terça-feira, 14 de outubro de 2025

Pontos de não retorno climáticos: o planeta à beira de um abismo imprevisível

O mundo acaba de entrar em “uma nova realidade”, na qual muitos componentes do sistema climático ameaçam, a qualquer momento, desembocar em um novo estado que exporia “bilhões de pessoas a riscos catastróficos”. Este é o alerta solene emitido por 160 cientistas de 23 países no relatório Global Tipping Points, publicado no dia 13 de outubro e coordenado por Timothy Lenton, professor da Universidade de Exeter, na Inglaterra. Esses pesquisadores estão entre os principais especialistas mundiais no estudo dos chamados pontos de não retorno climáticos. O termo refere-se ao limiar crítico além do qual um elemento-chave do clima da Terra (calotas polares, correntes oceânicas, florestas tropicais, etc.) pode atingir um novo estado, muitas vezes de forma irreversível. Dois anos após seu primeiro relatório, os membros da iniciativa Global Tipping Points destacam o quanto a situação já se deteriorou. A primeira má notícia é que os pontos de não retorno para a biosfera estão “se aproximando mais rápido do que se pensava anteriormente”, afirma o relatório.

Risco de “savanização” na Amazônia

A situação dificilmente é mais invejável para a floresta amazônica. Sujeita aos muitos estresses causados pelo aquecimento global, incluindo secas intensas, ela também deve enfrentar os estragos do desmatamento. Se muitas árvores desaparecerem, esta floresta tropical, que tem a maravilhosa característica de produzir parcialmente sua própria chuva, poderá entrar em um círculo vicioso: produzir cada vez menos precipitações e, não tendo mais umidade suficiente para sobreviver, transformar-se em savana. Este ponto de não retorno também estaria mais próximo do que o estimado anteriormente, ficando abaixo de 2°C de aquecimento, de acordo com os autores do relatório. Estudos citados pelos pesquisadores sugerem que uma perda de 20% da superfície atual da floresta amazônica, combinada com um aquecimento global entre 1,5°C e 2°C, poderia empurrar dois terços da Amazônia para além do ponto de inflexão. No entanto, as incertezas são significativas. Os cientistas estimam que o risco de “savanização” é crível com um alto grau de confiança para certas áreas da Amazônia em nível local, mas com apenas baixa confiança em nível continental.

Oceanos de imprevisibilidade

A situação também é particularmente crítica para as camadas de gelo do mundo, especialmente para as calotas polares. As calotas polares da Antártida Ocidental e da Groenlândia são os dois sistemas glaciais cuja vulnerabilidade é mais certa: seu colapso, uma vez iniciado, continuaria por várias décadas a vários séculos, ou mesmo milênios, levando a uma elevação de vários metros do nível do mar. No entanto, esse ponto de não retorno pode já ter ocorrido. Ele tem ameaçado ocorrer desde que ultrapassamos o limiar de aquecimento de 1°C. Correntes oceânicas, como a AMOC e o Giro Subpolar, também estão ameaçadas de cruzar os pontos de não retorno no nível atual de aquecimento, embora os pesquisadores observem que a compreensão e a evolução desses sistemas estão cercadas de incertezas significativas.

Pontos de não retorno em cascata

O outro ponto saliente e particularmente preocupante do relatório é a interconexão que ele documenta entre a maioria dos 20 pontos de não retorno avaliados. Quando um elemento ultrapassa um ponto de não retorno, é provável que tenha efeitos, na maioria das vezes desestabilizadores, sobre outros componentes do sistema climático, ameaçando levá-los a ultrapassar esse ponto de não retorno por sua vez. A AMOCé o melhor exemplo desses múltiplos possíveis efeitos em cascata. O enfraquecimento desta corrente atlântica, que desempenha um papel crucial na troca de calor entre o oceano e a atmosfera, poderia, por exemplo, exacerbar a desestabilização da camada de gelo da Antártida Ocidental. Ou poderia desestabilizar o fenômeno El Niño no Pacífico, o que, por sua vez, enfraqueceria ainda mais a floresta amazônica. Os efeitos em cascata não se limitam aos sistemas climáticos: os desastres climáticos induzidos ameaçariam representar grandes riscos a elementos-chave da estabilidade de nossas sociedades, “como a segurança alimentar, a infraestrutura energética, a estabilidade econômica e a coesão social, afetando bilhões de pessoas em todo o mundo”, escrevem os autores. “Os danos causados pelos pontos de não retorno serão muito diferentes dos danos clássicos causados pelas mudanças climáticas. Não estamos preparados para isso! Nossos políticos não entendem o que significam os pontos de não retorno”, enfatiza Manjana Milkoreit, pesquisadora da Universidade de Oslo e coautora do relatório.

Principais incertezas

Este conceito de pontos de não retorno é ainda mais difícil de incluir na agenda política porque a ocorrência desses fenômenos permanece cercada por muito mais incerteza do que outros desastres climáticos futuros. Mesmo dentro da comunidade científica, nem todos concordam sobre a sensatez de se comunicar com muita veemência sobre esses pontos de inflexão. Alguns temem que esses mecanismos complexos e ainda pouco compreendidos distraiam a atenção. Isso é ainda mais verdadeiro quando os esforços para se adaptar aos efeitos muito mais diretos e documentados das mudanças climáticas, como a intensificação de secas, tempestades, inundações e outros eventos, já são amplamente insuficientes.

“Pontos de não retorno positivos”

A boa notícia (e há algumas) é que, em termos de mitigação, não há escolha. Quer visemos os pontos de inflexão ou os efeitos mais clássicos das mudanças climáticas, as mudanças estruturais e radicais que os cientistas do clima pedem permanecem as mesmas: reduzir drasticamente nossas emissões de gases de efeito estufa, alcançar a neutralidade de carbono até 2050 e fazer todo o possível para limitar o aquecimento global o máximo possível. A outra vantagem do conceito de pontos de não retorno é que ele também pode ser invocado para manter a esperança e mobilizar a sociedade. O relatório, portanto, discute as possibilidades de ultrapassar “pontos de não retorno positivos”. Transporte público, agricultura e alimentação sustentáveis, ecossistemas... Estes também são numerosos. Assim como a recente queda drástica no custo dos painéis fotovoltaicos, o desenvolvimento de soluções não segue uma trajetória linear. Melhor ainda: um pequeno esforço adicional às vezes pode ser suficiente para provocar uma mudança tecnológica ou social que, um momento antes, parecia uma utopia distante.


A reportagem é de Vincent Lucchese, publicada por Reporterre, 13-10-2025. A tradução é do Cepat.

segunda-feira, 13 de outubro de 2025

Sull’intelligenza artificiale e sulla stupidità naturale - Por Giorgio Agamben


«Comincia un’epoca di barbarie e le scienze saranno al suo servizio». L’epoca di barbarie non è ancora finita e la diagnosi di Nietzsche è oggi puntualmente confermata. Le scienze sono così attente a esaudire e persino precorrere ogni esigenza dell’epoca, che quando questa ha deciso che non aveva voglia né capacità di pensare, le ha subito fornito un dispositivo battezzato “Intelligenza artificiale” (per brevità, con la sigla AI). Il nome non è trasparente, perché il problema dell’AI non è quello di essere artificiale (il pensiero, in quanto inseparabile dal linguaggio, implica sempre un’arte o una parte di artificio), ma di situarsi al di fuori della mente del soggetto che pensa o dovrebbe pensare. In questo essa assomiglia all’intelletto separato di Averroè, che secondo il geniale filosofo andaluso era unico per tutti gli uomini. Per Averroè il problema era conseguentemente quello del rapporto fra l’intelletto separato e il singolo uomo. Se l’intelligenza è separata dai singoli individui, in che modo questi potranno congiungersi ad essa per pensare? La risposta di Averroè è che i singoli comunicavano con l’intelletto separato attraverso l’immaginazione, che resta individuale. È certamente sintomo della barbarie dell’epoca, nonché della sua assoluta mancanza di immaginazione, che questo problema non venga posto per l’intelligenza artificiale. Se questa fosse semplicemente uno strumento, come i calcolatori meccanici, il problema in effetti non sussisterebbe. Se invece si suppone, come di fatto avviene, che, come l‘intelletto separato di Averroé, l’AI pensi, allora il problema del rapporto col soggetto pensante non può essere evitato. Bazlen ha detto una volta che nel nostro tempo l’intelligenza è finita in mano agli stupidi. È possibile che il problema cruciale del nostro tempo abbia allora questa forma: in che modo uno stupido – cioè un non pensante ¬– può entrare in rapporto con un’intelligenza che afferma di pensare al di fuori di lui?

12 ottobre 2025

A Terra Santa. Artigo de Flávio Lazzarin e Claudio Bombieri

Com certeza, cabe neste contexto a teologia da unidade que encontramos no lema agostiniano do brasão heráldico do papa Leão XIV “In Illo Uno Unum”, "No único Cristo, somos um", e que corresponde ao carisma Petrino: “... a unidade de fé e de comunhão de todos os fiéis. O Romano Pontífice de facto, como Sucessor de Pedro, é perpétuo e visível fundamento da unidade, não só dos Bispos mas também da multidão dos fiéis, e por isso ele tem uma graça ministerial específica para servir aquela unidade de fé e de comunhão, que é necessária para o cumprimento da missão salvífica da Igreja.”[i] Todavia o serviço Petrino, tendo em vista a unidade do corpo de Cristo, que é a Igreja, nunca pode ser testemunhado e pensado prescindindo de processos sofridos de discernimento espiritual para encontrar caminhos de unidade na complexidade desafiadora dos diferentes contextos históricos. Sem jamais esquecer que somos constitutivamente limitados e falhos. Sem esquecer, também, que a sina do discipulado na sequela de Jesus nunca é a eficácia, - o resultado positivo da missão - e tampouco negociações irreconciliáveis com o Templo e o Palácio, mas somente a fidelidade à Realeza do Pai e a coerência do testemunho.

A pergunta dramática que nos atormenta atualmente é como defender a unidade num mundo em que se radicalizaram o ressentimento, o ódio, a divisão, a vingança, a guerra, o extermínio ad intra e ad extra. A situação é ainda mais complicada quando nos desafiam as atuais divisões e radicais polarizações, que deturpam o rosto das Igrejas. Contraposições que são teológicas, culturais e políticas e que não são simplesmente o reflexo do choque epocal entre a saudosa reafirmação da tradição e a fluidez da modernidade, mas constituem inegavelmente as próprias inspirações e motivações da guerra mundial e das guerras civis, sem perdão e sem pacificação. Quando nos perguntamos como poderíamos ser testemunhas confiáveis da unidade substancial e não como mera virtude ou princípio genérico, não encontramos fáceis respostas, até porque muitos acham que ao tomarmos partido ao lado das vítimas, denunciando os responsáveis do extermínio programado dos pobres, nos colocaríamos em processos inconciliáveis com o mandamento da unidade. O que fazer diante da aparente inconciliabilidade da salvaguarda da paz com a defesa das causas dos oprimidos? Com efeito, as circunstâncias e os violentos, independendo da nossa vontade,  nos envolvem como inimigos na guerra mundial e na guerra civil. E, além disto nos acompanha um ulterior sintoma da precariedade do princípio-mandamento da unidade porque, quando nos enxertamos em movimentos que defendem causas humanitárias urgentes e indiscutíveis, somos obrigados a conviver com atitudes, posturas e comportamentos, que nem sempre coadunam com a nossa sensibilidade ética e política ou demonstram claros sinais de contradição. Nestas circunstâncias, a definição balthasariana da Igreja: “comunhão de solidões” aparece como âncora de salvação. Em suma, não passa de uma perniciosa ilusão apostar no diálogo diplomático ou, pior, na neutralidade equidistante para salvaguardar a unidade e a paz. Também certo pacifismo, que acredita na possibilidade de superar o conflito, ignorando o nosso inevitável envolvimento, é mais uma falsidade inconcludente. 

Nesse contexto é quase uma obrigação histórica recordar que, enquanto o papa Honório III dava continuidade à Quinta Cruzada, promovida por Inocêncio III através do Quarto Concílio de Latrão, Francisco de Assis, em 1219, viajava ao Egito com o objetivo de promover a paz. Ele se encontrava com o sultão Al-Malik Al-Kamil, líder muçulmano, sobrinho de Saladino, em Damieta. Uma profética oposição à guerra e à teologia católica da guerra santa. Um pobre e desarmado testemunho do valor incomensurável da fraternidade, que vai pacificamente além dos pecados da cristandade europeia. Um gesto de paz em tempos de guerra, que não se subtrai porém a implícita e também pacifica reprovação da traição do Evangelho e dos equívocos institucionais e culturais dos cristãos. A proposta de diálogo de Francisco não se sustenta a partir de discursos e doutrinas, e nem de estudadas negociações diplomáticas, mas, evangélica e simplesmente, na pobreza radical no seu corpo, que se expõe indefeso aos riscos que comporta o encontro com o inimigo dos seus próprios conterrâneos. É a fidelidade radical à Cruz, à Ressurreição, ao Shalom, à Paz. Francisco nos diz, também hoje, que a unidade surge, paradoxalmente, aos pés da cruz, na eliminação-crucificação do profeta Jesus que tomou partido ao lado dos agredidos da história. É a partir do patíbulo dos agressores romanos de onde surge, com o Seu perdão, a derrota definitiva do ódio, violência, guerra, morte.

Antes de recordar este episódio da vida de Francisco, por estranhos jogos da memória, voltava uma profecia inesquecível de Giorgio La Pira. Aliás, foi La Pira que nos conduziu a lembrar de Francisco de Assis e do seu diálogo com o Islam. La Pira acreditava na tríplice família de Abraão: judeus, cristãos e muçulmanos são os herdeiros espirituais do patriarca bíblico e por isto têm uma vocação especial para o diálogo e a missão da construção da Paz. Fiel à esta certeza utópica da Paz, foi um incansável articulador político. Pensamos nos Colóquios Mediterrâneos, iniciados em 1958, em que promoveu encontros entre líderes religiosos e políticos de países árabes e muçulmanos, buscando criar pontes de entendimento e cooperação. Ele acreditava que a política deveria ser guiada por valores evangélicos e espirituais e muitos, também do seu partido, a Democracia Cristã, o consideravam um ingênuo desconectado da realidade geopolítica e dos interesses econômicos. La Pira acreditava que Jerusalém deveria ser uma cidade universal, “santuário espiritual da paz”, “jardim da humanidade”, santuário imortal dos filhos de Abraão. Para ele, a cidade santa não pertencia exclusivamente a um povo ou religião, mas era um patrimônio espiritual comum. “(…) O Mediterrâneo, ao longo do qual vivem estes povos, não pode voltar a existir - é o seu destino! - um centro de atração e gravitação histórica, espiritual e política essencial para a nova história do mundo? Por que não começar, aqui mesmo, a partir da Terra Santa, a nova história de paz, unidade e civilização dos povos de toda a terra? Por que não superar com um ato de fé – religioso e histórico e, portanto, também político, nesta perspectiva mediterrânea e mundial – todas as divisões que ainda quebram tão gravemente a unidade da família de Abraão, para começar, precisamente a partir daqui, aquele inevitável movimento de paz destinado a abraçar todos os povos da terra e destinado a construir uma era qualitativamente nova (salto qualitativo!) na história do mundo?"[ii] Hoje, não poderíamos ampliar a geografia e a política espiritual de La Pira, com a convicção de que toda Terra Santa é terra universal, santuário dos descendentes de Abraão? E em Hebron, Cisjordânia, na caverna de Macpela, o Túmulo dos Patriarcas, os descendentes de Isaac, Ismael e Jesus de Nazaré assinariam um protocolo metapolítico, que afirma a primazia do sentido espiritual e ético da política, a renúncia definitiva ao poder do estado e da guerra. E um solene e inadiável pacto multilateral em defender e construir, paciente e sistematicamente, uma unidade de intenções e de práticas plurais que, longe de representar homogeneidade padronizada, vise garantir um planeta-humanidade sem males, sem lágrimas, sem dor, sem morte! 

PROPOSTAS OPERATIVAS PARA UMA NECESSÁRIA E URGENTE QUALIFICAÇÃO DOS NOSSOS COMPROMISSOS MISSIONÁRIOS NO BRASIL

Introdução

Acreditamos que, desde o nosso ponto de vista, nesse último sexênio a nossa Província, jamais como hoje, foi catapultada numa inexorável encruzilhada ou, se preferirmos, num divisor de águas. E, simultaneamente, - como sempre ocorre em ‘situações-limite’ - ela pode, também, estar a mergulhar num ‘Kairós’ carregado de inéditas oportunidades e perspectivas jamais vislumbradas. A palavra-categoria ‘crise’ que, comumente, é utilizada para expressar situações problemáticas, conflituosas, indefinidas, etc. talvez não traduza, adequadamente, no nosso caso específico, a atual situação sociopastoral e identitária pela qual a Província Comboniana do Brasil está a atravessar. Seja o que for o que sentimos como inadiável é a urgência de tomarmos uma decisão que venha a recolocar a Província num trilho que, a nosso ver, por diferentes motivos e por mudanças estruturais na vida religiosa e eclesial, vem sendo, progressivamente, desmontado, a saber: a coragem, a ousadia e a capacidade sistemática e paciente de analisar, rever e requalificar, radicalmente, TODAS as nossas presenças missionárias nesse País. E adotarmos uma metodologia que seja capaz de nos oferecer, como produto final, um quadro claro, realista, sincero, coerente do que somos e do que queremos, aqui, agora, e num futuro próximo. 

Contextualização e justificativa

Consideramos que a partir do esquema que nos foi encaminhado tendo em vista a condução da assembleia provincial, não há nem tempo suficiente (02 dias) e nem metodologia apropriada para enfrentarmos o que aqui abaixo propomos. A tradicional leitura de relatórios e o enfoque proposto não nos parecem adequados para responder ao tamanho dos desafios que a Província está a enfrentar. Parece-nos consolidada a constatação de que quase ninguém ao longo desses últimos 6 anos, ou melhor dito, desde a unificação das duas províncias, não produziu e não apresentou, formal e publicamente, um informe-relatório satisfatório do que vem sendo desenvolvido in loco, e a sua respectiva análise crítica e/ou autocrítica, bem como as possíveis perspectivas (região amazônica - ecologia integral- catadores e reciclagem - ribeirinhos – indígenas – afrodescendentes - paróquias combonianas – direitos difusos: adolescentes, pastoral carcerária, saúde mental – formação de base e permanente - animação missionária e vocacional...) e que, dificilmente, haverá chances de aprofundamento e de análise de dados para eventuais discernimentos e decisões quanto ao futuro de algumas dessas presenças na próxima assembleia de outubro. Considerado, também, que o Plano Sexenal elaborado e formalmente aprovado, desde o nosso ponto de vista não reflete a ‘realidade real’ da nossa Província por ela ter feito a escolha de manter um número excessivo de presenças e compromissos, e sem a devida análise de ‘disponibilidades e disposições pessoais’ e, não último, a ‘indecifrável incorporação ou não das ‘prioridades provinciais’ na dimensão pessoal e comunitária, achamos que é imprescindível e inadiável um amplo processo de escuta e de discernimento. Daí a necessidade de realizarmos algo mais sistemático e abrangente com o intuito de não somente elaborar um diagnóstico o mais exaustivo e coerente possível, mas colocar as bases para uma redefinição missionária no Brasil, tentando superar uma certa descaracterização da nossa prática missionária planejada e a genericidade de muitos dos nossos compromissos. Nesse sentido PROPOMOS que a primeira parte do ano de 2026 seja dedicada quase que exclusivamente para uma espécie de ‘fechamento por balanço’ ou, se preferirmos, para uma ‘ampla revisão qualificada, técnica, e objetiva’ dos nossos atuais compromissos e da sua possível continuidade, consequentes modalidades e recursos humanos necessários mediante visitas in loco, coleta documental do que existe e elaboração de um relatório final apontando falhas, incoerências organizativas, mas, principalmente formulando propostas concretas para dar continuidade ou não a uma determinada presença. 

Algumas propostas operativas

Dito isso, vamos oferecer as nossas propostas operativas realistas, tendo presente, inclusive, a atual conjuntura marcada por um processo eletivo interno, já em curso, e uma consequente e possível troca de pessoas nas instâncias de coordenação (provincial, conselho, secretariados...). Aqui não se quer entrar, propositalmente, em muitos detalhes, pois em caso de aprovação, as equipes responsáveis poderão aprofundar e detalhar o processo todo.  Nesse sentido propomos:

1. Até o dia 15 de janeiro de 2026 constituir três pequenas equipes e/ou comissões com a incumbência de visitar e conhecer de forma profunda todas as atuais presenças missionárias de acordo com a subdivisão geopastoral já em vigor. Haveria um primeiro momento presencial, coletivo, com todos os membros escolhidos em que se estabelecem metodologia e datas-prazos. Sugere-se:

a. A Equipe Amazônica formada pelo atual coordenador do setor ou o futuro, o provincial atual ou o futuro ou uma pessoa escolhida por ele, e 01 convidado de confiança da região (pode ser um pesquisador, religioso, etc. para permitir um olhar mais externo e imparcial). Planejarão de acordo com a comunidade as visitas in loco, a saber: Manaus, Boa Vista, Porto Velho, Piquiá;

b. A Equipe Litoral formada pelo atual e/ou futuro secretário da Missão, provincial ou sua pessoa de confiança, e convidado externo de confiança da região nordestina. As comunidades a serem visitadas: São Luís, Fortaleza, Salvador, Marcos Moura, Contagem;

c. Equipe temática - Sul formada pelo provincial ou o seu indicado, o novo conselheiro a ser eleito, e uma pessoa externa de confiança da região. Comunidades a serem visitas: Carapina, São Paulo (I-II), Curitiba, São José do Rio Preto. Esta equipe poderia se dedicar mais a avaliar temas quais economia, formação e animação missionária, doentes....

2. O êxito do trabalho depende da clareza dos objetivos escolhidos de forma consensual e, evidentemente, da colaboração das comunidades visitadas e, não último, a metodologia a ser adotada em todas as visitas. O que achamos essencial para as equipes ‘descobrir, conhecer e intuir’ nessas visitas formais? Aqui vão algumas sugestões:

a. Coletar relatórios, publicações, anotações sobre tudo o que diz respeito aos trabalhos desenvolvidos pela comunidade como um todo e, especificamente, por cada confrade. Importante avisar de antemão que cada pessoa prepare de antemão o material ilustrativo do que vem desempenhando (atividades/iniciativas pastorais na paróquia ou em outras atividades específicas...) Quem não possui esse substrato documental terá prazo suficiente para elaborar relatórios explicativos específicos e fornecê-los à equipe. 

b. Acompanhar e visitar os contextos sociogeográficos em que atuamos (comunidades ribeirinhas, indígenas, centros, conselhos locais, etc...) e manter encontros formais e informais com lideranças locais e conselhos paroquiais. Se, por ventura, algo já foi feito nesse sentido, recentemente, por alguém do Conselho, ter-se-á presente o que foi elaborado por ocasião da visita.

c. Manter um diálogo aberto, franco, pessoal com cada confrade no intuito de compreender suas pequenas ou grande angústias, dúvidas, sonhos, projetos, disponibilidade... Não se trata de criar uma ficha policial do confrade, e sim, de compreender com o que mais ele se identifica em termos de serviço missionário, e valorizar suas qualidades e potencialidades.

3. Acreditamos ser possível realizar uma síntese bastante detalhada e precisa da realidade macro e específica da nossa província até a metade de junho. Aqui, o que se trata não é oferecer um diagnóstico rigorosamente técnico e bem redigido, mas o suficiente e necessário para ver se, por exemplo,  vale a pena continuar ou não num determinado lugar; se é, efetivamente o atual contexto geopastoral mais apropriado ou deveria ser outro ou, ate, fortalecendo e diversificando um já existente; ver se os atuais confrades estão, efetivamente identificados com o que a Província pede ou se é preciso colocar outros; analisar com criticidade e ‘distanciamento’ se as atuais prioridades possuem confrades que se identificam com elas ou se seria melhor providenciar as suas necessárias transferências; saber ate quando e com quais condições se pode contar com este ou aquele confrade, sem deixar de prever uma possível desistência, possíveis destinações outras, sem ignorar os ‘normais conflitos intracomunitários’ que acabam desgastando a convivência; se a metodologia de visitar, de se comunicar, e de avaliar uma determinada presença por parte do Conselho é a mais adequada, ou se seria necessário mudar; se o papel desempenhado pela coordenação e/ou secretariados atende aos anseios e as expectativas que as assembleias deveriam explicitar; se vale a pena ter assembleia de dois dias e retiros espirituais de 4 dias; e assim por diante...

Conclusão

Evidentemente é uma proposta inacabada, e a partir de uma determinada percepção que, de repente, não é sentida e partilhada pela maioria, o que é perfeitamente legítimo. Acreditamos, contudo, que um sentir comunitário e pautado pela responsabilidade e a fraternidade não pode deixar de nos preocupar com uma realidade que, lembramos, não é exclusiva de nós combonianos, no entanto deveria nos impelir a externar o que sentimos e vislumbramos. Se acharmos que do jeito que está a nossa caminhada como Província não exige nada de mais ou, talvez, só alguns ‘ajustes’, pedimos vênia pela nossa cegueira ou, quem sabe, pelo excesso de visão. Se, ao contrário, achamos que algo verdadeiro e realista foi aqui escrito e, sinteticamente, explicitado, então a HORA É AGORA. O nosso Kairós depende também de nós!

Piquiá, 12 de Outubro, 2025


sábado, 11 de outubro de 2025

FESTA DE NOSSA SENHORA APARECIDA - MENOS DEVOÇÃO, E MAIS COMPROMISSO EM REPRODUZIR AS OPÇÕES DE MARIA DE NAZARÉ!

Há muitas Marias dentre nós que nos revelam o rosto amável de um Deus que não vemos. Que nos ajudam a sentir que o Absoluto está entre nós. Que não é preciso adorá-Lo e louvá-Lo mas que é imprescindível amar, cuidar, proteger os seus filhos e filhas que somos nós! Se Jesus, fruto do amor entre José e Maria, foi aquela pessoa dedicada, generosa, atenta e compassiva que conhecemos é porque, certamente, teve uma educação intensa e específica por parte de seus pais que o prepararam para tal finalidade. É inadiável dentro da nossa igreja dar um novo direcionamento à nossa espiritualidade mariana. Maria não é deusa, não é rainha, e tampouco é uma santa a ser enclausurada num santuário para ser venerada! Maria é para ser seguida e ouvida. É para reproduzirmos e atualizarmos seus gestos, suas escolhas e suas opções de vida. O desafio para nós, hoje, é sabermos ouvir o clamor e a voz dos anjos humanos anunciadores de paz; é denunciar a falta do vinho do amor lá onde sobra ódio; é ter a coragem de percorrer montanhas para servir e proteger; é percorrer os calvários da vida e não abandonar os muitos filhos crucificados. É estarmos presentes nos inúmeros cenáculos carregados de esperança e de Espírito Transformador e compreendermos que a Boa Nova não se anuncia num templo ou numa sacristia, mas em todos os rincões da 'Pátria Amada' e da  humanidade. 

terça-feira, 7 de outubro de 2025

Comentário ao artigo 'Piquiá da Conquista: um ano depois! Uma reflexão' - Por Mansueto Dal Maso*

O propósito da minha reflexão/contribuição é retomar uma questão metodológica que considero essencial em todas as formas de pensar e agir e que, a meu ver, expõe um equívoco estrutural. Não pretendo, com isso, desmerecer qualquer iniciativa/ação e, muito menos, julgar pessoas e grupos que, com dedicação e afinco, gastam energias e dias em prol de causas que consideram importantes.

Em que consiste esse equívoco? Na “leitura/interpretação” da realidade/história. Não a consideramos/tratamos como processo, movimento, algo em constante devir e sim como uma sequência de dados, fatos, momentos, acontecimentos que, supostamente, teriam seu próprio sentido. Mas, ao mesmo tempo, chegamos a reconhecer/afirmar que “tudo está interligado”. Na “interligação”, um fato do presente contém em si o passado e, ao mesmo tempo, todos os possíveis desdobramentos futuros. Assim não é possível dizer “fiz o que devia fazer e agora posso descansar em paz!”. Quem garantirá/reproduzirá as conquistas e as condições indispensáveis para a sua reprodução no futuro? Um exemplo pode explicitar o que se pretende dizer. Uma sequência articulada de ideias, teorias, ações e lutas, entre uma infinidade de conflitos gerados e travados contra forças antagônicas, produziu aquela que chamamos de ‘sociedade democrática’. Alcançado este estágio, seria possível descansar em paz? Tudo indica que não, pois há forças poderosas em ação que visam minar a ‘democracia’ a apontam para outra forma de sociabilidade. Como, então, se organizar e agir tendo em vista não apenas manter e sim também reproduzir a ‘ordem democrática’, mesmo que esta assuma, ao longo do movimento da história, novas feições?  Quem nos garante que não seremos derrotados pelas forças antagônicas? Não basta desejar uma ‘coisa boa’, é necessário recriar constantemente as condições de sua existência. Onde pretendo chegar com isso? Ao que nos interessa diretamente, pois faz parte do acervo de nossas crenças e práticas. Não basta conquistar a terra. As condições de sua conquista devem ser permanentemente recriadas. O latifúndio sempre está à espreita. Não basta desencadear ações que tenham em vista assentar os deserdados. Estes, uma vez assentados, poderão ser novamente expropriados pelo mesmo sistema que os assentou.

Acredito que as considerações feitas em relação ao Pequiá da Conquista se encaixam nesta dinâmica da história. Ao pensar o assentamento, é necessário trabalhar as condições de sua reprodução/sustentabilidade. Caso contrário assistiremos a um progressivo processo de desagregação social que acabará recolocando na estrada quem tinha ganho uma moradia. Claramente estes desafios não são exclusivamente nossos. Movimentos, organizações, sindicados, grupos, etc. ... todos navegamos na mesma ambiguidade. Por fim, há mais uma pergunta/questionamento: quem dará continuidade às nossas ações se, achando que fizemos o que devia ser feito, abandonamos pessoas/grupos no meio do caminho?

*Mansueto Dal Maso, é missionário comboniano, italiano, doutor em Sociologia, há 46 anos no Brasil

quinta-feira, 2 de outubro de 2025

PIQUIÁ DA CONQUISTA: UM ANO DEPOIS! UMA REFLEXÃO - Por Claudio Bombieri

Dentro de poucos dias celebrar-se-á o primeiro aniversário da entrega de 312 casas no Piquiá da Conquista, Açailândia. São as moradias destinadas a acolher aquelas famílias que tiveram que se transferir de Piquiá de Baixo, em virtude dos altos níveis de poluição que vinham atormentando e secando muitas vidas humanas. A ‘conquista’ das residências e de um espaço sociogeográfico de qualidade vem a coroar um paciente e competente processo de tomada de consciência, de articulação e de mobilização em diferentes direções e dimensões, e encabeçada por um grupo significativo de populares de Piquiá de Baixo, e dos Missionários Combonianos de Piquiá.
 

Como não existem lutas populares lineares e homogêneas, livres de contradição, muitos pequenos conflitos de toda ordem têm permanecido latentes, - alimentados por sentimentos de confiança, esperança, tenacidade, disposição, misturados com sentimentos de descrença, de desconfiança, de disputas, de ciúme como ocorre em sociedades humanas, - mas jamais eclodidos de forma patente, de modo a ameaçar o todo. Entretanto, não se podia ignorar, desde os primórdios da luta social que, mais cedo ou mais tarde, alguém iria pedir a conta. E isto vem se verificando aos nossos dias. São pessoas e/ou pequenos grupos de famílias que ao não se sentirem contemplados com as novas moradias, por diferentes motivos, - inclusive o fato de não terem se cadastrado, à época, por não terem acreditado que um dia o sonho poderia ser realizado, ou, atualmente, por não aceitarem a remoção a outro local diferente do desejado/esperado - não se conformam com uma ‘exclusão’ que consideram ilegítima e geram um não desprezível desgaste social. 
 

Na atualidade, em que pese a entrega das 312 moradias, não se pode ignorar que permanecem postos no intrincado tabuleiro socioambiental de Piquiá alguns desafios que exigem ser enfrentados com urgência e firmeza, a saber:
a. Tentar mediar e persuadir as cerca de 60 famílias que não foram contempladas por diferentes e justos motivos com uma casa em Piquiá da Conquista a aceitar um local já identificado; sem falar naquelas que apareceram, de última hora, tentando se aproveitar do ‘imbróglio’. Em outras palavras, peitar com rigor quantos vêm tentando ocupar terrenos/lotes para construir ilegalmente suas casas naquele espaço /ambiente social denominado Piquiá da Conquista; 
b. Levantar, identificar e punir pessoas e famílias que ‘venderam, alugaram ou repassaram’ de forma sorrateira e ilegal suas novas moradias a outrem, algo não permitido por óbvios motivos; 
d. Dar um novo destino e sentido ao que sobrou de Piquiá de Baixo, mantendo viva de um lado a memória histórico-afetiva daquele espaço e, do outro, garantir que outras novas famílias não voltem a ocupar aquele espaço. O mesmo deveria acontecer com as empresas próximas, e/ou próprio poder municipal para que não transformem Piquiá de Baixo numa ‘terra arrasada’ e aquele lenço de terra no seu novo ‘quintal’; 
e. Enquanto os olhares permanecem apontados para Piquiá da Conquista, o setor urbano conhecido como Piquiá de Cima, permanece vítima de um dos maiores processos de poluição atmosférica, em que pese a propaganda oficial das empresas siderúrgicas. O pó de ferro, mais fino e mais intenso, que é dispersado pelo ar a partir dos depósitos de minério que se encontram nos pátios, - em virtude da movimentação de carga e descarga a céu aberto, associado à fumaça de numerosos fornos de produção de carvão vegetal, - contribuem para que o desafio de despoluir a região continue sendo árduo e urgente; 
f. Como tentar reforçar e/ou reconstruir a ‘cola social’ que se de um lado fortaleceu alguns setores da comunidade social de Piquiá da Conquista, do outro lado, a aparente vitória social (novas casas) parece não estar atuando como cimento social, na tentativa de impedir abusos e pequenas arbitrariedades na convivência social. 
Esses são só alguns dos principais desafios socioambientais que nos parecem se sobressair na atualidade em Piquiá da Conquista.  
 

Muito se escreveu a respeito de tudo isso, inclusive sobre os impactos da siderurgia na região, os caminhos tortuosos e lerdos da Justiça, as mediações e pressões para encontrar um terreno adequado para o reassentamento, as interferências dos poderes municipais, sobre as idas e vindas nas várias instâncias de representantes das famílias e de seus mediadores no intuito de acelerar e garantir a realização do sonho de um chão e de um projeto urbanístico aptos a acolher as famílias de Piquiá de Baixo, e com garantias de uma qualidade de vida/ar de nível razoável. Caberia, nesse momento, contudo, uma avaliação ampla e desarmada que venha a oferecer mais elementos de suporte para compreender o papel e a intervenção/participação de cada ator nessa épica luta social, histórica, que ficou conhecida internacionalmente. Concretamente, analisar o papel primordial dos próprios ‘sujeitos e vítimas históricas’ de Piquiá de Baixo, das famílias, em geral, seus representantes/líderes, dos mediadores, da justiça, e das demais instâncias que se articularam e intervieram ao longo dessa caminhada e identificar aqueles elementos estruturantes que ajudaram a consolidar metodologias e produziram ‘frutos sociais’ concretos. E, não último, uma profunda reflexão interna, específica, dentro do próprio grupo Comboniano (incluo aqui os leigos também), inclusive para ponderar o seu atual papel histórico-missionário, e a própria ‘conveniência’ de permanecer na região, ou pensar na hipótese de ‘emancipar’ essa região, e, talvez, buscar responder a desafios ainda não suficientemente identificados e enfrentados em outros espaços.
 

Entendo que, nesse momento, embora pouquíssimas pessoas dentro do grupo comboniano tenham condições para proceder a uma reflexão dessa envergadura, - inclusive, algumas delas já não atuam mais na região ou estão próximas de sair da Província, - torna-se sempre mais urgente e necessária uma análise em profundidade, em virtude do momento crucial que está a se vivenciar em Piquiá e na nossa Província. Cabe se perguntar com muita franqueza: será que diante da progressiva ausência de envio de missionários que se dediquem quase que exclusivamente a mergulhar nos desafios dessa realidade socioambiental, a inegável constatação de que não existe, no momento, a perspectiva de ‘revitalizar/relançar’ a nossa presença em Piquiá, associada às emergências e às exigências da administração paroquial/pastoral, não tornam essa conjuntura comboniana regional bastante problemática e desafiadora a ponto de exigir uma resposta coletiva minimamente consensual? Será que permanecer em Piquiá para administrar a paróquia, inclusive considerado o atual contexto pastoral diocesano, não seria uma forma de nos iludir de que estaríamos na vanguarda missionária e em plena sintonia com os grandes princípios e metodologias da ‘ecologia integral’? Ou, não seria, por acaso, uma espécie de autoenganação e uma certa falta de respeito com quantos ainda esperam de nós aquele compromisso socioambiental competente e integral que não temos e nem podemos oferecer? A todos nós cabe a árdua sentença!


quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Rubi, mulher trans indígena é encontrada morta na MA 006, em Arame; polícia civil investiga o caso

A Polícia Civil do Maranhão (PC-MA) investiga o assassinato de Rubi, uma mulher trans indígena que foi encontrada morta nesta segunda-feira (29), em Arame, cidade a 476 km de São Luís. De acordo com as investigações, o crime aconteceu às margens da MA-006. A vítima que morava na comunidade indígena Capim Queimado, T.I. Arariboia, foi encontrada com lesões pelo corpo que foram provocadas por uma arma branca. Até o momento, nenhuma pessoa suspeita de envolvimento no caso foi localizada. Em nota, a polícia informou que o caso está sendo tratado como homicídio e deve ser investigado pela Delegacia de Arame.
 

Veja, abaixo, a nota da Polícia Civil sobre o caso
 "A Polícia Civil do Maranhão (PC-MA), através da Delegacia de Polícia de Arame, informa que investiga um caso de homicídio registrado nesta segunda-feira (29). A vítima, Arlan Francisco Rodrigues Guajajara, conhecida como “Rubi”, apresentava lesões provocadas por arma branca. Equipes da Polícia Civil e Militar realizam diligências com o objetivo de coletar indícios que subsidiem o trabalho investigativo, para esclarecer as circunstâncias do crime e identificar sua autoria. A PC-MA ressalta que novas informações serão repassadas à medida que o andamento das investigações permitir."
 

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'Rubi' como era conhecida nas aldeias nunca representou uma meaça para ninguém. Caminhava solitária na estrada, a MA006 de uma aldeia para outra. O crime hediondo provocou forte comoção e revolta. Espera-se que os responsáveis seja identificados e rigorosamente punidos. 

Polícia Federal prende nove suspeitos por tráfico de drogas na Terra Indígena Bacurizinho no Maranhão

A Polícia Federal prendeu nove pessoas, nesta terça-feira (30), durante a Operação Guardiões, em Grajaú, no Maranhão. Cinco mandados de prisão foram cumpridos e outras quatro pessoas foram detidas em flagrante por tráfico de drogas, associação para o tráfico, posse irregular de arma de fogo e produção de entorpecentes. Segundo a PF, os presos estavam em posse de mais de sete quilos de maconha, além de armas e materiais usados no cultivo da droga. Eles foram levados para a Unidade Prisional de Grajaú, onde permanecem à disposição da Justiça. A investigação aponta que a quadrilha, formada por pernambucanos, atuava no plantio ilegal de maconha em escala comercial dentro da Terra Indígena Bacurizinho. O grupo era especializado no cultivo de Cannabis sativa e promovia recrutamentos periódicos de trabalhadores de Pernambuco para atuar nas plantações. A Operação Guardiões integra a Operação Carcará – fase VIII, que tem como foco o combate ao plantio de maconha em áreas de difícil acesso no Maranhão e busca desarticular organizações criminosas que abastecem o tráfico local e regional. (G1)

PF deveria fazer o mesmo em outras terras indígenas.

sábado, 27 de setembro de 2025

26° domingo comum - Os invisíveis que habitam na nossa casa!

Existem pessoas que se vestem de forma muito recatada não somente para chamar a atenção das demais, mas para esconder a nudez que existe dentro delas. Sobre o rico da parábola do evangelho de hoje só se diz que ele comia muito e que vestia bem. Nem o nome dele nós sabemos. Isso significa que pode ser qualquer um de nós! Com certeza o rico faminto achava que comendo muito podia matar a sua fome insaciável de plenitude de vida que não tinha. Há também um mendigo que se chama Lázaro que, em hebraico, significa ‘Deus ajuda’. Ele vivia fora da casa do rico. Aos olhos de todos ele parece um castigado e abandonado por Deus. Sem família, sem bens, ignorado por todos. As suas chagas revelam que é um ‘amaldiçoado’.  Os únicos seres misericordiosos que se aproximam de Lázaro são os cachorros, bichos impuros, que lambem suas feridas. Lázaro era um invisível aos olhos do rico que era incapaz de notar sua presença! Chega a morte para os dois. Jesus, agora inverte a situação, e a mentalidade dos fariseus. Aquele que era considerado amaldiçoado pelos homens, Lázaro, na realidade, sempre foi um abençoado por Deus e fica, agora, no seio de Abraão. Não é mais possível, agora, voltar atrás. Há um abismo entre eles dois. O mesmo ‘abismo’ que existia na terra. Somente quando aprendermos a partilhar com quem não tem é que eliminamos as desigualdades e os abismos entre os humanos e nos descobrimos membros da mesma família. 


sábado, 20 de setembro de 2025

25º domingo comum - Chega de amadorismo: os filhos da Luz devem ser mais hábeis e competentes em administrar o 'Verdadeiro Bem'!

Há uma indiscutível constatação a ser feita, hoje, na nossa sociedade planetária: vivemos sob um regime plutocrático. Ou seja, somos governados e dominados pelos ‘ricos’! Embora nem sempre deem as caras, eles estão por trás das grandes decisões políticas e econômicas que marcam o nosso cotidiano feito de tragédias e de misérias. Em seu modo de proceder, os ‘ricos’ adotam um estilo próprio, e são rigorosamente fieis a ele: não se deixar conduzir por princípios éticos, e nem por valores humanitários. Parecem possuir uma habilidade inata em explorar cada circunstância, cada oportunidade e cada pessoa para faturar mais riquezas e mais prestígio. São, no fundo, dependentes compulsivos, patológicos, mas extremamente competentes em alcançar seus insanos objetivos. Jesus que é um agudo observador do comportamento humano vislumbra naquele ‘imoral modo de proceder’ um dado metodológico a ser refletido: os seus seguidores poderiam aprender a ser mais ‘eficientes, hábeis e criativos’ em administrar ‘o verdadeiro bem’ que a Realeza de Deus-Pai oferece. Jesus, porém, com tristeza constata que ‘os filhos das trevas e da riqueza extorquida são mais competentes do que os filhos da luz em seu modo de operar’. Será que não chegou a hora de cuidar menos do templo e de suas liturgias, e se dedicar muito mais a libertar milhões de pessoas vítimas de insaciáveis e prepotentes idólatras de ‘Mamona’? 


quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Como o PCC se consolidou como peça-chave no tráfico internacional de cocaína

O Primeiro Comando da Capital (PCC), organização criminosa brasileira, se tornou um dos principais operadores transnacionais na exportação de cocaína. Hoje, o grupo é responsável por uma parte significativa do fluxo da droga para a Europa e outros mercados secundários. Isso não significa que os cartéis mexicanos, como os de Sinaloa e Jalisco, tenham perdido relevância — eles continuam dominando o acesso ao mercado norte-americano. Em alguns casos, inclusive, recorrem ao PCC como intermediário.

A produção mundial de cocaína nunca foi tão alta. As rotas de distribuição se multiplicam, e os consumidores estão espalhados por todos os continentes. Longe da imagem do chefão estilo Pablo Escobar, o tráfico hoje é operado por redes complexas e descentralizadas. Segundo o relatório de 2025 da ONU sobre drogas e crime, a produção ilegal de cocaína bateu recorde em 2023, com mais de 3.700 toneladas — um aumento de 34% em relação ao ano anterior. Estados Unidos e Europa continuam sendo os principais mercados, mas a Ásia surge como um destino promissor e a África como uma região emergente. A cocaína é hoje uma das drogas mais lucrativas do mundo. De acordo com Laurent Laniel, analista da Agência Europeia sobre Drogas, o tráfico hoje é controlado por grupos que coordenam diferentes etapas: produção, transporte e venda. Não há um comando central, mas sim uma rede de atores que se conectam e operam em conjunto. Segundo o pesquisador Victor Simoni, há uma espécie de “acordo global” entre os grandes grupos criminosos.

Depois de produzida, a cocaína precisa sair da América do Sul. O transporte marítimo é o mais usado, escondido em contêineres, embarcações semissubmersíveis ou por meio de "mulas" — pessoas que levam a droga no corpo ou na bagagem. É nesse ponto que entra o Primeiro Comando da Capital (PCC), organização criminosa brasileira. Surgido nas prisões de São Paulo após o massacre do Carandiru em 1992, o grupo começou como uma rede de presos que exigia melhores condições. Com o tempo, criou um sistema interno de regras e expandiu suas atividades para fora das cadeias. Nos anos 2000, o PCC passou a controlar o varejo da cocaína nas favelas e diversificou seus crimes: lavagem de dinheiro, tráfico de carros, peças, medicamentos falsificados e até pessoas. Na década seguinte, investiu nos portos e aeroportos do Brasil, especialmente no porto de Santos, o maior da América Latina, para garantir a logística da exportação da droga para a Europa e outros continentes.

Ponte entre produtores e compradores

O PCC funciona como uma ponte entre produtores e compradores. Por exemplo, os colombianos produzem grandes quantidades, mas não têm estrutura para enviar toneladas para portos como os de Roterdã, na Holanda, ou Le Havre, na França. O PCC intermedeia esses negócios, conectando os produtores a operadores logísticos ou máfias europeias, como a 'Ndrangheta italiana ou grupos dos Bálcãs. Além disso, regula preços, protege as cargas e distribui os lucros. Diferente do modelo hierárquico dos anos 1980 e 1990, o PCC opera com uma estrutura horizontal, em rede. Cada integrante conhece apenas o elo anterior e o seguinte, dificultando o rastreamento. Essa forma de organização é eficiente e lucrativa: o grupo conseguiu diversificar as rotas e oferecer cocaína mais pura e barata no varejo. Com o endurecimento da repressão na América do Norte, os traficantes passaram a mirar mercados menos pressionados, como o europeu. Segundo estudos sobre apreensões no porto de Le Havre, a maioria das remessas que chegam à Europa hoje tem o PCC como responsável. Um relatório da Global Initiative de 2023 também aponta que o grupo brasileiro está por trás do aumento do tráfico via África Ocidental, usada como rota intermediária para o continente europeu. A estimativa do tamanho real do mercado de cocaína é complexa. Mas, de acordo com a Direção Nacional de Inteligência e Investigações Aduaneiras da França, enquanto não se intercepta entre 70% e 90% da produção mundial, o modelo econômico do tráfico segue intacto.

Conglomerado de máfias

Hoje, a logística do tráfico conecta uma variedade enorme de produtores e distribuidores. Isso garante um mercado sem monopólio, embora poucos grupos transnacionais controlem o centro da cadeia de valor. Ao lado dos grandes operadores, há traficantes europeus que compram diretamente do Peru e pequenos grupos que adquirem lotes de 10 ou 15 quilos para revenda local. Embora o PCC domine a exportação em larga escala, a distribuição final da cocaína na Europa é altamente fragmentada. Nos principais portos europeus — como Roterdã, Antuérpia, Hamburgo, Le Havre, Valência e Barcelona — a droga é recebida por grupos locais bem estabelecidos. Em 2023, foram apreendidas 419 toneladas de cocaína na Europa, segundo relatório da Agência Europeia sobre Drogas. Mas a Europol alerta: para cada tonelada interceptada, várias outras passam despercebidas. Quanto mais se desce na cadeia, até chegar ao traficante de bairro, mais pulverizado é o sistema. Isso torna o mercado mais resistente — mesmo após operações policiais, ele se reorganiza rapidamente.

Pagamento em cocaína e novos mercados

Muitos intermediários locais são pagos com a própria droga. Isso alimenta o surgimento de novos mercados consumidores, especialmente na África Ocidental, mas também em algumas cidades portuárias da Europa. Após uma apreensão no porto de Valência, por exemplo, parte da carga foi desviada e vendida no mercado local por trabalhadores portuários corrompidos. Especialistas da Global Initiative against Transnational Organized Crime (GI-TOC) afirmam que "os mercados europeus de drogas estão mudando rapidamente". Segundo a entidade, o continente enfrenta uma combinação perigosa de tendências que desafiam as estratégias tradicionais de combate às drogas: uma onda contínua de cocaína, uma epidemia de crack em expansão e uma escassez crescente de heroína, que pode abrir espaço para a entrada de opioides sintéticos. Alguns países iniciaram processos mal planejados de legalização da maconha, o que tem gerado impactos nos vizinhos — como no caso da Alemanha, que legalizou o uso da substância em 2024. Ao mesmo tempo, cresce o número de novas drogas sintéticas, que competem diretamente com as substâncias tradicionais, especialmente por meio da internet. "Em 2024, foram apreendidas 41 toneladas dessas novas substâncias, sendo 47 delas identificadas pela primeira vez", dizem os especialistas da Global Initiative. O lucro gerado pela cocaína tem alimentado o crime organizado com uma quantidade inédita de dinheiro, o que se reflete em mais corrupção e violência. "Essa dinâmica ameaça a estabilidade política da Europa e coloca em xeque a credibilidade das democracias", afirmam os pesquisadores. (IHU)

Fogo, aço e ira: as melhores unidades militares de Israel atacam Gaza

 A batalha pela Cidade de Gaza começou na segunda-feira, na calada da noite, como um cerco medieval, com tropas israelenses de elite ocupando posições avançadas nos subúrbios, na escuridão, de onde poderiam lançar o ataque final contra o Hamas. Não há informações neutras nem verdade, mas uma coisa é certa: pela primeira vez na história, a luta está acontecendo de casa em casa em um centro urbano povoado por 600 mmil pessoas. Isso não havia acontecido nem em Stalingrado, em 1942, e, mais recentemente, nem mesmo em Grozny, a capital da Chechênia, arrasada pelo exército russo em 1994 e 1999. É fácil prever que a Cidade de Gaza será um banho de sangue, o ápice da feroz campanha lançada por Israel após os massacres jihadistas de 7 de outubro de 2023, que, segundo fontes de saúde palestinas, já causaram mais de 65 mil mortes.

A general Effie Defrin, porta-voz do exército israelense, afirma que "o Hamas criou o maior escudo humano da história, impedindo que civis deixem a zona de combate". Pelo menos 350 mil moradores fugiram da Cidade de Gaza nos últimos dias e, de acordo com a general Defrin, eles estão sendo tratados "de acordo com as regras internacionais". Acredita-se que o mesmo número possa deixar o campo de batalha em uma semana. O objetivo militar do ataque – explicado pelo Ministro da Defesa, Israel Katz – é eliminar a única brigada sobrevivente do movimento fundamentalista, com a intenção de exterminá-la definitivamente e, assim, obter a libertação dos reféns: "Queremos tomar o controle da Cidade de Gaza porque hoje ela é o principal símbolo da capacidade de governo do Hamas. Se ela cair, eles também cairão." Estima-se que os milicianos ali barricados sejam no máximo 2.500, mas, na realidade, um número muito maior de homens poderia contribuir para a resistência: eles contam com o conhecimento do território; uma rede de túneis e edifícios semelhantes a bunkers; câmeras para localizar soldados e acionar armadilhas. Eles se comunicam apenas por cabo, evitando o uso de rádios e celulares interceptados pelos serviços de inteligência do Estado judeu.

A ofensiva prosseguirá de forma aleatória, sem uma linha de frente definida. Por um lado, serão feitos esforços para forçar os militantes a se manifestarem abertamente, cercá-los e destruí-los. Por outro, os militantes tentarão localizar e libertar os reféns. Esta última missão parece difícil, senão impossível. "Todos os riscos e oportunidades foram explicados de forma clara e profissional no nível político", declarou ontem, quase em confiança, o General Eyal Zamir, comandante-em-chefe das FDI. "Este é meu dever, e estou liderando a operação para atingir todos os objetivos com responsabilidade e segurança". Os nomes das três divisões são o anúncio de um cerco massivo contra 2.500 milicianos que conhecem todos os segredos do território. (IHU)


sábado, 13 de setembro de 2025

Solenidade da contemplação do Crucificado

É loucura exaltar a cruz, é dever exaltar e contemplar o Crucificado. E os crucificados que enfrentam com ousadia a sua própria aniquilação como consequência e expressão de seu serviço abnegado e de sua doação ilimitada em favor de milhões de vítimas da prepotência humana. A cruz, como objeto em si, quando fincada à força nas terras assaltadas e invadidas, nos corpos torturados e violentados, e na alma de humanos fragilizados permanece ainda o símbolo vergonhoso da dominação, da conquista esmagadora e humilhante, da imposição cultural. Quando, ao contrário, vislumbramos nos crucificados martirizados que na cruz são vilipendiados e pendurados, o seu gesto extremo de impávida coerência e de doação incondicional, só podemos sentir compaixão, ternura e esperança. Isto pode parecer paradoxal, - como ‘era loucura para os gregos e escândalo para os Judeus’ exaltar um ‘Deus crucificado’, - mas, para os seguidores de Jesus, o martírio continua sendo a última e indignada denúncia profética diante dos insanos e desumanos crucificadores. Hoje não necessitamos somente de Cireneus que generosamente ajudam a carregar a cruz imposta na vida de milhões de seres humanos, mas precisamos de discípulos ousados, insurgentes e desobedientes que impeçam a fabricação legal das cruzes da fome, do esbulho, da exploração mais abjeta e da manipulação cultural e religiosa. 

quinta-feira, 11 de setembro de 2025

Marco temporal amplia vulnerabilidade indígena à escravidão, adverte relator da ONU

O relator especial das Nações Unidas sobre formas contemporâneas de escravidão, Tomoya Obokata, afirmou, na manhã desta quarta-feira (10), durante a apresentação de relatório sobre visita oficial ao Brasil realizada entre 18 e 29 de agosto, que “os povos indígenas são altamente vulneráveis à exploração e abuso”.

Obokata reuniu-se com diversos povos indígenas ao longo de sua missão. As lideranças destacaram que o acesso à terra e oportunidades de geração de renda são essenciais para prevenir formas contemporâneas de escravidão. Um relatório completo será formalmente apresentado na 63ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU em setembro de 2026. O relator manifestou profunda preocupação com a aplicação contínua do que denominou “doutrina do marco temporal”. Apesar de o Supremo Tribunal Federal (STF) tê-la declarado inconstitucional em setembro de 2023, o Congresso Nacional aprovou, semanas depois, a Lei nº 14.701, em resposta à decisão do tribunal. Desde então, os povos indígenas aguardam o julgamento, pelo STF, de ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) que questionam a lei. 

De acordo com trecho do relatório, “isso atrasou significativamente a demarcação de terras de todos os povos indígenas e priorizou interesses comerciais, legitimando a violência e violando seus direitos a terras, territórios e recursos naturais tradicionais”. Obokata ressaltou que esses grupos frequentemente enfrentam altos níveis de violência, ameaças, formas cruzadas de discriminação, perda de acesso a suas terras tradicionais e degradação ambiental decorrente de grilagem, extrativismo e atividades do agronegócio em seus territórios. Conforme o documento, “isso levou à destruição de seus meios de subsistência, deixando-os sem alternativa senão aceitar trabalhos exploratórios. Há também relatos de exploração sexual de mulheres e meninas indígenas próximas a garimpos e em áreas urbanas”. Tomoya Obokata foi nomeado Relator Especial sobre formas contemporâneas de escravidão, incluindo suas causas e consequências, em março de 2020. Obokata é atualmente professor de Direito Internacional dos Direitos Humanos na York Law School, no Reino Unido. (IHU)

domingo, 7 de setembro de 2025

23° domingo comum - Discípulos radicais em favor do Reino ou funcionários do templo e do palácio ?

Ou o discípulo possui estrutura humana e mística para encarar os desafios da missão e arcar com as consequências do discipulado, ou seja, do seguimento de Jesus de Nazaré, ou é melhor ele nem tentar entrar. Mas como verificar se existe ou não capacidade para tanto? Jesus nos oferece o critério principal: a coragem de carregar a própria cruz, ou seja, encarar a perseguição, a incompreensão e o martírio. Evidente que quem fica num templo ou numa secretaria paroquial dificilmente vai se testar consigo mesmo e com eventuais perseguições. Ao contrário, o discípulo que escolhe ser ‘outro Jesus’, com toda probabilidade encontrará os que irão boicotar a missão de Jesus. É nessas horas que se vê quem continuar firme na sua missão e quem abrir mão de valores, sonhos e opções fundamentais em favor da Realeza do Pai. Quem vai se manter fiel ao projeto de humanização de Jesus ou quem dará prioridade a seus próprios projetos pessoais.

segunda-feira, 1 de setembro de 2025

SE DEUS SILENCIA.......

 Se deus silencia é porque, talvez, o humano ouvinte seja surdo, 

Ou, desentendido, deixe seu ego gritar no absurdo;


Se deus silencia é porque, talvez, a fala não seja seu atributo, 

E, em vão, aguarda-se um sussurro do absoluto;


Se deus silencia é porque, talvez, esteja, ainda, ouvindo quem a ele clama,

E numa miríade de súplicas identificar a quem a sua bênção derrama;


Se deus silencia é porque, talvez, ele não seja Deus, mas uma criação,

E escolhido para ser eterno consolo de devotos da sagrada tradição;


Se Deus deixa de falar é porque, talvez, a cega arrogância fale mais alto,

E somente aos pequenos e invisíveis Ele se revele da paz o Arauto. 


Carta das Comunidades Cristãs da Espanha a Leão XIV: "Pedimos um gesto corajoso, profético e evangélico em relação a Gaza... Visite a Palestina"

Caro Papa Leão:

Em todo o mundo, crentes e não crentes, católicos e não católicos, estão profundamente entristecidos e aflitos com o grito de angústia vindo de Gaza. Sentimos em nossos corações o grito silencioso dos milhares de mortos pelas bombas e mísseis do governo israelense. Cerca de 20 mil crianças são mortas por bombas, e a fome assola o coração da humanidade. Nenhum governo é capaz de deter essa barbárie, descrita como genocídio. É sabido que Israel bombardeou e destruiu quase 90% das casas, destruiu tanques de água, escolas e universidades, hospitais, mesquitas e igrejas. E quando a população faminta e sedenta vem buscar garrafas de água e comida, Israel a metralha, matando dezenas de pessoas com pouco alimento nas mãos. Todos os dias, dezenas de crianças e adultos morrem de fome e por causa de bombas. Seis mil caminhões aguardam, carregados de comida e água potável. Eles apenas pedem para entrar e sair da carga que representa a vida de mais de dois milhões de pessoas. Mas o governo israelense não os permite entrar. Até mesmo o pároco de Gaza, Padre Gabriel Romanelli, e as religiosas preferem permanecer na paróquia, desobedecendo às ordens israelenses, porque temem que ir para o sul signifique a morte para as centenas de deslocados que estão acolhendo. Israel assassinou inúmeros médicos, jornalistas e trabalhadores humanitários, além da população. É o maior genocídio deste século em todo o mundo. Gaza se tornou um campo de extermínio. Os governos de Israel e dos Estados Unidos querem varrer Gaza do mapa. É uma limpeza étnica. Estamos consternados com a passividade da União Europeia e também com o silêncio de muitas igrejas cristãs. Sentimos que o silêncio é cumplicidade.

Não somos antissemitas. Somos simplesmente defensores dos direitos humanos, que são direitos divinos, pois os seres humanos são a imagem viva de Deus. Em meio à dor e às lágrimas, os moradores de Gaza clamam desesperadamente por nossa ajuda. Onde nós, seguidores de Jesus Cristo, devemos nos colocar? Hoje, o que está em jogo não é apenas Gaza. É a nossa própria humanidade. Não podemos permanecer em silêncio. Se permanecermos em silêncio, a morte vencerá. Santo Padre Leão, sentimos que o grito de Gaza é o grito de Cristo na cruz: "Tenho sede", sede de justiça, de reconciliação, de misericórdia, de perdão e de paz. Muitos governos ao redor do mundo condenaram esses massacres, especialmente as mortes de milhares de crianças. Mas nenhum, exceto os Estados Unidos, tem o poder de impedir o governo israelense de assassinar milhares de pessoas inocentes.

O que o Papa diz e faz?

Muitos católicos na Espanha e no mundo se perguntam: o que o Papa diz e faz? O que faria Jesus Cristo, que disse: Tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber, estive sem teto e me acolhestes, estive doente e me visitastes…?Participamos dos dias de oração que vocês convocaram pela paz. Participamos de jejuns e vigílias, rezando pela paz. Mas a oração não basta; também são necessárias ações que, com o poder do Espírito de Deus, possam deter a morte e abrir o caminho para a vida. Falamos a ti com todo o coração nas mãos, Santo Padre Leão. Escrevemos para implorar que faças um gesto corajoso, profético e profundamente evangélico. O que faria Jesus hoje diante desta realidade? Jesus nos lembra disso na parábola do Bom Samaritano (Lucas 10,25-37). O samaritano parou, cuidou do homem ferido à beira da estrada, pegou-o no colo e o carregou para um lugar seguro. E Jesus nos diz: Façam o mesmo. Nossos irmãos em Gaza são o corpo do homem caído à beira da estrada, a quem os padres e o clero não conseguiram socorrer. Em vez disso, são o corpo faminto, sedento e ferido de Cristo. Vários camaradas, crentes e não crentes, de todo o mundo se arriscaram a ir a Rafah para ver como poderiam fazer lobby para que alimentos e remédios entrassem na Faixa de Gaza. Mas as autoridades egípcias se recusaram a permitir. Por isso, ousamos implorar-lhe, em nome do Deus da vida e da misericórdia, que peça e exija que o governo israelense cesse os bombardeios, permita a entrada de caminhões com alimentos e medicamentos, opte pelo diálogo com o Hamas para libertar os reféns e ponha fim à sabotagem dos colonos israelenses na Cisjordânia. A Terra Santa, a Terra de Cristo, aguarda de você, Santo Padre, uma ação corajosa e profética.

Imploramos que convoque todos os governos e cidadãos do mundo a formarem uma frente unida pela paz. E que o Senhor, Santo Padre, visite a Palestina. Imploramos que convoque todos os governos e cidadãos do mundo a formarem uma frente unida pela paz. Imploramos também que, Santo Padre, visite a Palestina, em nome de toda a Igreja e da humanidade, exigindo paz, diálogo e solidariedade com o povo de Gaza. Isso impactaria profundamente as consciências e restauraria a credibilidade daqueles chamados a dar a vida por amor ao próximo. Sermões, declarações e manifestações não são mais suficientes para deter a barbárie. Ações concretas e proféticas são necessárias. Este gesto seria um Evangelho vivo.

Receba um grande abraço em Cristo Jesus.

sábado, 30 de agosto de 2025

22º Domingo Comum - O discípulo de Jesus deve aprender a ser humildemente generoso, e sem alimentar expectativas de recompensa!

Vivemos numa época de paradoxos. Se alguém nos dá algo de graça sem exigir nada em troca ficamos desconfiados. Afinal, somos regidos pelo princípio do ‘uma mão lava a outra’, ou do ‘toma lá dá cá’! Pensemos quantas vezes já defendemos o princípio, supostamente evangélico, da ‘reciprocidade’! Ou seja, o imperativo moral de ter que retribuir a quem nos deu algo, de graça, em algum momento, mesmo sabendo que ele nunca exigiu nada em troca! Jesus, no evangelho de hoje detona dois princípios comportamentais que eram sagrados na cultura judaica para os fariseus de ontem e de hoje: o prestígio/aparência e a reciprocidade. A mera procura para ser notado e ser publicamente reconhecido, homenageado, louvado, denota, não somente uma baixa autoestima, mas uma clara incompreensão dos conselhos evangélicos de Jesus como a humildade, a abnegação e o serviço desprendido e escondido. E a sustentação da ‘lei da reciprocidade’ é algo que permanece escandaloso! Com efeito, o Pai que colocou tudo em nossas mãos de forma graciosa, jamais pediu louvores, incensos e sacrifícios. E o seu filho Jesus, nunca exigiu nada em troca pelos inúmeros sinais que fez, e fugia quando alguém queria homenageá-lo! Isso deveria nos motivar a sermos mais generosos e misericordiosos principalmente com aqueles que jamais poderão nos retribuir, sem acalentar doentias expectativas de recompensa, aqui e agora. 


sexta-feira, 22 de agosto de 2025

21º Domingo Comum - Sem a prática da justiça, nada feito!

Podemos acreditar: a mera exibição de uma certidão de batismo, de primeira comunhão, de crisma, de casamento religioso, e nem sequer a participação assídua às missas, às novenas de todo tipo, ou a ostentação da carteirinha do dízimo em dia não garantem a posse da nossa salvação. Se não houver ao lado de todas essas práticas religiosas a prática da justiça, da caridade e da misericórdia a porta que dá acesso à plenitude de vida permanecerá trancada para nós. E continuaremos a fazer a experiência do desterro humano e espiritual, da ausência da paz interior, ou seja, da não vida! Afinal, é disso que se trata. O evangelho que é sempre ‘boa notícia’ não quer ameaçar e nem amedrontar os seguidores de Jesus com um hipotético futuro e eterno castigo, excluindo os filhos de Deus da plenitude da salvação. Jesus alerta, contudo, que todos aqueles seguidores devotos e praticantes de ritos e liturgias que praticam a iniquidade, a mentira, a injustiça, a trapaça, a violência e toda sorta de abuso estarão, eles mesmos, se autoexcluíndo, e permanecendo do lado de fora da comunhão com o Pai, aqui, agora! O chamamento de Jesus a termos uma prática evangélica coerente é de extrema atualidade, principalmente hoje em que mergulhamos numa perigosa esquizofrenia religiosa em que a nossa prática religiosa se acostumou a não caminhar de mãos dadas com a prática evangélica da justiça. Ao não fazermos isso anulamos a eficácia de toda ação religiosa! 


quarta-feira, 20 de agosto de 2025

Uma carta aberta que jamais devia ter sido escrita

Titubeei bastante antes de escrever esta carta despretensiosa, mas que, certamente, será considerada por muitos de vocês um tanto inconveniente; não tanto pelo seu conteúdo, quanto por utilizar esse meio de comunicação que, diga-se de passagem, está ao alcance de todos, mas que não me parece ser aproveitado adequadamente para expor pensamentos, opiniões, sugestões...Com efeito, acreditam alguns de vocês que 'essas coisas' deveriam ser ditas e debatidas somente no espaço físico-formal de uma assembleia provincial ou de uma reunião de algum secretariado, e com a presença física. Só assim haveria plena legitimidade para dizer o que aqui se diz! De qualquer forma, num regime de quase plena liberdade de expressão e veiculação coloco sem inibições e sem temores das já conhecidas reações de vários de vocês, como eu vejo o momento atual da Província. Caberá à sabedoria ou a indiferença de cada um fazer tesouro ou descartar/ignorar os ‘delírios’ aqui expostos...

    Em primeiro lugar constato que estamos a viver um período marcado por uma forte sensação de desnorteamento que, aparentemente, não possui causas de fácil identificação. No meio do turbilhão, também não há como determinar responsabilidades, uma vez que todos nós estamos sendo arrastados por uma espécie de maré incontrolável. Além do mais, o objetivo desta carta não visa malhar um possível e hipotético ‘Judas’, uma vez que este está em todos nós: ‘quem não tiver pecado jogue a primeira pedra’, dizia o Mestre. Caso haja uma velada presunção na carta, esta visa tão somente provocar o debate que, - dada a minha deformação profissional, - dificilmente ocorrerá, inclusive naqueles espaços formais que alguns apontam como sendo os únicos ‘adequados e próprios para esse tipo de colocações’.  Ao mesmo tempo, o escrito pode ser uma oportunidade para favorecer uma tentativa de reflexão e contribuir na sistematização e socialização de angústias e preocupações, compartilhando percepções, pontos de vista, interpretações.  Faço isso ciente de que, nestes tempos, é mais fácil dizer ‘o que não somos e o que não queremos’ do que identificar/delinear o que somos e o que queremos.

Como frisei, em que pesem a falta de clareza e as disseminadas angústias, - pelo menos a partir da minha percepção e pelo testemunho de alguns de vocês, - acho oportuno e imperioso socializar sentimentos, percepções, temores, ainda que não abunde as intuições. Dependendo do grau de empatia de cada um, considero possível distinguir o que seria central/prioritário e o que seria periférico, o que seria pertinente e o que seria desviante, o que me parece coerente e o que definimos, formalmente, incoerente. Em suma, tentar, de forma ousada e sem muitos idealismos e malabarismos, apanhar, caracterizar e melhor compreender alguns processos que, a meu ver, estariam minando, enfraquecendo e, de certa forma, pulverizando os esforços direcionados à construção de um projeto coletivo de província. As relações entre o “coletivo” e o “individual” sempre foram permeadas por conflitos, tensões e contradições. Neste momento, contudo, parece-me prevalecer, de forma um tanto avassaladora, as visões, os projetos e as metodologias individuais. A valorização da pessoa parece consistir no projeto pessoal que ela consegue traçar e implementar. 

    Em segundo lugar, preocupa-me a carência, senão a ausência, de reflexão, aprimoramento, desconstrução, reformulação, de uma maneira sistemática e crítica, das escolhas/prioridades feitas que, diga-se de passagem, estão registradas em nossos documentos. Parecem funcionar como guarda-chuvas: protegem, amparam e justificam as opções/projetos de cada um. O material comunicativo que circula entre nós tem mais um caráter informativo, celebrativo, e até jocoso, do que propriamente analítico e propositivo, talvez por se 'reservar a debater somente na assembleia provincial...'. Importa registrar que, se de um lado, falta uma instância incentivadora, motivadora e estimuladora que propicie a socialização das experiências das comunidades, do outro, parece-me estar escasseando, progressivamente, as motivações pessoais e a capacidade de expor criticamente o que fazemos, o que sentimos, como avaliamos e quais são os nossos sonhos. Todos pertencemos a uma comunidade, mas, na realidade, não sabemos o que as outras comunidades fazem, de fato, como se sentem, quais os desafios e angustias, quais, também, as perspectivas. Mergulhamos numa espécie de letargia intelectual/reflexiva e numa atitude morna, indefinida, um tanto apática. Fique claro: não estou a afirmar que as pessoas não trabalham. Estou a dizer que não percebo, desde o meu ponto de vista, uma reflexão sistemática das nossas práticas. A impressão é de que todos nós fazemos de tudo um pouco, fazemos de qualquer jeito e sem preocupação sobre o que tudo isso estaria gerando ou deixando de gerar. 

    Não é difícil constatar a escassez de conteúdos e de testemunhos consistentes contida nas atas do CP, no sito Comboniano, nos grupos de WhatsApp, nas próprias assembleias ou nas articulações provinciais. Para ser mais específico: qual foi a última reflexão realizada, por exemplo, sobre a nossa atuação-inserção no mundo sociocultural dos afro-brasileiros, a não ser um recente vídeo que parecia 'encomendado' auto-elogiando 'os próprios combonianos' por serem os protagonistas em despertar uma 'nova consciência' nos jovens negros de Salvador? Não é somente saber o que foi feito ao longo desses anos, mas compartilhar intuições, evoluções, metodologias e perspectivas, hoje, no atual contexto eclesial, provincial, cultural. É desde a longínqua época de Heitor Frisotti que não vemos/lemos nada a esse respeito nessa dimensão! O que dizer, por exemplo, sobre a nossa atuação juntos aos assim chamados ‘ribeirinhos’? Nunca vi um relatório, um informe, ou uma reflexão minimamente sistematizada a esse respeito. Saber, por exemplo, como se dá o trabalho pastoral, qual a realidade sociocultural e econômica daquelas comunidades, o que vem produzindo, de fato, quais perspectivas de continuidade ou de entrega, quais desafios e aportes para a Província como um todo? Diga-se o mesmo quanto à questão indígena ou socioambiental ou das periferias urbanas, nas diferentes localidades, só para permanecermos nas assim chamadas prioridades. Faltou convite e incentivo por parte da coordenação? Faltou interesse e desejo pessoal em pensar e refletir comunitariamente? Faltou cobrança por parte do grupo? Como possuir elementos avaliativos e programáticos nos momentos cruciais de tomada de decisão se não possuímos informações, explanações, análises críticas do que fazemos e pensamos? Ou será que tudo isso foi exposto somente em assembleia, mas não relatado em atas e divulgado?  Seria interessante também fazermos uma avaliação, serena e profunda, da utilização das redes de comunicação que dispomos. Tornaram-se espaços de informação e comunicação mais do que formação/reflexão. Muitas, senão a maior parte, das coisas que lá circulam, ou já são do conhecimento de quem está preocupado com as mesmas questões ou são do interesse exclusivo de quem as posta. Bombardeados por uma infinidade de informações/indicações que, muitas vezes, visam formatar mentes e almas, precisamos focar no que é essencial/primordial para a nossa missão, a vida dos povos e a unidade/comunhão do grupo. Um bom artigo, um texto analítico que nos ajude a pensar, rever nossas concepções e visões do mundo a colocar em discussão as nossas ações dificilmente é visto nos nossos meio de comunicação. Talvez seja o que precisamos, mas..... 

    Em terceiro lugar, sinto-me com coragem de colocar outra questão que merece registro e tem a ver com a emergência de um latente e progressivo conflito geracional e cultural. Ainda que não se apresente de maneira explícita/contundente e haja certo temor/pudor em colocar e abordar o problema, constata-se que interfere, às vezes de forma mascarada e, outras vezes, com mais força e nitidez, nas visões/concepções de missão, do grupo e da forma de ser igreja. Desde o meu ponto de vista há um grupo, relevante, dentro da Província, geralmente catalogado como de segunda ou terceira idade que se moldou no contexto de uma determinada matriz formativa e eclesial; há outro grupo, de geração mais recente, que possui outras sensibilidades e outras preocupações. Não está em causa o suposto desafio de separar uma coisa da outra, o joio do trigo, o bem do mal, o bom do menos bom. Nada disso! Nem comparações caberiam. O que acontece na vida prática é a dificuldade e o desafio de produzir e manter a unidade. Virou chavão falar de “unidade na diversidade” como se fosse uma receita de bolo, uma mágica de quem decora e repete a fala. Na vida real as pessoas querem se sentir contempladas, valorizadas, dignificadas. Por isso, a questão me parece ser estrutural, de grupo e não individual. Como manter a unidade do grupo quando há projetos construídos com base em conteúdos e metodologias não apenas diferentes, mas também antagônicos? A impressão, - oxalá esteja equivocado, - é que essa questão não está sendo colocada ou, quem sabe, esteja sendo escamoteada. As possíveis e desejadas críticas não encontram entre nós o necessário, salutar e fecundo espaço. Medo de que, afinal? É comum ouvir críticas direcionadas a partidos, agremiações, igreja (evangélicas), movimentos, sindicatos, associações, organizações, instâncias e instituições governamentais etc. Reconhecemos que, muitas vezes, desviaram de suas finalidades e, preocupadas com interesses particulares, perderam o rumo ou, quem sabe, acharam outra direção! Data vênia, não estaríamos nós também no mesmo barco, um tanto perdidos? O passado nos honra, mas não podemos viver dele! Também não contribui em nada a nossa insistente autorreferencialidade. Apenas cria falsas expectativas e enche, ilusoriamente, o nosso ego. Desde o meu ponto de vista, a ausência de visão crítica e autocrítica nos coloca numa situação paradoxal. Há, por parte das gerações mais antigas o silêncio incômodo em relação às gerações mais novas. Considera-se que estas representariam, idealmente, o futuro, logo, faz-se necessário preservá-las de determinadas críticas, ainda que se discorde de determinadas posturas. Aflora, consequentemente, um certo abstencionismo e um espírito de renúncia ao princípio do contraditório e à participação do que teria a ver com o futuro. Prefere-se defender e viver no passado. Por outro lado, impregnados de outras sensibilidades, as gerações mais novas do grupo vão ocupando espaços sem, às vezes, ter claro o que pretendem com isso. Ocupam espaços dentro da estrutura da província, às vezes sem ter tido a oportunidade ou a curiosidade de conhecer sua história. 

    Em quarto lugar, as colocações acima delineadas, ainda que de forma sucinta, nos direcionam para outra preocupação: o exercício da coordenação provincial. Faço questão de reiterar, mais uma vez, que não há a mínima pretensão de tecer, aqui, críticas pessoais, individualizadas. Não há como negar as evidências: todos nós vivemos em tempos e contextos determinados e somos condicionados e moldados por específicas formas de organização social, cultural, política, econômica e, por que não, religiosa. Muitas vezes nos vemos na obrigação de cumprir com funções que nos foram atribuídas/delegadas. Aí experimentamos a ambiguidade/dilema de ter que lidar com o institucional e o informal, o coletivo e o pessoal. E, não sejamos ingênuos, o institucional sempre se impõe sobre o pessoal/individual. Isso, contudo, não nos exime das visões críticas e dos esforços para modificar também o que é institucional. Ou seja, não se trata apenas de uma conversão pessoal, mas também estrutural/institucional. É neste sentido que considero legítimo e propositivo externar as minhas angústias ao dizer que tenho a sensação de que a coordenação parece trilhar caminhos próprios, talvez um tanto distantes de um sentir e de um sonhar mais comum. Preocupa-me a progressiva tomada de decisões ignorando o sempre desejável envolvimento do grupo, exceto naqueles casos excepcionais, personalíssimos. É o caso emblemático, por exemplo, do fechamento do postulantado de Curitiba e a sua transferência a Fortaleza, mantendo no escuro a província como um todo. Poder-se-á invocar razões sigilosas para não constranger determinados confrades supostamente envolvidos nesses processos. Entretanto, a minha insignificante experiência e o bom senso me sugerem que, com inteligência e discrição, é sempre melhor 'abrir o jogo', mas jamais tomar decisões de tamanha envergadura sem deixar um tempo útil para os membros da província opinarem. Deu no que deu, deixando feridas abertas e mágoas. E até o presente momento a coordenação não se pronunciou a respeito e a maioria não sabe o que aconteceu de fato. Preocupa-me sim, outrossim, aquela que, aparentemente, se configuraria como uma tendência da coordenação provincial em pressionar mais através de escritos do que através do diálogo franco e aberto, olhos nos olhos. Talvez seja o caso de dialogar mais e buscar caminhos e formas de renovarmos a presença missionária comunitária em contextos específicos e diferenciados do que insistir tanto na tradicional convivência conventual que continua sendo uma espécie de obsessão.     Continua-se a exercer o serviço da província nos mesmos moldes de um passado remoto. Pode acontecer que os conselheiros nem conheçam os confrades que, teoricamente, são chamados a representar. Haveria o receio, talvez, de usurpar competências alheias? Ou talvez os confrades prefiram negociar diretamente com a figura do provincial? Realmente, pouco avançamos neste sentido. O provincial tem que lidar com conselheiros que ele não escolheu e os que foram votados como conselheiros parecem não possuírem legitimidade com aqueles que os escolheram, e tampouco com o seu coordenador, que também não os escolheu. Acredito que, ao incentivar concretamente todas as possíveis formas de participação, mesmo sabendo que sempre poderá haver aquele que não valorizará isso, certamente haverá também aquele que não dispensará sugestões, conselhos, correções. Isto exige humildade, caso contrário assistiremos sempre mais a publicações de cartas destemperadas, escrachando publicamente determinadas pessoas e realidades conflituosas particulares mantidas em segredo, ou a desabafos clandestinos em boca pequena permitindo, contudo, que se tenha a ilusão de que 'está tudo muito bem, obrigado'. Sabemos que isso não bate com a dura realidade!  Em nada servirá desafiar e exigir aos que assim se manifestarem, como é o meu caso, que apontem saídas ou indiquem fórmulas milagrosas. Sabemos que é no cotidiano feito de pequenas partilhas, de confrontações sinceras e responsáveis, de capacidade de acolher as críticas recíprocas não como formas de destruição, e sim como ajustes ou redirecionamento do rumo que construiremos o presente e o futuro. Afinal, estamos todos no mesmo barco e precisamos nos questionar, dialogar, nos afinar e ... remar. “Sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só. Mas sonho que se sonha junto é realidade” (Raul Seixas).

    Angustia-me a sensação de que, ao não existir o reconhecimento público das tensões e conflitos que existem entre nós, estaríamos envoltos num clima de ‘serenidade e fraternidade’. É o que sempre aparece nas nossas avaliações de fim-de-assembleia! Se for essa a lógica prevalecente, o mascaramento da realidade, de fato, não teremos como reconhecer e enfrentar um certo mal-estar difuso que, a meu ver, muitos sentem, mas poucos explicitam. Tenho a sensação de que o que se fala ou se escreve não encontra eco nas instâncias de coordenação. Não é a primeira vez, por exemplo, que se sugerem caminhos, propostas, dicas, relativamente novos. Demasiadamente idealistas e pouco realistas como alguns afirmaram? Dizíamos, por exemplo, que era necessário e urgente repensar a etapa do postulantado e até do escolasticado, pelo menos aqui, no nosso grupo. E foram oferecidas, em epoca de pandemia, propostas concretas. Preferiu-se manter o mesmo estilo e metodologia de 40 anos atrás, mesmo tendo um ou dois postulantes, (e agora, nenhum!) sem abrir mão de hábitos petrificados e comprovadamente estéreis. Quantas vezes aos atuais formadores do escolasticado de São Paulo foi sugerido, por exemplo, de propor leituras específicas da realidade sociocultural e eclesial da região onde os escolásticos iriam passar o período do recesso escolar – algo em vigor desde os anos 80 sem nenhuma mudança! – mas, diferentemente disso, salvo raras exceções, os escolásticos pisam nas nossas comunidades ignorando/desconhecendo a realidade, “e tudo segue dramaticamente igual, sem falar de outras questões a essas relacionadas que não vale a pena colocar nesse espaço.

    Falamos em ‘paróquias combonianas’, e existem documentos que sacralizam os critérios para tal definição. Em muitos casos, contudo, elas não se diferenciam de outras não combonianas. Afinal, entra conselho e sai conselho e a ‘paróquia comboniana’ depende exclusivamente do ‘pároco nomeado’, pois não existe nem internamente e nem por ocasião das visitas do provincial, a prática da avaliação e da confrontação utilizando os critérios definidores de uma paróquia comboniana. Anos atrás foram criados os JECs como uma forma de nova animação missionária e vocacional, mas alguém sabe como estão sendo conduzidos? Qual balanço após tantos anos? Quais conteúdos, quais pessoas, quais frutos, quais perspectivas? Estamos às vésperas de um congresso nacional de Jovens Combonianos que, sem dúvida, consumirá energias e recursos, mas poucos se expõem para fazer legítimas indagações. Não se trata de desmontar, de antemão, propostas novas ou supostamente tais, trata-se de ter a coragem de avaliar a partir de critérios coerentes e racionais para verificar se vale a pena continuar ou parar, ou reinventar! 

Evidente que diante dessas considerações vai passar pelo pensamento dos 'inconformados' a ideia de que 'eles estão sobrando' e que, talvez, seja conveniente em 'pedir para sair' para não ameaçar ou romper o clima de serenidade e fraternidade existente. Da mesma forma, é o que se passa pela cabeça daqueles missionários que já trabalharam na província e que, agora, se encontram na sua província radical, sobre a conveniência em voltar para cá ou permanecer lá! Seja o que for, alguém dirá que nós somos guiados pelo Espírito, e não estamos sozinhos nessa história! Assim seja! 

Piquiá, 20 de agosto, 2025



 


terça-feira, 19 de agosto de 2025

Al Gore: solução climática está mais próxima que imaginamos

A menos de 100 dias da COP30 no Brasil, em novembro, Al Gore esteve no Rio para liderar um treinamento de novas lideranças climáticas de sua organização, The Climate Reality Project. Sua atuação em defesa do clima foi reconhecida com o Prêmio Nobel da Paz, em 2007. "Dedico meu tempo a fortalecer movimentos de base para recuperar o controle humano sobre nosso destino", comenta. Ante o cenário climático desafiador, Al Gore enxerga um horizonte otimista. "Não quero vender ‘ilusão de esperança', mas gosto da Lei de Dornbusch: as coisas demoram mais para acontecer do que pensamos, mas depois acontecem mais rápido do que imaginávamos.

 Isso se aplicou a tecnologias limpas e também a lutas morais, como a abolição da escravidão ou o voto feminino. Pareciam impossíveis – até se tornarem inevitáveis. Creio que estamos próximos desse ponto no clima", diz.  O ex-vice-presidente dos EUA sustenta a projeção com base nos impactos da eletrificação automotiva e industrial, além de inovações tecnológicas como o aço verde e a agricultura regenerativa. "O mundo ainda queima muitos fósseis, mas pode estar no pico. A China começou a reduzir emissões, o que deve se refletir globalmente. Mais de 20% dos carros novos vendidos no mundo já são elétricos. Na China, próximo a 82%. A Agência Internacional de Energia diz que já temos tecnologia para reduzir emissões em 65% em 10 anos. Se chegarmos ao zero líquido, a temperatura para de subir imediatamente", argumenta.

O impasse dos fósseis

Apesar da visão otimista, Al Gore eleva o tom e demonstra indignação quando fala da negligência que observa nas negociações climáticas com o tema dos combustíveis fósseis. "Foram necessários 28 encontros para que a expressão ‘combustível fóssil' fosse sequer mencionada, quando a crise climática é essencialmente uma crise dos fósseis. Mais de 80% do problema vem da queima de carvão, petróleo e gás", critica. O fracasso das negociações sobre plásticos em Genebra, neste mês, foi lembrado como um sinal preocupante. "Mostra o poder que a indústria fóssil ganhou – a ponto de ditar o que o mundo pode ou não fazer. É absurdo falarmos em triplicar a produção de plásticos, quando já vemos microplásticos no sangue, no leite materno, nas placentas. Estudos mostram efeitos semelhantes ao Alzheimer em animais. E mesmo assim os poluidores conseguem impor sua agenda", criticou. "Não podemos permitir que os poluidores escrevam as regras. Isso não vai durar: o amor pela liberdade é mais forte, e acredito que veremos a queda desse poder hegemônico", disse.

Brasil sob pressão

Em junho, durante a chamada "pré-COP", em Bonn, o Brasil foi pressionado a defender um plano de eliminação dos combustíveis fósseis, como anfitrião da conferência. O embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, recebeu uma carta assinada por mais de 250 cientistas de 27 países com cobranças por uma liderança mais enfática do Brasil no chamado "phase-out" do petróleo. Climatologistas brasileiros como Carlos Nobre, Mercedes Bustamante e Paulo Artaxo assinam o documento. Na carta, registram que "o mundo ultrapassou 1,5ºC de aquecimento em um único ano pela primeira vez registrada, com impactos climáticos crescentes em todos os continentes". Segundo os cientistas, "a causa preponderante é nossa contínua dependência de combustíveis fósseis". A indústria dos combustíveis fósseis responde por cerca de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) global. Somada à dependência dessas fontes na matriz energética global, o peso econômico do setor emperra o processo de transição. Adiá-lo, todavia, pode custar caro: projeções apontam que a inação frente as mudanças climáticas poderia consumir 18% do PIB mundial até 2040.Nos países do G20, que respondem por mais de 80% do consumo de energia do mundo, a dependência dos fósseis é da ordem de 70% de sua energia primária. A exceção é justamente o Brasil, com 50% de participação no consumo de energia primária fóssil. "Vocês são o que os outros países do G20 querem ser quando se tornarem adultos", brinca Al Gore, em referência à matriz energética brasileira. Para o prêmio Nobel da Paz, o Brasil reúne condições únicas para liderar a agenda climática global: "abundância de renováveis, biodiversidade incomparável e um histórico de engajamento na diplomacia ambiental. Essa liderança será ainda mais necessária na COP30".