segunda-feira, 19 de julho de 2021

MORREU, DE COVID, KARAPIRU, O RESISTENTE AWÁ DA SERRA DA DESORDEM, NO MARANHÃO

 


Tiracambu e o povo Awá está de luto. Morreu no dia 16 de julho o índio Awá-Guajá, Karapiru, de Covid. Apesar de ter recebido duas doses de vacina, não resistiu diante de um inimigo invisível, mas letal quanto os caçadores e invasores que o perseguiram covardemente por mais de uma década. Ao povo Awá a nossa proximidade e gratidão por nos ter oferecido um dos índios mais meigos, doces e resistentes que já conheci!

Um pouco de história

Corria o ano 1979. No município de Porto Franco, no Estado do Maranhão, nordeste do Brasil, uma família de índios Awá-Guajá é perseguida impiedosamente por um grupo de empregados de fazendeiros da região. Karapiru, a esposa, um filho e uma filha, de 5 e 8 anos, respectivamente, procuram fugir entre a baixa e rala vegetação, enquanto os tiros de espingarda de seus perseguidores se tornam sempre mais ensurdecedores. Improvisamente, o inesperado: a esposa de Karapiru é atingida em cheio, cai e agoniza. As crianças assustadas, chorando, se jogam sobre o corpo sem vida da mãe. Karapiru é tentado em voltar para socorrer. Percebe a proximidade e a determinação dos perseguidores que estão à espreita prontos para alvejá-lo. Não tem como voltar, não pode voltar, só correr, correr....para longe!

Município de Feira de Santana, Bahia, 1989. Um grupo de lavradores de uma comunidade rural vinha observando desde algum tempo que estavam desaparecendo vários animais na região. Muitos deles eram encontrados esquartejados, mortos com flechas. A perplexidade e o espanto tomam de conta da população local. O mistério é desfeito quando, certo dia, aparece na pequena aldeia um homem totalmente nu, segurando um enorme arco e um feixe de flechas. É um índio, e está com fome. Não há medo em seus olhos. De início as pessoas ficam apavoradas, mas ao perceber a sua serenidade lhe oferecem comida e abrigo. Não conseguem se comunicar. Ele fala uma língua estranha. O índio passa três meses com eles na aldeia, vivendo com a população local. Um dia, porém, chega um carro do governo federal com funcionários da FUNAI (Fundação Nacional do Índio) chamados por membros da aldeia. Conseguem convencer o índio a ir junto com eles até Brasília. Na sede da autarquia federal, lingüistas e antropólogos se revezam para descobrir a identidade daquele índio. Levantam-se várias hipóteses. Convocam índios de várias regiões para falar com o recém contatado, mas ninguém consegue se comunicar. Só percebem que fala uma língua Tupi. Um funcionário do órgão federal que havia trabalhado alguns anos no Maranhão achou que poderia ser um índio Awá-Guajá. Imediatamente convocam um jovem Awá do Maranhão. Este se apresenta, e começa a falar com o índio. A conversa flui de ambas as partes. A satisfação é visível no semblante dos funcionários da FUNAI. Improvisamente, o jovem levanta a camiseta daquele índio. Marcas antigas de chumbo aparecem na pele morena e áspera de suas costas. O jovem se vira para os presentes e com os olhos arregalados exclama: “É meu pai!” Karapiru, depois de dez anos de solidão, trocando o dia pela noite, a 1.300 quilômetros de distância de sua terra original, havia encontrado parte da família que achava ter perdido definitivamente. Benvindo, o nome que os funcionários haviam dado àquele menino de 8 anos encontrado com a irmã sobre o corpo frio da mãe morta, havia reencontrado o pai que achava morto.

Descanse em paz, amável guerreiro!



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