmar o caráter originário dos direitos indígenas, expresso na Constituição. Mas é ele quem quer acabar com os direitos indígenas, com o STF e com a Constituição.
Teremos eleições gerais em seis meses e o Congresso terá a sua atuação reduzida a partir de julho, em função da campanha eleitoral. O clima na base governista, em especial entre os deputados, é de “agora ou nunca”, já que é pouco provável que o Bolsonaro sobreviva às urnas. Com essa postura oportunista, centrada em vantagens inconfessáveis de curto prazo, eles não se importam com os danos duradouros que causam a todos. (IHU)
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