quarta-feira, 19 de abril de 2023

19 de abril - Dia dos povos originários do Brasil. Uma reflexão

 ‘O Brasil precisa se reconciliar com sua história, aceitar que foi’ construído’ sobre um cemitério’. Assim se expressa o líder e educador indígena Daniel Munduruku ao analisar a formação social e política do nosso País. De um lado, existe uma mão que precisa ser sistemática e reciprocamente estendida para um permanente e intenso movimento de reconciliação nacional e de aliança entre a Nação-Brasil e seus povos originários. E, do outro, uma humilde e realista admissão de que a Nação-Brasil se ‘agigantou’, historicamente, sobre os ‘túmulos coletivos’ de centenas de povos indígenas, escavados em seus sagrados territórios pelos seus carrascos. A reconciliação só será possível se houver um reconhecimento público das nossas responsabilidades como Nação, e se apresentarmos um humilde e efetivo pedido de perdão pelos extermínios praticados e pelas práticas escravistas e excludentes contra os povos originários, nossos ‘conacionais’. 

Como cristãos não podemos deixar de nos penitenciar e reconhecer que, se de um lado o símbolo sagrado da cruz foi erguido ladeando as espadas dos conquistadores, do outro lado, temos que continuar a nos inspirar pela ação profética de centenas de missionários combativos, de lideranças indígenas, e de cidadãos corajosos e solidários que têm denunciado toda tentativa de escravizar e exterminar povos e culturas. Nesse período litúrgico-existencial em que fazemos o memorial da paixão, morte e Ressurreição de Jesus, somos convidados a contemplar, simultaneamente, a renovada ‘insurgência’ de inúmeros povos indígenas que ‘ressurgem’ como verdadeiros protagonistas sociais e políticos. Apesar de serem continuamente agredidos e ameaçados, - e suas terras-mães sistematicamente feridas pelos carrascos de hoje, - muitos povos originários se levantam impávidos e resilientes não para se vingar, mas para refundar a Nação-Brasil, estreitar alianças, exigir respeito e participação plena na arena política e social. É nesse sentido que como igrejas, como movimentos e como sociedade civil atenta aos desafios lançados pelos mais de 220 povos originários no Brasil somos impelidos a identificar e assumir posturas políticas específicas, metodologias eficazes que venham a fortalecer a unidade nacional na pluralidade e no recíproco respeito, principalmente com aqueles grupos, culturas, povos, considerados ‘minoritários’. Aponto duas posturas que me parecem profundamente enraizadas na prática de Jesus de Nazaré e que podem fazer a diferença na nossa pastoral e na nossa sociedade ainda tão marcada por preconceitos étnico-raciais, por intransigências religiosas, por machismos, homofobias, etc..

A primeira é alimentar um profundo respeito pelo modo de ser, de se expressar e de pensar de todo ser humano, sem prejulgar, sem ridicularizar ou condenar, principalmente quando nos falta o conhecimento mínimo do ‘outro’. Jesus não condenou de antemão pecadores clássicos como os publicanos, e não se furtou em comer e beber com pessoas consideradas impuras. A segunda postura é a de nos colocar sempre à escuta atenta e humilde do outro que, aparentemente, pode se apresentar bem diferente de nós. O outro, mesmo com suas diversidades e contradições, sempre tem algo a nos ensinar. O nosso desafio continua o de sermos ‘eternos aprendizes’, sem mistificar ou idealizar quem quer que seja. ‘Ó Mulher, grande é a tua fé’ disse o surpreendido Jesus à estrangeira e pagã mulher Cananeia, - apelidada de ‘cachorra’ pelos israelitas, - e que pedia com fé a cura da sua filha. Hoje, as igrejas e os movimentos sociais de amplo espectro social e político precisam acreditar que é possível não só ajudar a carregar a cruz da persistente perseguição, do preconceito e da sórdida agressão física e moral que fere a dignidade de mais de 800 mil indígenas do nosso País, mas retirar, definitivamente, as pedras pesadas que ainda os mantêm ‘enclausurados’ em sepulcros sociais que cheiram a exclusão, abandono e morte para que façamos com eles a experiência pascal da ‘vida nova’. Da ‘terra sem males’, do ‘bem viver’. Do bem querer! 


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