sábado, 22 de maio de 2021

Poema de natal - Por Vinícius de Moraes.

 

Para isso fomos feitos

Para lembrar e ser lembrados

Para chorar e fazer chorar

Para enterrar os nossos mortos

Por isso temos braços longos para os adeuses

Mãos para colher o que foi dado

Dedos para cavar a terra.


Assim será a nossa vida

Uma tarde sempre a esquecer

Uma estrela a se apagar na treva

Um caminho entre dois túmulos

Por isso precisamos velar

Falar baixo, pisar leve, ver

A noite dormir em silêncio.


Não há muito o que dizer

Uma canção sobre um berço

Um verso, talvez, de amor

Uma prece por quem se vai

Mas que essa hora não esqueça

E por ela os nossos corações

Se deixem, graves e simples.


Pois para isso fomos feitos

Para a esperança no milagre

Para a participação da poesia

Para ver a face da morte

De repente nunca mais esperaremos...

Hoje a noite é jovem; da morte, apenas

Nascemos, imensamente.


 


(Fonte: Vinícius de Moraes. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Companhia José Aguilar Editora, 1974, p. 223)

Nenhum comentário: