Várias pessoas me perguntaram por que digo que não acredito em Deus. Aqui está a minha resposta.
Eu não gosto daqueles que se comportam bem por medo de acabar no inferno. Eu prefiro aqueles que se comportam bem porque gostam de se comportar bem. Não gosto daqueles que são bons para agradar a Deus. Prefiro aqueles que são bons porque são bons. Não gosto de respeitar os meus semelhantes porque são filhos de Deus. Gosto de respeitá-los porque são seres que sentem e que sofrem. Não gosto de quem se dedica ao próximo e cultiva a justiça, pensando assim agradar a Deus. Gosto de quem se dedica ao próximo porque sente amor e compaixão pelas pessoas.
Não gosto de me sentir em comunhão com um grupo de pessoas ficando calado dentro de uma igreja ouvindo uma função. Gosto de me sentir em comunhão com um grupo de pessoas olhando os meus amigos nos olhos, conversando com eles e olhando o seu sorriso. Não gosto de me emocionar diante da natureza porque Deus a criou tão linda. Gosto de me emocionar porque é tão linda.
Não gosto de me consolar com a morte pensando que Deus me acolherá. Gosto de olhar na cara a limitação da nossa vida e aprender a sorrir com afeto para a irmã morte. Não gosto de me fechar em silêncio e orar a Deus. Gosto de me fechar em silêncio e ouvir as profundezas infinitas de silêncio. Não gosto de agradecer a Deus: gosto de acordar de manhã olhando o mar e agradecer ao vento, às ondas, ao céu e ao perfume das plantas, à vida que me faz viver, e ao sol que se levanta.
Não gosto daqueles que me explicam que Deus criou o mundo, porque acho que nenhum de nós sabe de onde vem o mundo; acho que quem diz sabê-lo está se iludindo; prefiro olhar o mistério de frente, sentir sua tremenda emoção, em vez de tentar extingui-lo com fábulas. Não gosto daqueles que acreditam em Deus e por isso sabem onde está a Verdade, porque acredito que na realidade são tão ignorantes quanto eu. Acredito que o mundo ainda é para nós um infinito mistério. Não gosto daqueles que conhecem as respostas. Gosto mais daqueles que procuram as respostas e dizem “não sei”.
Não gosto de quem diz que sabe o que é bem e o que é mal, porque está numa igreja que tem o monopólio de Deus, e não vê quantas igrejas diferentes existem no mundo. Quantas morais diferentes, e cada uma sincera, existem no mundo. Não gosto de quem diz a todo mundo o que todo mundo deve fazer, porque se sente forte graças ao seu Deus. Gosto de quem me dá sugestões moderadas, de quem vive de uma forma que me maravilha e admiro, quem faz escolhas que me emocionam e me fazem pensar.
Gosto de conversar com os amigos, de tentar consolá-los caso estejam sofrendo. Gosto de falar com as plantas, dar-lhes de beber se sentem sede. Gosto de amar. Gosto de olhar para o céu em silêncio. Gosto das estrelas. Gosto infinitamente das estrelas. Não gosto de quem se refugia nos braços de uma religião quando está perdido, quando sofre; prefiro quem aceita o vento da vida, e sabe que os pássaros do céu têm o seu ninho, mas o filho do homem não tem onde reclinar sua cabeça.
E já que gostaria de ser semelhante às pessoas de quem gosto, e não àquelas de quem não gosto, não acredito em Deus. (IHU)
* Carlo Rovelli, italiano, professor no Centro de Física Teórica da Universidade de Marseille, na França, e diretor do grupo de pesquisa em gravidade quântica do Centro de Física Teórica de Luminy
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