Refletindo sumariamente sobre os últimos acontecimentos da segunda semana de novembro envolvendo os trágicos assassinatos e atentados contra quilombolas, indígenas e Sem Terra cabe se perguntar:
1. Seria essa confluência de intensos atos violentos tendo como vítimas membros de populações camponesas em diferentes regiões do Brasil uma mera trágica coincidência? Se de um lado fica bastante problemático ver nisso uma vasta articulação em que, de forma simultânea, várias pessoas envolvidas em conflitos agrários são agredidas e assassinadas, do outro lado nos deixa bastante atônitos esse ‘renascido’ recrudescimento da violência exercida por milicianos e pistoleiros de aluguel.....
2. Ao descartar a ‘mera coincidência’ desses acontecimentos cabe tentar compreender quais outras razões estariam a pressionar, por exemplo, um grupo de policiais-milicianos para se colocarem a serviço de um ‘fazendeiro’ com a finalidade de ‘limpar’ de forma clandestina uma determinada área. Seria o movente pecuniário a sua única razão? O que moveria um grupo consistente de PMs da mesma cidade a colocar em risco a sua profissão para fazer um ‘trabalho sujo’? E, o que dizer no caso específico do assassinato do casal do MST da Paraíba em que os dois pistoleiros, em pleno dia, diante de várias testemunhas acabam com a vida de dois notórios assentados? Seria, por acaso, a ‘clássica certeza de impunidade’ que os empurra a serem sempre mais ousados em suas façanhas homicidas, ou haveria algo mais?
3. Seria possível avançar algumas hipóteses explicativas que, embora não possuam a pretensão de exaurir a complexidade de uma violência, venham a jogar uma luz diferente? Em suma, torna-se urgente se perguntar: se de um lado continua de forma exacerbada a sistêmica e seletiva violência contra a população do campo, não existiriam, do outro lado, - a partir dos acontecimentos desses dias, - novos elementos explicativos capazes de dar um sentido ao todo?
4. Chama a nossa atenção o fato de que ao longo dos quatro anos do governo fascista de Bolsonaro não haja havido, pelo que se sabe, uma concentração de homicídios e atentados contra quilombola, camponeses e indígena tal como a que se deu nesses dias. Teria sido mais lógico que atos violentos dessa magnitude tivessem ocorrido ao longo daquele mandato, e não agora, num governo que, formalmente, estaria a defender e a favorecer as categorias mais fragilizadas do campo. Ou, seria, por acaso, esse recrudescimento da violência no campo a reação de retaliação do latifúndio diante de uma nova e aguerrida postura do atual governo em favor das populações do campo? Contudo, numa rápida e superficial leitura da política fundiária levada adiante pelo Ministério da Agricultura (Incra) do atual governo não nos parece entrever ações políticas que tenha criado algum tipo de impacto significativo tal a ponto de provocar possíveis retaliações do latifúndio. Muito pelo contrário...
5. Haveria uma outra hipótese a ser considerada: estariam, por acaso, as populações do campo se sentindo mais fortalecidas e/ou, supostamente, mais protegidas pelo atual governo de forma a torná-las mais aguerridas e ousadas em suas lutas e reivindicações, e as novas agressões do latifúndio seriam, afinal, uma mera resposta defensiva a essas novas empreitadas sociais desses movimentos? Parece-nos, também nesse caso, não existirem elementos comprobatórios, haja visto que não têm havido mobilizações e ocupações fundiárias de tal envergadura que venham a justificar uma renovada metodologia das populações do campo, num novo e suposto favorável contexto social!
6. Dito isso, não há como negar que existe um conjunto de razões para tentar compreender esse novo ‘surto violento’, mas destacaríamos dois elementos centrais explicativos: a. A permanência e/ou consolidação da utilização da violência e da agressão como um elemento residual, inercial daquela violência institucional/doutrinária que se tem fortalecido sobremaneira ao longo do governo anterior e que encontra agora, num governo supostamente garantista e democrático, a sua ‘atroz e insana legitimidade’. Isto não significa que essas ações estariam tentando desestabilizar o atual governo, mas, talvez, enviando um recado segundo o qual ‘aquela violência’ não vai parar com a mudança de governo. b. O segundo elemento de caráter macro sistêmico nos leva a acreditar que o próprio ‘estado’ é na sua essência uma macro instituição de cunho oligárquico, elitista, pseudo-legalista, protetor da concentração de terras e de riquezas, e que incorpora a ‘violência legítima’ ou não contra ‘pessoas e direitos formais’ como meio para se perpetuar com essa configuração de forma legítima. Dito de outra forma, polícia formal e polícia informal (milicianos), por exemplo, seriam constitutivas e funcionais ao próprio estado. Difícil, por exemplo, não reconhecer que o judiciário na sua estrutura essencial estaria agindo de forma política pró-estado, deixando de lado os princípios da impessoalidade e da imparcialidade e da reta hermenêutica do corpo legal. Com isso não se quer negar a atuação de ‘bons juízes e promotores’ e até de defensores sociais de direitos, mas a sua atuação é anulada quase sempre pelo ‘núcleo duro’ da macroestrutura legal que é tutelada e monitorada pelo próprio estado. Há ainda saídas possíveis e realistas diante de uma compacta camisa-de-força sistêmica e estruturante que tem o próprio estado como responsável?
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