Para isso fomos feitos
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será a nossa vida
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez, de amor
Uma prece por quem se vai
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.
(Fonte: Vinícius de Moraes. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Companhia José Aguilar Editora, 1974, p. 223)
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