Podemos acreditar: a mera exibição de uma certidão de batismo, de primeira comunhão, de crisma, de casamento religioso, e nem sequer a participação assídua às missas, às novenas de todo tipo, ou a ostentação da carteirinha do dízimo em dia não garantem a posse da nossa salvação. Se não houver ao lado de todas essas práticas religiosas a prática da justiça, da caridade e da misericórdia a porta que dá acesso à plenitude de vida permanecerá trancada para nós. E continuaremos a fazer a experiência do desterro humano e espiritual, da ausência da paz interior, ou seja, da não vida! Afinal, é disso que se trata. O evangelho que é sempre ‘boa notícia’ não quer ameaçar e nem amedrontar os seguidores de Jesus com um hipotético futuro e eterno castigo, excluindo os filhos de Deus da plenitude da salvação. Jesus alerta, contudo, que todos aqueles seguidores devotos e praticantes de ritos e liturgias que praticam a iniquidade, a mentira, a injustiça, a trapaça, a violência e toda sorta de abuso estarão, eles mesmos, se autoexcluíndo, e permanecendo do lado de fora da comunhão com o Pai, aqui, agora! O chamamento de Jesus a termos uma prática evangélica coerente é de extrema atualidade, principalmente hoje em que mergulhamos numa perigosa esquizofrenia religiosa em que a nossa prática religiosa se acostumou a não caminhar de mãos dadas com a prática evangélica da justiça. Ao não fazermos isso anulamos a eficácia de toda ação religiosa!
sexta-feira, 22 de agosto de 2025
quarta-feira, 20 de agosto de 2025
Uma carta aberta que jamais devia ter sido escrita
Titubeei bastante antes de escrever esta carta despretensiosa, mas que, certamente, será considerada por muitos de vocês um tanto inconveniente; não tanto pelo seu conteúdo, quanto por utilizar esse meio de comunicação que, diga-se de passagem, está ao alcance de todos, mas que não me parece ser aproveitado adequadamente para expor pensamentos, opiniões, sugestões...Com efeito, acreditam alguns de vocês que 'essas coisas' deveriam ser ditas e debatidas somente no espaço físico-formal de uma assembleia provincial ou de uma reunião de algum secretariado, e com a presença física. Só assim haveria plena legitimidade para dizer o que aqui se diz! De qualquer forma, num regime de quase plena liberdade de expressão e veiculação coloco sem inibições e sem temores das já conhecidas reações de vários de vocês, como eu vejo o momento atual da Província. Caberá à sabedoria ou a indiferença de cada um fazer tesouro ou descartar/ignorar os ‘delírios’ aqui expostos...
Em primeiro lugar constato que estamos a viver um período marcado por uma forte sensação de desnorteamento que, aparentemente, não possui causas de fácil identificação. No meio do turbilhão, também não há como determinar responsabilidades, uma vez que todos nós estamos sendo arrastados por uma espécie de maré incontrolável. Além do mais, o objetivo desta carta não visa malhar um possível e hipotético ‘Judas’, uma vez que este está em todos nós: ‘quem não tiver pecado jogue a primeira pedra’, dizia o Mestre. Caso haja uma velada presunção na carta, esta visa tão somente provocar o debate que, - dada a minha deformação profissional, - dificilmente ocorrerá, inclusive naqueles espaços formais que alguns apontam como sendo os únicos ‘adequados e próprios para esse tipo de colocações’. Ao mesmo tempo, o escrito pode ser uma oportunidade para favorecer uma tentativa de reflexão e contribuir na sistematização e socialização de angústias e preocupações, compartilhando percepções, pontos de vista, interpretações. Faço isso ciente de que, nestes tempos, é mais fácil dizer ‘o que não somos e o que não queremos’ do que identificar/delinear o que somos e o que queremos.
Como frisei, em que pesem a falta de clareza e as disseminadas angústias, - pelo menos a partir da minha percepção e pelo testemunho de alguns de vocês, - acho oportuno e imperioso socializar sentimentos, percepções, temores, ainda que não abunde as intuições. Dependendo do grau de empatia de cada um, considero possível distinguir o que seria central/prioritário e o que seria periférico, o que seria pertinente e o que seria desviante, o que me parece coerente e o que definimos, formalmente, incoerente. Em suma, tentar, de forma ousada e sem muitos idealismos e malabarismos, apanhar, caracterizar e melhor compreender alguns processos que, a meu ver, estariam minando, enfraquecendo e, de certa forma, pulverizando os esforços direcionados à construção de um projeto coletivo de província. As relações entre o “coletivo” e o “individual” sempre foram permeadas por conflitos, tensões e contradições. Neste momento, contudo, parece-me prevalecer, de forma um tanto avassaladora, as visões, os projetos e as metodologias individuais. A valorização da pessoa parece consistir no projeto pessoal que ela consegue traçar e implementar.
Em segundo lugar, preocupa-me a carência, senão a ausência, de reflexão, aprimoramento, desconstrução, reformulação, de uma maneira sistemática e crítica, das escolhas/prioridades feitas que, diga-se de passagem, estão registradas em nossos documentos. Parecem funcionar como guarda-chuvas: protegem, amparam e justificam as opções/projetos de cada um. O material comunicativo que circula entre nós tem mais um caráter informativo, celebrativo, e até jocoso, do que propriamente analítico e propositivo, talvez por se 'reservar a debater somente na assembleia provincial...'. Importa registrar que, se de um lado, falta uma instância incentivadora, motivadora e estimuladora que propicie a socialização das experiências das comunidades, do outro, parece-me estar escasseando, progressivamente, as motivações pessoais e a capacidade de expor criticamente o que fazemos, o que sentimos, como avaliamos e quais são os nossos sonhos. Todos pertencemos a uma comunidade, mas, na realidade, não sabemos o que as outras comunidades fazem, de fato, como se sentem, quais os desafios e angustias, quais, também, as perspectivas. Mergulhamos numa espécie de letargia intelectual/reflexiva e numa atitude morna, indefinida, um tanto apática. Fique claro: não estou a afirmar que as pessoas não trabalham. Estou a dizer que não percebo, desde o meu ponto de vista, uma reflexão sistemática das nossas práticas. A impressão é de que todos nós fazemos de tudo um pouco, fazemos de qualquer jeito e sem preocupação sobre o que tudo isso estaria gerando ou deixando de gerar.
Não é difícil constatar a escassez de conteúdos e de testemunhos consistentes contida nas atas do CP, no sito Comboniano, nos grupos de WhatsApp, nas próprias assembleias ou nas articulações provinciais. Para ser mais específico: qual foi a última reflexão realizada, por exemplo, sobre a nossa atuação-inserção no mundo sociocultural dos afro-brasileiros, a não ser um recente vídeo que parecia 'encomendado' auto-elogiando 'os próprios combonianos' por serem os protagonistas em despertar uma 'nova consciência' nos jovens negros de Salvador? Não é somente saber o que foi feito ao longo desses anos, mas compartilhar intuições, evoluções, metodologias e perspectivas, hoje, no atual contexto eclesial, provincial, cultural. É desde a longínqua época de Heitor Frisotti que não vemos/lemos nada a esse respeito nessa dimensão! O que dizer, por exemplo, sobre a nossa atuação juntos aos assim chamados ‘ribeirinhos’? Nunca vi um relatório, um informe, ou uma reflexão minimamente sistematizada a esse respeito. Saber, por exemplo, como se dá o trabalho pastoral, qual a realidade sociocultural e econômica daquelas comunidades, o que vem produzindo, de fato, quais perspectivas de continuidade ou de entrega, quais desafios e aportes para a Província como um todo? Diga-se o mesmo quanto à questão indígena ou socioambiental ou das periferias urbanas, nas diferentes localidades, só para permanecermos nas assim chamadas prioridades. Faltou convite e incentivo por parte da coordenação? Faltou interesse e desejo pessoal em pensar e refletir comunitariamente? Faltou cobrança por parte do grupo? Como possuir elementos avaliativos e programáticos nos momentos cruciais de tomada de decisão se não possuímos informações, explanações, análises críticas do que fazemos e pensamos? Ou será que tudo isso foi exposto somente em assembleia, mas não relatado em atas e divulgado? Seria interessante também fazermos uma avaliação, serena e profunda, da utilização das redes de comunicação que dispomos. Tornaram-se espaços de informação e comunicação mais do que formação/reflexão. Muitas, senão a maior parte, das coisas que lá circulam, ou já são do conhecimento de quem está preocupado com as mesmas questões ou são do interesse exclusivo de quem as posta. Bombardeados por uma infinidade de informações/indicações que, muitas vezes, visam formatar mentes e almas, precisamos focar no que é essencial/primordial para a nossa missão, a vida dos povos e a unidade/comunhão do grupo. Um bom artigo, um texto analítico que nos ajude a pensar, rever nossas concepções e visões do mundo a colocar em discussão as nossas ações dificilmente é visto nos nossos meio de comunicação. Talvez seja o que precisamos, mas.....
Em terceiro lugar, sinto-me com coragem de colocar outra questão que merece registro e tem a ver com a emergência de um latente e progressivo conflito geracional e cultural. Ainda que não se apresente de maneira explícita/contundente e haja certo temor/pudor em colocar e abordar o problema, constata-se que interfere, às vezes de forma mascarada e, outras vezes, com mais força e nitidez, nas visões/concepções de missão, do grupo e da forma de ser igreja. Desde o meu ponto de vista há um grupo, relevante, dentro da Província, geralmente catalogado como de segunda ou terceira idade que se moldou no contexto de uma determinada matriz formativa e eclesial; há outro grupo, de geração mais recente, que possui outras sensibilidades e outras preocupações. Não está em causa o suposto desafio de separar uma coisa da outra, o joio do trigo, o bem do mal, o bom do menos bom. Nada disso! Nem comparações caberiam. O que acontece na vida prática é a dificuldade e o desafio de produzir e manter a unidade. Virou chavão falar de “unidade na diversidade” como se fosse uma receita de bolo, uma mágica de quem decora e repete a fala. Na vida real as pessoas querem se sentir contempladas, valorizadas, dignificadas. Por isso, a questão me parece ser estrutural, de grupo e não individual. Como manter a unidade do grupo quando há projetos construídos com base em conteúdos e metodologias não apenas diferentes, mas também antagônicos? A impressão, - oxalá esteja equivocado, - é que essa questão não está sendo colocada ou, quem sabe, esteja sendo escamoteada. As possíveis e desejadas críticas não encontram entre nós o necessário, salutar e fecundo espaço. Medo de que, afinal? É comum ouvir críticas direcionadas a partidos, agremiações, igreja (evangélicas), movimentos, sindicatos, associações, organizações, instâncias e instituições governamentais etc. Reconhecemos que, muitas vezes, desviaram de suas finalidades e, preocupadas com interesses particulares, perderam o rumo ou, quem sabe, acharam outra direção! Data vênia, não estaríamos nós também no mesmo barco, um tanto perdidos? O passado nos honra, mas não podemos viver dele! Também não contribui em nada a nossa insistente autorreferencialidade. Apenas cria falsas expectativas e enche, ilusoriamente, o nosso ego. Desde o meu ponto de vista, a ausência de visão crítica e autocrítica nos coloca numa situação paradoxal. Há, por parte das gerações mais antigas o silêncio incômodo em relação às gerações mais novas. Considera-se que estas representariam, idealmente, o futuro, logo, faz-se necessário preservá-las de determinadas críticas, ainda que se discorde de determinadas posturas. Aflora, consequentemente, um certo abstencionismo e um espírito de renúncia ao princípio do contraditório e à participação do que teria a ver com o futuro. Prefere-se defender e viver no passado. Por outro lado, impregnados de outras sensibilidades, as gerações mais novas do grupo vão ocupando espaços sem, às vezes, ter claro o que pretendem com isso. Ocupam espaços dentro da estrutura da província, às vezes sem ter tido a oportunidade ou a curiosidade de conhecer sua história.
Em quarto lugar, as colocações acima delineadas, ainda que de forma sucinta, nos direcionam para outra preocupação: o exercício da coordenação provincial. Faço questão de reiterar, mais uma vez, que não há a mínima pretensão de tecer, aqui, críticas pessoais, individualizadas. Não há como negar as evidências: todos nós vivemos em tempos e contextos determinados e somos condicionados e moldados por específicas formas de organização social, cultural, política, econômica e, por que não, religiosa. Muitas vezes nos vemos na obrigação de cumprir com funções que nos foram atribuídas/delegadas. Aí experimentamos a ambiguidade/dilema de ter que lidar com o institucional e o informal, o coletivo e o pessoal. E, não sejamos ingênuos, o institucional sempre se impõe sobre o pessoal/individual. Isso, contudo, não nos exime das visões críticas e dos esforços para modificar também o que é institucional. Ou seja, não se trata apenas de uma conversão pessoal, mas também estrutural/institucional. É neste sentido que considero legítimo e propositivo externar as minhas angústias ao dizer que tenho a sensação de que a coordenação parece trilhar caminhos próprios, talvez um tanto distantes de um sentir e de um sonhar mais comum. Preocupa-me a progressiva tomada de decisões ignorando o sempre desejável envolvimento do grupo, exceto naqueles casos excepcionais, personalíssimos. É o caso emblemático, por exemplo, do fechamento do postulantado de Curitiba e a sua transferência a Fortaleza, mantendo no escuro a província como um todo. Poder-se-á invocar razões sigilosas para não constranger determinados confrades supostamente envolvidos nesses processos. Entretanto, a minha insignificante experiência e o bom senso me sugerem que, com inteligência e discrição, é sempre melhor 'abrir o jogo', mas jamais tomar decisões de tamanha envergadura sem deixar um tempo útil para os membros da província opinarem. Deu no que deu, deixando feridas abertas e mágoas. E até o presente momento a coordenação não se pronunciou a respeito e a maioria não sabe o que aconteceu de fato. Preocupa-me sim, outrossim, aquela que, aparentemente, se configuraria como uma tendência da coordenação provincial em pressionar mais através de escritos do que através do diálogo franco e aberto, olhos nos olhos. Talvez seja o caso de dialogar mais e buscar caminhos e formas de renovarmos a presença missionária comunitária em contextos específicos e diferenciados do que insistir tanto na tradicional convivência conventual que continua sendo uma espécie de obsessão. Continua-se a exercer o serviço da província nos mesmos moldes de um passado remoto. Pode acontecer que os conselheiros nem conheçam os confrades que, teoricamente, são chamados a representar. Haveria o receio, talvez, de usurpar competências alheias? Ou talvez os confrades prefiram negociar diretamente com a figura do provincial? Realmente, pouco avançamos neste sentido. O provincial tem que lidar com conselheiros que ele não escolheu e os que foram votados como conselheiros parecem não possuírem legitimidade com aqueles que os escolheram, e tampouco com o seu coordenador, que também não os escolheu. Acredito que, ao incentivar concretamente todas as possíveis formas de participação, mesmo sabendo que sempre poderá haver aquele que não valorizará isso, certamente haverá também aquele que não dispensará sugestões, conselhos, correções. Isto exige humildade, caso contrário assistiremos sempre mais a publicações de cartas destemperadas, escrachando publicamente determinadas pessoas e realidades conflituosas particulares mantidas em segredo, ou a desabafos clandestinos em boca pequena permitindo, contudo, que se tenha a ilusão de que 'está tudo muito bem, obrigado'. Sabemos que isso não bate com a dura realidade! Em nada servirá desafiar e exigir aos que assim se manifestarem, como é o meu caso, que apontem saídas ou indiquem fórmulas milagrosas. Sabemos que é no cotidiano feito de pequenas partilhas, de confrontações sinceras e responsáveis, de capacidade de acolher as críticas recíprocas não como formas de destruição, e sim como ajustes ou redirecionamento do rumo que construiremos o presente e o futuro. Afinal, estamos todos no mesmo barco e precisamos nos questionar, dialogar, nos afinar e ... remar. “Sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só. Mas sonho que se sonha junto é realidade” (Raul Seixas).
Angustia-me a sensação de que, ao não existir o reconhecimento público das tensões e conflitos que existem entre nós, estaríamos envoltos num clima de ‘serenidade e fraternidade’. É o que sempre aparece nas nossas avaliações de fim-de-assembleia! Se for essa a lógica prevalecente, o mascaramento da realidade, de fato, não teremos como reconhecer e enfrentar um certo mal-estar difuso que, a meu ver, muitos sentem, mas poucos explicitam. Tenho a sensação de que o que se fala ou se escreve não encontra eco nas instâncias de coordenação. Não é a primeira vez, por exemplo, que se sugerem caminhos, propostas, dicas, relativamente novos. Demasiadamente idealistas e pouco realistas como alguns afirmaram? Dizíamos, por exemplo, que era necessário e urgente repensar a etapa do postulantado e até do escolasticado, pelo menos aqui, no nosso grupo. E foram oferecidas, em epoca de pandemia, propostas concretas. Preferiu-se manter o mesmo estilo e metodologia de 40 anos atrás, mesmo tendo um ou dois postulantes, (e agora, nenhum!) sem abrir mão de hábitos petrificados e comprovadamente estéreis. Quantas vezes aos atuais formadores do escolasticado de São Paulo foi sugerido, por exemplo, de propor leituras específicas da realidade sociocultural e eclesial da região onde os escolásticos iriam passar o período do recesso escolar – algo em vigor desde os anos 80 sem nenhuma mudança! – mas, diferentemente disso, salvo raras exceções, os escolásticos pisam nas nossas comunidades ignorando/desconhecendo a realidade, “e tudo segue dramaticamente igual, sem falar de outras questões a essas relacionadas que não vale a pena colocar nesse espaço.
Falamos em ‘paróquias combonianas’, e existem documentos que sacralizam os critérios para tal definição. Em muitos casos, contudo, elas não se diferenciam de outras não combonianas. Afinal, entra conselho e sai conselho e a ‘paróquia comboniana’ depende exclusivamente do ‘pároco nomeado’, pois não existe nem internamente e nem por ocasião das visitas do provincial, a prática da avaliação e da confrontação utilizando os critérios definidores de uma paróquia comboniana. Anos atrás foram criados os JECs como uma forma de nova animação missionária e vocacional, mas alguém sabe como estão sendo conduzidos? Qual balanço após tantos anos? Quais conteúdos, quais pessoas, quais frutos, quais perspectivas? Estamos às vésperas de um congresso nacional de Jovens Combonianos que, sem dúvida, consumirá energias e recursos, mas poucos se expõem para fazer legítimas indagações. Não se trata de desmontar, de antemão, propostas novas ou supostamente tais, trata-se de ter a coragem de avaliar a partir de critérios coerentes e racionais para verificar se vale a pena continuar ou parar, ou reinventar!
Evidente que diante dessas considerações vai passar pelo pensamento dos 'inconformados' a ideia de que 'eles estão sobrando' e que, talvez, seja conveniente em 'pedir para sair' para não ameaçar ou romper o clima de serenidade e fraternidade existente. Da mesma forma, é o que se passa pela cabeça daqueles missionários que já trabalharam na província e que, agora, se encontram na sua província radical, sobre a conveniência em voltar para cá ou permanecer lá! Seja o que for, alguém dirá que nós somos guiados pelo Espírito, e não estamos sozinhos nessa história! Assim seja!
Piquiá, 20 de agosto, 2025
terça-feira, 19 de agosto de 2025
Al Gore: solução climática está mais próxima que imaginamos
A menos de 100 dias da COP30 no Brasil, em novembro, Al Gore esteve no Rio para liderar um treinamento de novas lideranças climáticas de sua organização, The Climate Reality Project. Sua atuação em defesa do clima foi reconhecida com o Prêmio Nobel da Paz, em 2007. "Dedico meu tempo a fortalecer movimentos de base para recuperar o controle humano sobre nosso destino", comenta. Ante o cenário climático desafiador, Al Gore enxerga um horizonte otimista. "Não quero vender ‘ilusão de esperança', mas gosto da Lei de Dornbusch: as coisas demoram mais para acontecer do que pensamos, mas depois acontecem mais rápido do que imaginávamos.
Isso se aplicou a tecnologias limpas e também a lutas morais, como a abolição da escravidão ou o voto feminino. Pareciam impossíveis – até se tornarem inevitáveis. Creio que estamos próximos desse ponto no clima", diz. O ex-vice-presidente dos EUA sustenta a projeção com base nos impactos da eletrificação automotiva e industrial, além de inovações tecnológicas como o aço verde e a agricultura regenerativa. "O mundo ainda queima muitos fósseis, mas pode estar no pico. A China começou a reduzir emissões, o que deve se refletir globalmente. Mais de 20% dos carros novos vendidos no mundo já são elétricos. Na China, próximo a 82%. A Agência Internacional de Energia diz que já temos tecnologia para reduzir emissões em 65% em 10 anos. Se chegarmos ao zero líquido, a temperatura para de subir imediatamente", argumenta.
O impasse dos fósseis
Apesar da visão otimista, Al Gore eleva o tom e demonstra indignação quando fala da negligência que observa nas negociações climáticas com o tema dos combustíveis fósseis. "Foram necessários 28 encontros para que a expressão ‘combustível fóssil' fosse sequer mencionada, quando a crise climática é essencialmente uma crise dos fósseis. Mais de 80% do problema vem da queima de carvão, petróleo e gás", critica. O fracasso das negociações sobre plásticos em Genebra, neste mês, foi lembrado como um sinal preocupante. "Mostra o poder que a indústria fóssil ganhou – a ponto de ditar o que o mundo pode ou não fazer. É absurdo falarmos em triplicar a produção de plásticos, quando já vemos microplásticos no sangue, no leite materno, nas placentas. Estudos mostram efeitos semelhantes ao Alzheimer em animais. E mesmo assim os poluidores conseguem impor sua agenda", criticou. "Não podemos permitir que os poluidores escrevam as regras. Isso não vai durar: o amor pela liberdade é mais forte, e acredito que veremos a queda desse poder hegemônico", disse.
Brasil sob pressão
Em junho, durante a chamada "pré-COP", em Bonn, o Brasil foi pressionado a defender um plano de eliminação dos combustíveis fósseis, como anfitrião da conferência. O embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, recebeu uma carta assinada por mais de 250 cientistas de 27 países com cobranças por uma liderança mais enfática do Brasil no chamado "phase-out" do petróleo. Climatologistas brasileiros como Carlos Nobre, Mercedes Bustamante e Paulo Artaxo assinam o documento. Na carta, registram que "o mundo ultrapassou 1,5ºC de aquecimento em um único ano pela primeira vez registrada, com impactos climáticos crescentes em todos os continentes". Segundo os cientistas, "a causa preponderante é nossa contínua dependência de combustíveis fósseis". A indústria dos combustíveis fósseis responde por cerca de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) global. Somada à dependência dessas fontes na matriz energética global, o peso econômico do setor emperra o processo de transição. Adiá-lo, todavia, pode custar caro: projeções apontam que a inação frente as mudanças climáticas poderia consumir 18% do PIB mundial até 2040.Nos países do G20, que respondem por mais de 80% do consumo de energia do mundo, a dependência dos fósseis é da ordem de 70% de sua energia primária. A exceção é justamente o Brasil, com 50% de participação no consumo de energia primária fóssil. "Vocês são o que os outros países do G20 querem ser quando se tornarem adultos", brinca Al Gore, em referência à matriz energética brasileira. Para o prêmio Nobel da Paz, o Brasil reúne condições únicas para liderar a agenda climática global: "abundância de renováveis, biodiversidade incomparável e um histórico de engajamento na diplomacia ambiental. Essa liderança será ainda mais necessária na COP30".
sábado, 16 de agosto de 2025
Assunção de Maria nos braços do Pai - Deus cumpre agora, no eterno presente, o que promete permanentemente
Maria ao finalizar seus dias terrenos não é tragada pelas entranhas da fria terra, mas deita no aconchegante colo de Deus Pai. A imagem catequética indica que o destino de todo ser é a sua salvação integral, do corpo e do espírito. Deus Pai será ‘tudo em todos’! O evangelho de hoje, contudo, não aponta para uma realização futura remota, mas para um permanente agir do Pai no presente. Ou seja, Deus já vem recriando e transformando tudo e todos numa permanente atualidade. O diálogo entre Maria e Isabel apresenta, de fato, duas visões bem diferentes entre si. As duas posturas coexistem no nosso meio, e até dentro de nós. De um lado a visão de Isabel que aguarda/espera num futuro remoto que Deus cumpra o que Ele prometeu no passado. E, do outro, a consciência inovadora de Maria em que ela constata que Deus já vem fazendo coisas maravilhosas, através da sua fé e a do seu povo. Embora não de forma plena e definitiva, Deus já vem derrubando e despedindo de mãos vazias humanos gananciosos e ambiciosos. Ele já vem ‘fazendo novas todas as coisas’, exaltando humildes e cassando prepotentes ditadores de seus tronos. No meio de tantas contradições e injustiças a ‘igreja de Maria’ pode construir e saborear já, aqui e agora, o que significa cumprimento sistemático das promessas de amor de verdade, paz e respeito plenos para todos, justiça para os pobres. Tudo isso sem ter que esperar o cumprimento definitivo das promessas no fim dos tempos!
quarta-feira, 13 de agosto de 2025
O sagrado em tempos de chatbot. Artigo de Antonio Spadaro
O sagrado não desapareceu: mudou de forma, escondeu-se nos circuitos, reemergiu em lugares imprevistos. A tecnologia no nosso tempo não é mais apenas um conjunto de instrumentos. Tornou-se um habitat. Um contexto mental, cultural, até mesmo espiritual. Vivemos em uma ecologia digital que modela os nossos pensamentos, os nossos desejos, as nossas crenças. E, nessa nova ecologia, as religiões – todas – também se encontram em uma encruzilhada. Não basta usar a tecnologia para transmitir uma mensagem: é preciso entendê-la, interpretá-la, discernir o que acontece na alma quando ela passa por uma máquina.
Durante muito tempo, acreditou-se que a secularização secaria as fontes espirituais da humanidade. O progresso, pensávamos, deixaria os deuses para trás. Mas ocorreu o oposto. A religiosidade não desapareceu: foi reformulada. Longe dos templos, mas dentro dos apps. Nos chats, nos fóruns, nos algoritmos. As religiões, hoje, não devem se defender da tecnologia: devem dialogar com ela, discernir, compreender. Não para se adaptarem, mas para conservarem aquilo que foge do cálculo: o mistério, a gratuidade, o perdão. Poderíamos imaginar uma espécie de Sínodo Inter-Religioso da Inteligência, que, aliás, parece urgente. Não só para discutir temas religiosos, mas também para abordar juntos – cristãos, muçulmanos, budistas, judeus, hindus... – as grandes questões do nosso tempo. Aquelas que nenhum algoritmo jamais poderá resolver: o que é o humano? O que é a dor? O que é a esperança? Em janeiro de 2025, o documento vaticano Antiqua et nova abordou essas interrogações. O verdadeiro risco, defende, não é a divinização da IA, mas sim a idolatria do humano que se ajoelha diante de sua própria criatura. Por isso, é preciso uma teologia que entre nessa nova fase da cultura não com medo, mas com sabedoria. Uma teologia que reconheça a opacidade crescente das fronteiras do humano e saiba conservá-las. No tempo dos chatbots e dos conselhos preditivos, talvez a fé continue sendo o último lugar no qual a pergunta é mais importante do que a resposta.
Uma pergunta que não busca eficiência, mas sim profundidade. Que não pode ser otimizada, mas apenas habitada. Cada religião, a seu modo, conserva uma antropologia complexa: o ser humano como consciência encarnada, como ser desejante, vulnerável, relacional. A espiritualidade, em cada uma de suas manifestações, é uma forma de inteligência que não pode ser reduzida a código: integra pensamento e silêncio, lógica e emoção, símbolo e corpo. Nenhuma máquina, por mais refinada que seja, pode conter essa complexidade. A tarefa, hoje, é comum. Não pertence a uma única fé. Todas as religiões são chamadas a formar uma nova aliança espiritual. Não para se fundirem em uma união global indistinta, mas para afirmarem juntas que o humano não é uma função, que a verdade não é um output, que a salvação não pode ser baixada com um clique. A fé é a arte de escutar o que nenhuma máquina jamais poderá pronunciar. E talvez justamente por isso, no tempo das inteligências artificiais, ainda tenhamos uma necessidade tão desesperada de espiritualidade.
Jornalistas sem-teto em Gaza: "Quantos mais precisam ser mortos antes que o mundo reaja?"
Muitos repórteres estão afastados de seus entes queridos e sofrem com o medo constante que sentem depois que Israel matou mais de 200 de seus colegas.“Há muito tempo que me mantenho afastado do que chamamos de 'alvos previsíveis' aqui. Isso inclui lugares e pessoas. E Anas era um deles”, admite um cinegrafista da Cidade de Gaza. O repórter se refere ao jornalista da Al Jazeera, Anas al-Sharif, que Israel matou no domingo, juntamente com outros quatro funcionários do veículo de comunicação do Catar.
"Tenho muita vergonha de dizer isso hoje, porque meu coração está partido, mas eu o evitava, mesmo amando-o muito. Eu teria tido muito medo de dormir no mesmo lugar que ele", acrescenta este repórter, que pede para ser identificado como Hatem porque não quer que seu nome apareça em nenhuma mídia. "Já estamos em perigo suficiente", explica. Anas al-Sharif havia sido ameaçado diretamente por oficiais militares israelenses e, no domingo, o exército postou uma mensagem no X com as palavras "Atingido", uma espécie de reivindicação de responsabilidade pelo ataque. O mesmo atentado também matou o repórter Mohammed Qreiqeh, os cinegrafistas Ibrahim Zaher e Moamen Aliva, e o assistente Mohammed Noufal, da Al Jazeera, bem como Mohamed al-Khalidi, do veículo local Sahat. Todos viviam e trabalhavam em uma tenda em frente ao Hospital Al-Shifa, na Cidade de Gaza, buscando em vão a proteção que os hospitais costumam oferecer em tempos de guerra. Mas não há como proteger um jornalista de Gaza neste momento, concordam Repórteres Sem Fronteiras (RSF), Al Jazeera, ONGs e coordenadores de segurança da mídia. Alguns profissionais da mídia optam por ficar em casa, mas muitos estão se distanciando de seus entes queridos devido ao medo constante que sentem e à falta de ajuda para conseguir comida todos os dias. Alguns vivem e trabalham em grupos, enquanto outros se movem sozinhos, misturando-se à população e sem um colete com a inscrição "imprensa" porque, em vez de se sentirem protegidos, se sentem isolados. (IHU)
Indígenas Gavião e madeireiros de Amarante (MA) entram em confronto
Um confronto entre indígenas do povo Pyhcop Catiji Gavião e madeireiros armados resultou na morte de um suposto madeireiro que tentava invadir a aldeia Governador. O caso aconteceu na madrugada da última sexta-feira (8), na Terra Indígena Governador, em Amarante do Maranhão (MA), a cerca de 683 km de São Luís. O motivo seria a tentativa de um grupo de madeireiros que queria assassinar um morador da aldeia. Caso está sendo apurado pela Polícia Federal. Segundo o Cimi, o clima de tensão no território começou em julho, quando lideranças indígenas flagraram madeireiros retirando estacas dentro da área indígena. Desde então, as denúncias de invasões e extração ilegal de madeira têm sido recorrentes. A organização afirma que, além das tentativas de invasão, os agressores utilizam drones à noite para intimidar a comunidade. O Cimi relata ainda que, na última terça-feira (5), um indígena foi agredido enquanto dormia por três homens não identificados, que o espancaram e jogaram água quente sobre seu corpo. A vítima, que sofreu queimaduras de segundo e terceiro grau, está internada no Hospital São José de Ribamar, em Amarante. Ele acusa o irmão do madeireiro morto no confronto desta sexta-feira de ser o responsável pelas ameaças e ataques. O Cimi informa ainda que, antes do ataque desta madrugada, equipes da Polícia Militar e da Força Nacional chegaram a fazer rondas no território, mas os madeireiros se esconderam na mata e agiram após a saída das forças de segurança.
sexta-feira, 8 de agosto de 2025
19º domingo comum - A nós é dado de administrar a Realeza do Pai! Façamos por merecer!
É só um 'pequeno rebanho’ minoritário, hoje, na igreja de Jesus, que não faz parte e nem comunga com as práticas majoritárias incrustadas de clericalismo, de procura de poder e grandeza, e de preocupações com as formalidades litúrgicas e rituais. Um 'pequeno resto' que compreende que a ‘Realeza do Pai’, é confiada aos que vivem e praticam a compaixão e a misericórdia. Que são generosos em compartilhar tudo com os despossuídos, e não têm medo de servir, sempre! Este é o verdadeiro tesouro que faz a diferença na vida/missão de um discípulo e que, jamais, poderá ser assaltado e sequestrado. Ocorre que nem sempre é percebido como tesouro e é valorizado como tal. No nosso dia a dia nos desconectamos com o verdadeiro sentido da vida, e aderimos à lógica da esperteza e do pragmatismo. Damos asas ao nosso desejo de emergir instrumentalizando pessoas e circunstâncias para ‘nos dar bem’ na vida e nos autoafirmar! Muitos supostos ‘servos/discípulos’ entram nessa lógica perversa, ignorando os valores da honestidade, da permanente vigilância responsável, da capacidade de acolher e de servir! Jesus, mais uma vez, lembra aos seus discípulos a importância de estarem sistematicamente conectados com uma realidade que frequentemente nega e combate ‘a Realeza do Pai’. E agirem com responsabilidade social, cuidando e protegendo as pessoas que lhes foram confiadas, pois o próprio Pai, ao ver isto, Ele mesmo irá servir aqueles que souberam servir sistemática e responsavelmente, como os verdadeiros pais fazem! FELIZ DIA DOS PAIS!
A solidão do padre! Por Piotr Zygulski
Solidão não é estar sozinho; aliás, um padre muitas vezes tem gente demais ao redor, ou no seu encalço. Solidão é não saber a quem confiar aquela sua paixão de verão, aquela preocupação que você não pode revelar do púlpito, aquela grande confusão que aprontou na noite passada, aquele problema com uma paroquiana insistente, com um catequista invasivo, com um confrade fofoqueiro ou com o bispo invejoso que te trata como uma peça no tabuleiro. É ver suas necessidades humanas, relacionais, espirituais e psicológicas sendo pisoteadas em nome da funcionalidade. Quantas vocações, usadas mas ignoradas no íntimo, acabam murchando assim! Isso também não é, por acaso, “cultura do descarte”? Solidão é ter que estar sempre disponível, senão as pessoas pensam mal. E pensam de qualquer forma, mesmo quando você de fato está disponível. Solidão é ter que guardar tudo para si, reprimir a raiva e a frustração, responder sempre “tudo bem, obrigado”, porque você não pode se dar ao luxo de dizer que está mal sem que algum curioso vá investigar sua vida, ou sem que se apressem para te salvar legiões de devotas samaritanas. Solidão é ser – ter que ser, aos olhos dos outros – antes de tudo um papel: o do clero. E esse ministério que te torna uma pessoa à parte. Isso vale para todos: não precisamos de pessoas que perguntem superficialmente como estamos, mas de pessoas que nos pareçam suficientemente capazes de acolher, sem julgar nem se escandalizar, qualquer resposta que possamos dar. (IHU)
Conjuntura - Por Flávio Lazzarin
Tento acompanhar diariamente inúmeras interpretações, que circulam na rede sobre as atuais conjunturas mundiais e nacionais e fico só em parte satisfeito com essas leituras, porque parecem-me abordar, com sérias e detalhadas intenções analíticas, somente aspectos parciais que compõem a complexa situação histórica em que estamos mergulhados e aparentam esquecer a abrangência de um todo – não uma totalidade como “a noite em que todos os gatos são pardos” - que com certeza não teria o poder de desatar todos os nós das conjunturas, mas poderia hipotisar e talvez indicar a possibilidade da emergência de um denominador comum em todos os fragmentos geopolíticos da atualidade.
Abundam os boletins de emergência sobre a poluição do Planeta e o desastre climático, mas não chegam a incomodar o capitalismo com a suas teses negacionistas e seu desenvolvimento cada vez mais destrutivo e suicida. Cotidianamente, temos à disposição análises detalhadas das relações políticas dos EUA do Trump com a Rússia de Putin, Zelensky, Netanyahu, Canada, China, Iran, Índia, Brasil, Brics, Taiwan, Nova Rota da Seda, tarifaço do Trump, sem obviamente esquecer Gaza, Cisjordânia, Hamas, Turquia, Síria... e a quase sempre esquecida África...Podemos acessar a incontáveis registros do avanço da direita política na maioria dos países do mundo, onde os soberanistas e neopopulistas governam ou ameaçam conquistar o poder político. Governos e partidos autoritários ou explicitamente ditatoriais são a normalidade do panorama geopolítico no Ocidente e no Oriente. Quando, porém, se analisam as realidades políticas da Pindorama e da Abya Ayala, na maioria dos casos, temos uma banal redução da leitura da polarização política aos interesses eleitorais, sem a mínima preocupação de evidenciar, com um mínimo de clareza, contextos internacionais. Uma possível resposta sobre a hipótese de um paradigma mor, que sintetize fragmentação e complexidade, é dada por quem reduz a crise a reconfiguração da ordem mundial, que contesta a ordem liberal internacional estabelecida após a Guerra Fria. Mas, quem assim argumenta é obrigado a acrescentar corolários a está ótica fundamental: intensificação de disputas e guerras por poder, território e influência; desafios a hegemonia ocidental na Ucrânia, Israel, Taiwan; crise das instituições multilaterais; disputas por recursos e influência tecnológica. Porém, eu me pergunto sobre a surpreendente novidade dos fenômenos políticos e não me satisfaço com a compulsão a repetir o que sempre se diz e se disse. Com efeito – e essa é a hipótese de um denominador comum - o novo fascismo da aldeia ocidental, à diferença do seu modelo, não se constitui como farsa, nos moldes do ‘18 de Brumário’, mas é, de forma inédita e criativa, ‘não expansionista’; volta para casa; desiste das guerras contra inimigos externos e faz a guerra de controle e extermínio dentro de casa. ‘Precisa salvar o Ocidente cristão’ é esta a palavra de ordem! Por isso opressão e repressão será reservada aos de casa, onde temos e teremos os únicos coerentes e determinados enfrentamentos em defesa da vida e da fraternidade e sororidade de todos os seres vivos articulados pelos povos originários, quilombolas e minorias camponesas tradicionais. Se assim acontecer, quando todo katechon está sendo cancelado, não ficará outra possibilidade a não ser se identificar com a desumanização das vítimas, com os pobres de Jesus. E essa deveria ser a única missão messiânica da Igreja, além de toda falaciosa confiança no arcabouço datado da doutrina social.
Mas, nós católicos insistimos em reiterar o roteiro da ordem liberal pós-guerra fria, diante da realidade que mudou radicalmente e requereria discernimentos e criatividade para desertar o ocidente falido, a aldeia, presunçosamente civilizacional e constitutivamente genocida, que nós cristãos promovemos como artífices e cúmplices. Obcecado pela versão mais recente do antissemitismo, que considera o Islã o inimigo secular da aldeia ocidental, o Ocidente apoia Israel, que encena hoje os últimos excessos da húbris colonialista. Tenho, porém, a impressão que as guerras no Oriente Médio, em que pese a questão do petróleo, não estariam simplesmente dando continuidade ao que sempre se fez, mas estariam a serviço da recomposição autárquica da aldeia ocidental em crise. Quando Israel justifica a guerra de Gaza como guerra defensiva fala em nome de todo o Ocidente. Esta é a crise constitutiva, em que estamos vivendo, bem mais impactante da própria crise do imperialismo norte-americano. Um Israel completamente assimilado aos goyim, protagonista da recomposição do Ocidente a partir da polarização entre os que var ser ocidentais até a morte, apoiados por católicos tradicionalistas e evangélicos, e os que vão ser mortos por não caber mais no Ocidente
terça-feira, 5 de agosto de 2025
'Eleições' com voto secreto na Vida Religiosa ou Discernimento Comunitário fraterno e aberto? Por Claudio Bombieri
Mais um’ processo eleitoral’ foi deflagrado ao interno do Instituto Comboniano. Instados a seguir uma consolidada liturgia que se repete mecanicamente a cada três anos, os membros da nossa congregação são chamados a escolher, mediante o voto secreto, seus coordenadores provinciais e conselheiros pelo próximo triênio. É algo tão entranhado na estrutura e na configuração institucional que dificilmente chega a levantar qualquer tipo de questionamento. Afinal, seguem-se disposições e regras formais previstas e aprovadas pelos dispositivos jurídicos canônicos da Santa Sé, e pelas Constituições internas do próprio instituto. Haveria, então, a necessidade de mudar um mecanismo participativo que, afinal, vem garantindo a plena, livre e soberana vontade dos eleitores em ‘eleger’ seus legítimos coordenadores e representantes? Desde o meu ponto de vista pessoal, acredito que sim, e de forma urgente. É sobre isso que queria tecer algumas considerações com muita liberdade interior e simplicidade.
Problematizando e desconstruindo um ‘modelo eleitoral’ que está esgotado, viciado e inadequado
Há uma questão de fundo que vem me incomodando há décadas, a saber: porque nós religiosos, membros de ‘cenáculos de apóstolos’ adotamos e mantemos o mesmo sistema eleitoral adotado por partidos, sindicatos, associações, clubes e outros? É porque consideramos este modelo o único e o mais eficiente para expressar e respeitar a vontade soberana e ‘anônima’ de cada voto/membro? Ou, talvez, por uma encrustada preguiça histórica em que obedecemos à tradição segundo a qual ‘sempre se fez assim, porque mudar’? Acredito que chegou a hora de nós religiosos adotarmos a metodologia daquilo que conhecemos, embora genericamente, como ‘discernimento comunitário’. Haverá quem diga que, afinal, o atual ‘sistema eleitoral’, não inibe e nem impede o ‘discernimento comunitário’, dando por descontado que o ‘discernimento pessoal’ nunca deixou de existir. De fato, o discernimento comunitário presencial pode ocorrer, embora, historicamente, na nossa província, pela minha experiência e conhecimento, tenha encontrado não poucas dificuldades de ser realizado da forma que uma correta adoção dessa metodologia prevê. Ou seja: um discernimento a ser realizado em assembleia presencial, às claras, sem restrições, inibições e constrangimentos, debatendo nomes concretos, expondo, pública e fraternalmente, qualidades e limitações que poderiam incidir no exercício da coordenação deste ou daquele confrade a ser, eventualmente, escolhido, por exemplo, por aclamação ou levantada de mão. Haverá quem diga que, afinal, tudo isso não passa de uma mera sofisticação técnica e nada mais, embora seja importante compreender que o cerne do processo como um todo não consista em ‘aclamar ou levantar a mão’ em favor deste ou daquele escolhido, mas na lógica e na alçada simbólica e pedagógica do discernimento comunitário fraterno presencial.
Tenho a impressão que, a depender da província em que um confrade vive e trabalha, pode-se constatar duas atitudes diametralmente opostas dentro do nosso Instituto. Evidente que por motivos didáticos e de espaço as reduzimos somente a duas, das muitas outras possíveis. De um lado salta aos olhos um evidente desinteresse e uma clara saturação em termos de debate, de reflexão, e de confrontação interna sobre a vida da Província e do Instituto. Delega-se a um coordenador, conselho e aos secretariados a incumbência de animar, coordenar, administrar o grupo, mas cada confrade faz o que pode na sua realidade específica, sem maiores envolvimentos e preocupações com o todo. Isso, afeta, também, o debate sobre a escolha de confrades para serem coordenadores ou conselheiros. Parece que se chegou a um ponto tal em que a pessoa se tornou indiferente diante da tarefa de escolher este ou aquele confrade. Afinal, um vale o outro, tanto faz, pouco muda! Decênios atrás, contudo, a proximidade de uma eleição produzia nos confrades da nossa província um despertar repentino de interesse e debates formais, informais, e de corredor. E, do outro lado, simultaneamente, há uma atitude em que, - sempre a depender da província e de suas circunstâncias, - a proximidade de um ‘processo eleitoral’ interno desencadeia ainda um conjunto de articulações, alianças informais, campanhas clandestinas para ‘queimar ou promover’ este ou aquele possível candidato. Não se pode negar que, em muitos casos, os próprios possíveis badalados ‘candidatos a candidato’ fiquem neutros e alheios ao jogo eleitoral, mas ao contrário, tornam-se ativos e sorrateiros promotores de suas próprias candidaturas, mediante um conjunto de pequenas ações e artifícios e, até, tentativas de cooptação, que não vêm ao caso descrever aqui. Um fato, contudo, me parece inegável: o método arcaico de receber uma lista de nomes e cada confrade, ‘no segredo do seu quarto, na plena segurança e garantia do anonimato’ sinaliza com um X o nome do seu escolhido, sem qualquer tipo de debate e confrontação me parece que, além de favorecer a dispersão e a personalização do processo, é a negação de uma metodologia que uma comunidade/província religiosa deveria, ao contrário, adotar, sistematicamente. O desafio, portanto, me parece ser o de rever e reativar o exercício e a escolha dos nossos coordenadores e adotar um processo que seja coerente com a prática evangélica e se distanciar de modelos canônicos que foram adotados pelas circunstâncias históricas hoje não mais aplicáveis. Evidentemente, alguém, com justeza, poderá dizer que há questões bem mais centrais e urgentes. Lógico, mas quero me deter exclusivamente sobre essa dimensão eletiva por ser também expressão de uma lógica e de uma prática da vida religiosa que considero não somente ultrapassada, mas também nociva no atual quadro geral.
Reconstruindo o tecido da fraternidade e da prática da participação plena e do discernimento comunitário. Algumas propostas concretas.
Acredito ter clareza suficiente para perceber que não vão ser algumas propostas técnicas que vão evitar de um lado uma suposta indiferença dos confrades no processo de escolha dos novos coordenadores e, do outro, promover a superação de uma inegável ‘politização’ do processo eleitoral. Tenho também clareza que existem entraves canônicos e procedimentos legais a serem resolvidos, e não só internamente, embora não sejam tão insolúveis como poderíamos imaginar num primeiro momento. Dessa forma, sugiro:
1. Convocação de uma assembleia específica precedida por um retiro espiritual ‘ad hoc’ que ajude a incorporar atitudes, metodologias e práticas voltadas ao discernimento comunitário, ao valor da comunhão e da participação. Na assembleia faz-se uma avaliação completa e sistematizada da execução das prioridades em todos os níveis e da atuação dos diferentes secretariados, do conselho e conselheiros, e do coordenador provincial, seguindo um esquema lógico e coerente sempre consensual, naturalmente precedida por uma preparação adequada nas próprias comunidades ou setores. Sendo que seria uma assembleia de caráter especial, a cada três anos, avaliativa, programática e discernente, não há motivos de realizá-la às pressas só para cumprir tabela.
2. O destaque, nesse sentido, por ser uma circunstância específica, será dado à metodologia da escolha do coordenador o do seu conselho. Não há motivos de se fazer, antecipadamente, pré-sondagens e/ou sondagens formais, como comumente se faz. Nem correria uma lista formal de confrades com voz ativa e passiva, pois todos são cientes dessas regrinhas básicas de quem têm direitos formais para ser escolhido ou não.
3. O coordenador em exercício terá toda a liberdade e o tempo necessário de se colocar relatando dificuldades encontradas, analisando conflitos enfrentados, experiências significativas de confrontação, apontando desafios a serem enfrentados, e a sua disposição ou não de continuar a exercer o seu serviço. Abre-se para um amplo debate em que os participantes - e somente eles, pois não existiria mais o voto por correio, - fazem suas considerações, e já podem apontar nomes com as devidas justificativas. Naturalmente, os indicados, se não aceitarem uma determinada indicação poderão imediatamente desistir. Enfim, num clima de fraternidade se apontam falhas, acertos, propostas e nomes. Nada impede que um confrade por motivos de saúde ou outros, ao não estar presente, não possa dar a conhecer o seu parecer, a sua avaliação e também indicar explicitamente o nome que segundo ele acha ser o mais conveniente.
4. Quando a equipe de mediação e coordenação com os próprios participantes acharem que há convergência razoável sobre este ou aquele nome poderá ensaiar a proposta formal e pública de apontar um determinado nome pedindo que a assembleia se manifeste levantando a mão, por exemplo. Verificada a maioria se declara a pessoa do escolhido como novo coordenador. Imediatamente se comunica ao Conselho Geral que em caso de proibição daquele nome (casos raríssimos) poderá sustar o atual discernimento e pedir uma nova rodada para escolher um novo nome.
5. No que se refere à escolha dos conselheiros poder-se-á agir da mesma forma, mas com ressalvas. Cada um dos conselheiros em exercício se coloca perante os presentes, fazendo a sua autoavaliação e acolhendo as observações dos presentes. Manifesta a sua vontade de continuar ou de desistir. Todos sentir-se-ão livres de propor outros nomes, entretanto, proponho que a assembleia não proceda a uma espécie de ‘aclamação’ deste ou daquele nome, mas sim, que apenas aponte, de forma que caberá ao coordenador já escolhido encontrar tempo suficiente, com calma, no diálogo, para ele próprio escolher, posteriormente, os seus próprios conselheiros. Afinal, eles são conselheiros do coordenador provincial! O porquê dessa mudança? Muitas vezes ocorre que os conselheiros eleitos não são da total confiança do coordenador que foi escolhido; correm o perigo de não se sentirem suficientemente respaldados e/ou valorizados ou, se divergirem, sistematicamente, do coordenador, acabam criando empasses e constrangimentos internos. Isto ocorre mais do que imaginamos! E, afinal, na nossa tradição, os conselheiros não possuem muita importância representativa e/ou deliberativa. Acredito que os nomes e suas motivações já apontados pela assembleia dão elementos suficientes ao Coordenador para escolher este ou aquele confrade para ser conselheiro provincial. Contudo, poder-se-ia pensar, também, numa proposta intermédia, a saber, proceder para escolher dois conselheiros durante a assembleia no processo de discernimento comunitário presencial e dois que poderão ser escolhidos pelo coordenador, superando aqueles critérios de representatividade regional/setorial que nunca vigoraram para valer. Acredito que todos esses procedimentos poderão inibir eventuais joguinhos eleitoreiros e escaramuças de corredor para viabilizar na marra um ou outro confrade de sua preferência, pois, mesmo existindo essa tentação, ela poderá e deverá ser explicitada e justificada diante de todos. Com efeito, o debate e a escolha públicos, bem como a ausência do mecanismo que impede o anonimato inviabilizariam esse tipo de atitude pouco honesta e nada fraterna.
6. Tenho plena consciência de que essas considerações poderão deixar indiferentes vários confrades pelos mais diversos motivos: seja porque há coisas mais urgentes e prioritárias a debater; seja porque poderiam parecer demasiadamente idealistas e, aparente e canonicamente, inviáveis a médio prazo; seja porque o seu autor sequer participa de assembleias provinciais presenciais, - embora por motivos jamais investigados e exigidos, - contudo, seja o que for, acredito ser importante, nesse contexto de processo ‘eleitoral’ se debruçar sobre uma metodologia que reputo arcaica e à margem da lógica da vida religiosa fraterna. Só isso!
Piquiá, 04 de agosto, dia do sacerdócio comum de tod@s @s batizad@s, 2025
sexta-feira, 1 de agosto de 2025
18º domingo comum - Só a riqueza em humanidade é que faz a diferença!
Em geral, o que mais choca nos ricos não é a riqueza em si, mas a sua ostentação. Suas atitudes exibicionistas e de esbanjamento irresponsável são repugnantes, principalmente quando se sabe que aquela riqueza acumulada dificilmente foi fruto do seu esforço pessoal, e nem de respeito aos direitos trabalhistas, com justiça e honestidade. A ostentação é, no fundo, uma forma narcisista infantil de complacência consigo mesmo. Afinal, o ricaço exibicionista acredita que deixa de ser um cidadão anônimo insignificante e passa a ser reconhecido como um ser que faz a diferença na sociedade. Não percebe que está expondo suas carências e vazios existenciais, e suas formas doentias de compensação. Um pobre coitado! Os evangelhos utilizam dois termos diferentes para definir o rico: o primeiro bem específico para descrever o rico dependente e viciado que acumula, compulsivamente, para si, e que ostenta de forma patológica e patética o que possui; e o outro para representar um homem que tem posses, mas que se sente livre para doar, para fazer caridade, patrocinar, ajudar os outros. Jesus é extremamente duro com o primeiro, não por ser rico, mas por ser um rico egoísta e tapado. E por colocar naquela sua riqueza passageira, - que ele acredita ser permanente, - o pleno sentido da sua existência. O idiota não entende que lhe falta algo essencial para ser feliz e fazer a efetiva diferença: ser rico em humanidade e compaixão perante Deus!
Caso de espancada com 61 socos evidencia alta da violência contra a mulher que teve recorde de estupros e mortes
O caso de feminicídio que aconteceu em Natal, no Rio Grande do Norte, no último fim de semana, exemplifica uma realidade brasileira comprovada em dados. Enquanto o Anuário da Segurança Pública mostra uma redução nos índices gerais da violência, as agressões contra mulheres aumentam no país.
Divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o anuário aponta uma queda geral de 5,4% nas mortes violentas intencionais no Brasil em 2024. Por outro lado, feminicídios chegaram a 1.492 ocorrências, maior número desde 2015, ano em que a legislação definiu o crime. Além disso, foram contabilizadas 87.545 vítimas de estupro ou estupro de vulnerável. O resultado também é o mais alto da série histórica e representa uma alta de 100% desde 2011, quando o Anuário começou a ser divulgado. Três em cada quatro vítimas de estupro tinham até 14 anos. Em declaração ao Brasil de Fato, Luciana Araújo, da Marcha das Mulheres Negras ressalta ainda que mais de 60% dos casos de feminicídio atingem mulheres pretas e pardas, o que expõe os altíssimos níveis de influência do racismo e da desigualdade estrutural nesse tipo de crime. “O Estado tem que garantir cumprimento das medidas protetivas sem distinção às vítimas por sua raça e condição social, tem que ter políticas educacionais para cumprir as Leis Maria da Penha, do Feminicídio e 11.639/2003 desde a idade escolar, pois sem mudar a mentalidade vamos enxugar gelo a vida toda.” (IHU)
terça-feira, 29 de julho de 2025
Relatório Violência Contra Povos Indígenas no Brasil – 2024: primeiro ano de vigência da Lei do Marco Temporal foi marcado por conflitos e violência contra povos em luta pela terra
O ano de 2024 foi o primeiro a iniciar sob a vigência da Lei 14.701/2023, aprovada pelo Congresso Nacional e promulgada nos últimos dias de dezembro de 2023. A expectativa dos povos indígenas e seus aliados era de que, dada a flagrante inconstitucionalidade e o evidente conflito com a recente decisão de repercussão geral sobre o tema, a chamada “Lei do Marco Temporal” fosse rapidamente derrubada por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Não foi, contudo, o que aconteceu. A lei permaneceu em vigor durante todo o ano de 2024, fragilizando os direitos territoriais dos povos originários, gerando insegurança e fomentando conflitos e ataques contra comunidades indígenas em todas as regiões do país. Este foi o cenário registrado pelo relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados de 2024, publicação anual do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Violência contra o Patrimônio
As “Violências contra o Patrimônio” dos povos indígenas, reunidas no primeiro capítulo do relatório, totalizaram 1.241 casos em 2024. Esta seção é organizada em três categorias: omissão e morosidade na regularização de terras, que reúne a lista com todas as terras indígenas com alguma pendência ou sem providências para sua regularização, que totalizou 857 casos; conflitos relativos a direitos territoriais, que teve 154 registros em 114 Terras Indígenas em 19 estados; e invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio, com 230 casos, que atingiram 159 Terras Indígenas em 21 estados do Brasil. Os casos registrados neste capítulo têm relação direta com a fragilização dos direitos indígenas ocasionada pela Lei 14.701, reconhecida pela própria Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Incitado a comentar o efeito da lei por meio de questionamento feito via Lei de Acesso à Informação (LAI), o órgão admite que a medida afeta potencialmente “todas as Terras Indígenas que se encontram em fase administrativa anterior à regularização”.
Violência contra a Pessoa
Reunidos no segundo capítulo do relatório, os casos de “Violência contra a Pessoa” totalizaram 424 registros em 2024. As nove categorias nas quais é dividida esta seção registraram os seguintes dados: abuso de poder (19 casos); ameaça de morte (20); ameaças várias (35); assassinatos (211); homicídio culposo (20); lesões corporais (29); racismo e discriminação étnico-cultural (39); tentativa de assassinato (31); e violência sexual (20). Os três estados com maior número de assassinatos têm se mantido constantes nos últimos anos. Em 2024, Roraima (57), Amazonas (45) e Mato Grosso do Sul (33) registraram os números mais altos, com destaque também para a Bahia, onde 23 indígenas foram assassinados. Os dados, que totalizaram 211 assassinatos, foram compilados a partir de consultas a bases do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e de secretarias estaduais de saúde, além de informações obtidas junto à Secretaria Especial de Atenção à Saúde Indígena (Sesai) via LAI. Foram graves e numerosos os ataques armados a comunidades indígenas em luta pela demarcação de suas terras, e tiveram implicações e desdobramentos registrados em diferentes categorias desta seção. Os assassinatos de Nega Pataxó Hã-Hã-Hãe e de Neri Ramos da Silva, morto durante uma operação policial contra uma retomada Guarani e Kaiowá na TI Ñande Ru Marangatu, destacam-se pela brutalidade e pela participação da Polícia Militar. Além do terror, das ameaças e dos ferimentos por agressões e tiros nos diversos ataques que atingiram comunidades como as das TIs Tekoha Guasu Guavirá, no Paraná, e Panambi – Lagoa Rica, em Mato Grosso do Sul, muitos indígenas relataram casos de discriminação e preconceito ao buscar atendimento médico em hospitais, evidenciando um contexto de racismo e desumanização.
Violência por Omissão do Poder Público
As “Violências por Omissão do Poder Público”, organizadas em sete categorias, são reunidas no terceiro capítulo do relatório. Segundo os dados obtidos junto ao SIM, a secretarias estaduais e à Sesai, foram registrados 208 suicídios de indígenas em 2024. Como no ano anterior, Amazonas (75), Mato Grosso do Sul (42) e Roraima (26) registraram os números mais altos, que se concentraram, no país, majoritariamente entre indígenas de até 19 anos (32%) e entre 20 e 29 anos de idade (37%). Dados obtidos junto às mesmas fontes registraram 922 óbitos de crianças de 0 a 4 anos de idade em 2024, com maior número de casos nos estados do Amazonas (274 óbitos), de Roraima (139) e de Mato Grosso (127). Novamente, a maioria dos óbitos de crianças indígenas de até quatro anos de idade foi provocada por causas consideradas evitáveis, entre as quais destacam-se as mortes ocasionadas por gripe e pneumonia (103); por diarreia, gastroenterite e doenças infecciosas intestinais (64); e por desnutrição (43). Ações adequadas de atenção à saúde, imunização, diagnóstico e tratamento poderiam evitar ou diminuir consideravelmente o desfecho fatal nestes casos. Também foram registrados os seguintes dados nesta seção do relatório: desassistência geral (47 casos); desassistência na área de educação (87); desassistência na área de saúde (83); disseminação de bebida alcóolica e outras drogas (10); e morte por desassistência à saúde (84), totalizando 311 casos. Muitas das situações registradas neste capítulo são recorrentes e referem-se à falta generalizada, em aldeias do país inteiro, de infraestrutura escolar e de saúde, assim como à ausência de saneamento básico e de água potável. As inundações e acúmulo de chuvas, no Rio Grande do Sul, e a seca, no norte do país, agravaram estas circunstâncias e provocaram, em alguns casos, vulnerabilidade severa a comunidades inteiras. (Fonte: CIMI)
sexta-feira, 25 de julho de 2025
17º Domingo Comum - Deixar-se possuir pelo Espírito do Pai para realizar, nós mesmos, o que delegamos a Ele!
A oração do Pai Nosso não é uma oração
propriamente dita, uma fórmula a ser repetida para obter de Deus graças,
favores e vitórias! É, melhor dito, uma síntese dos principais eixos do plano
de ação de Jesus em que Ele se relaciona com Deus considerado um ‘Abbá/Pai’
próximo de seus filhos. É, indiretamente, um compromisso por parte de seus
seguidores em assumir a lógica e a própria metodologia de Jesus em sua relação
com Deus e seus filhos/as. A oração deixa de ser, portanto, uma lista de
pedidos genéricos e insistentes a Deus, e se torna uma tomada de consciência de
cada discípulo do que lhe cabe para construir o mundo do jeito que Deus Pai
quer! Afinal, não adianta pedir a Deus isto ou aquilo, pois Ele já sabe, de
antemão, do que, efetivamente, precisamos! É, isso sim, insistir junto ao Pai
para que doe aos seus filhos/as o que precisamos realmente, ou seja, o Espírito
do Pai no coração de cada filho e filha. Só assim começaremos a sentir, a olhar
e a agir como um Pai de verdade ama. Só mediante o Espírito de Deus dentro de
nós é que podemos discernir o que realmente é central na nossa vida, e o que é
periférico. Só assim encontraremos coragem para construir e produzir, nós
mesmos, o que muitas vezes pedimos com insistência e delegamos ao próprio Deus!
quarta-feira, 23 de julho de 2025
Ao som dos tambores, abraços, sabores e chegança, São Luís do Maranhão recebe o V Congresso Nacional da CPT
Com a alegria do reencontro, mesmo depois do cansaço das longas viagens, o centro histórico de São Luís, estado do Maranhão, recebe esta semana mais de mil pessoas para o momento de celebração e reflexão sobre os 50 anos de caminhada da Comissão Pastoral da Terra (CPT) junto aos povos da terra, das águas e das florestas. É o V Congresso Nacional da CPT, que se realiza dez anos depois do encontro anterior, em Rondônia, e após uma pandemia que impediu a realização do Congresso no ano de 2020.
Desde os momentos de acolhida, que antecederam o café da manhã e a celebração de abertura, as caravanas mostraram a força da solidariedade e das lutas das comunidades onde a CPT está presente, na resistência onde se percebe a presença divina e a profecia. Uma pastoral que chega ao meio século, nasce do clamor dos povos e das comunidades, dos trabalhadores e trabalhadoras do campo, indígenas, posseiros, quilombolas, seringueiros, fecheiros, mulheres e jovens, atingidos por barragens e demais empreendimentos. A força das mulheres e da espiritualidade estava presente desde o início da celebração de abertura na grande tenda, movida pelas músicas e cantos populares do campo, das águas e das florestas, seguida da defumação e benzimento, a fim de pedir licença e purificar a manhã de atividades e programações do primeiro dia. Todas as refeições durante o evento acontecem em cozinhas solidárias organizadas pelas caravanas regionais e contam com alimentos doados produzidos nas comunidades e territórios dos trabalhadores e povos do campo. Esse é um Congresso que se constrói com as comunidades trabalhadoras e é feito por elas. Dentre as autoridades eclesiásticas presentes, estiveram os bispos Dom Gilberto Pastana (arcebispo de São Luís), Francisco Lima (diocese de Carolina e bispo referencial da CPT Maranhão) e José Ionilton Oliveira (bispo da Prelazia do Marajó e presidente da CPT). “Compartilhamos a alegria por acolher este evento e a preocupação natural com o trabalho e empenho da equipe. Nosso desejo é que aproveitem o tempo para partilhar suas esperanças. A gente sai fortalecido e enriquecido para continuar a caminhada. Como dizia o Papa Francisco, tudo está interligado, então não podemos estar em isolamento”, declarou Dom Gilberto.
“A CPT recebeu de Deus o chamado para encarnar a missão libertadora. Agradecemos aos grupos de base, regionais, articulações, grandes regiões, mas a gratidão maior se estende aos trabalhadores e trabalhadoras rurais. Nós existimos para vocês, com vocês e por vocês. Nós não existimos para nós mesmos. Neste momento de viver o Congresso e celebrar os 50 anos, vocês foram e são essas presenças, resistências e profecias. Estamos unidos em uma mesma causa, que é defender os povos da terra, das águas e das florestas, e o ar puro. É defender a vida”, afirmou Dom Ionilton. As memórias dos saudosos bispos Dom Enemézio Lazzaris (bispo de Balsas e ex-presidente da CPT) e Dom Xavier (de Viana) foram enaltecidas pelo vice-governador do Maranhão Felipe Camarão, que também declarou preocupação com os índices apresentados pela CPT no caderno Conflitos no Campo 2024, em que seu estado aparece em primeiro lugar no número de conflitos: “Reforçamos que o caminho para o combate à violência no campo se dá pela educação no campo, a regularização fundiária, a reforma agrária, a preservação do meio ambiente e a valorização da agricultura familiar. É preciso resistir contra aqueles que querem atacar a nossa soberania, que querem mandar no nosso Judiciário, na nossa democracia. Resistimos, sobreviveremos e venceremos”. Dentre os últimos atos na abertura, esteve a instalação de uma urna do Plebiscito Popular contra a Escala 6×1 e pela taxação das grandes fortunas. A urna estará presente durante todo o congresso, sendo os três bispos os primeiros a registrarem seus votos de compromisso com as causas das trabalhadoras e trabalhadores do campo e da cidade.
Algumas falas de participantes do V Congresso da CPT
Mariozan (Raizeiro), engenheiro ambiental, do pontal do Triângulo Mineiro, município de Santa Vitória –Regional Uberlândia/MG: “Viemos de longe, viajamos dois dias e meio de ônibus, mas na ânsia de aprender, trocar sementes e outras coisas. Trabalhamos com a cura da comunidade a partir das plantas medicinais do Cerrado. Infelizmente no nosso território vivemos o auge da monocultura da cana, mas a gente faz o contraponto, mostrando o Cerrado e lutando para preservar para as futuras gerações.”
Gil Quilombola, da região da Baixada, Quilombo Cajapara, município de Serrano do Maranhão/MA: “Nós temos nosso modo de vida coletivo, nossa diversidade cultural, a pescaria artesanal, a agricultura familiar. É uma junção de saberes que a gente tem e que impactam o nosso modo de vida. A nossa expectativa é imensa de viver os 50 anos da CPT, pra a gente sair levando mais força para as outras pessoas que não puderam vir.”
Liliani, articuladora da CPT em Canindé/CE: “Viemos celebrar os 50 anos de muita resistência e profecia, e aprender pra levar pra a comunidade, principalmente na nossa luta pela água de qualidade.”
Gilberto, da Escola dos Ventos em Caetés/PE: “O Congresso está muito bonito, tem muita gente do Brasil inteiro. Viemos trocar experiências e compartilhar a nossa articulação contra o avanço dos empreendimentos.”
Kleicianny, Assentamento Terra Firme – Uberlândia/MG: “Nossa comunidade se destaca pela esperança, pela unidade e coletividade. A nossa expectativa neste Congresso é a melhor possível, de que alguma política pública precisa ser implementada neste espaço.”
Eloi, liderança Guarani Nhandewa e conselheiro do Cepi/Paraná: “Venho de uma retomada de território indígena, onde trabalhamos com reflorestamento, revitalização de nascentes, de rios e agroecologia. A gente tem muita proximidade com os movimentos sociais de luta pela terra, e a nossa expectativa é aprender, conhecer e poder passar um pouco da nossa experiência de luta pela terra, por dignidade e por respeito.”
segunda-feira, 21 de julho de 2025
FOME EM GAZA É MAIS UMA PROVA DO GENOCÍDIO DO GOVERNO SIONISTA DE ISRAEL!
Até agora, a desnutrição matou 76 crianças e outras 600.000 correm risco iminente de morte pelo mesmo motivo. Muitas delas já estão hospitalizadas, mas os hospitais não têm os meios mais básicos para salvá-las. Seus pais e médicos são deixados para vê-las morrer. Você consegue imaginar tamanho estado de desamparo e angústia por parte de mães e pais que já abriram mão de suas porções de comida para tentar, em vão, salvá-las? Muitas crianças agora se sentem culpadas até mesmo por dizerem um simples "Estou com fome": elas sabem que até mesmo dizer isso fará seus pais sofrerem. Os mercados agora estão vazios; não se consegue nem encontrar produtos a preços exorbitantes. Ter dinheiro não significa nada, porque não há nada para comprar. Isso não é pobreza ou falta de recursos: é fome forçada e deliberada. É uma arma de guerra. Centenas de caminhões carregados com ajuda humanitária e alimentos estão presos na fronteira. Bastaria uma decisão para deixá-los passar. Os poucos que ocasionalmente conseguem entrar não são suficientes. E até agora, pelo menos 995 pessoas morreram e 6.000 ficaram feridas enquanto buscavam ajuda. Todas as manhãs, mesmo na minha família, inicia-se uma discussão interminável sobre como sobreviver ao dia. Não comemos carne, frango, ovos, nozes ou laticínios desde fevereiro. Meu irmão vagueia pelas ruas procurando algo para comprar. Quando ele encontra comida sem gosto e inadequada, sinto-me privilegiada; a cada mordida, a culpa me atormenta, sabendo que muitos não têm dinheiro nem para beber um gole de água. O pior da fome é o quão humilhante ela é. Aqui estamos, morrendo lentamente, enquanto o mundo assiste e deixa tudo isso acontecer. Até mesmo um renomado professor judeu especializado em estudos sobre genocídio disse recentemente que não teve escolha a não ser reconhecer o mesmo.
"Tendo crescido em um lar sionista, vivido a primeira metade da minha vida em Israel, servido nas Forças de Defesa de Israel como soldado e oficial e passado a maior parte da minha carreira pesquisando e escrevendo sobre crimes de guerra e o Holocausto, essa foi uma conclusão dolorosa de se chegar, e à qual resisti o máximo que pude", disse Bartov, professor de estudos sobre Holocausto e genocídio na Universidade Brown. "Mas dou aulas sobre genocídio há um quarto de século. Consigo reconhecer um quando vejo um", disse ele. O falecido Papa Francisco costumava ter o cuidado de não tomar partido abertamente em conflitos internacionais. Mas ele era um crítico ferrenho dos ataques retaliatórios de Israel contra a população palestina em Gaza e na Cisjordânia. Ele nunca os chamou de genocídio diretamente, mas em "Esperança", um livro com entrevistas lançado em inglês no início de 2025, ele destacou que alguns especialistas internacionais afirmam que "o que está acontecendo em Gaza tem as características de um genocídio". Francisco prosseguiu dizendo: "Devemos investigar cuidadosamente para avaliar se isso se enquadra na definição técnica (de genocídio) formulada por juristas e organizações internacionais".
domingo, 20 de julho de 2025
MAIS UMA COP COMBONIANA. PORQUE, PARA QUE? Por Claudio Bombieri
Mais uma COP a reunir em Belém, PA, os principais países poluidores do planeta no intuito de se enganarem reciprocamente numa suposta busca de saídas realistas e oportunistas para adiar o ‘Ponto de não retorno’ que nunca ficou tão próximo como agora! E, concomitantemente, mais uma ‘COP comboniana’, na capital do Pará, pela segunda vez. Talvez menos ambiciosa, mas, quem sabe, com igual presunção de reacender a chama da defesa da badalada ‘ecologia integral’. E, talvez, na ilusão de que, a partir de mais um encontro planetário, se transforme, enfim, numa prática histórica efetiva, e não somente uma estereotipada ‘prioridade provincial formal’. Por trás de tudo isso há, certamente, um longo, denso e inegável processo histórico-cronológico que poderia ser resgatado em toda a sua amplitude, desde o início, quando do Iº Social Fórum em Porto Alegre, no longínquo 2001 e que tinha como lema ‘Um outro mundo é possível’. Não cabe, aqui, contudo, fazer esse trabalho paciente e meticuloso de resgate e apreciação do que podem ter significado para os Combonianos em geral, e para os do Brasil, especificamente, os inúmeros e constantes encontros paralelos/alternativos de caráter global, realizados ao longo desses quase 25 anos em concomitância aos megaeventos mundiais.
Para quem tem tido a oportunidade de participar direta ou indiretamente da convocação, preparação e execução dos históricos ‘encontros combonianos’ não passa batida a constatação de que, inicialmente, havia nos participantes, uma difusa convicção de que era urgente, - como ainda o é, - inclusive para o próprio instituto, debater não somente questões globais relacionadas às enormes e variegadas ‘mutações sociopolíticas e econômicas’ e seus derivados, mas também tentar rever, traçar e assumir, internamente, no nível micro, em nível provincial, projetos, opções, escolhas, metodologias, sensibilidades que pudessem nos ajudar a repensar e a reformular o todo. Em suma, à luz das macromutações readequar os rumos da missão/evangelização, da formação de base e permanente, da metodologia de administrar e organizar a participação do grupo e a sua coordenação, entre outros. Dito de outra forma e parafraseando o lema do Social Fórum poderíamos dizer que se acreditava que ’Um outro Instituto/Província é possível’.
Não temos observado ao longo desses anos, em que pesem as novas sensibilidades e o aparecimento de uma nova geração que participou escassamente ao longo do processo por óbvios motivos, uma tentativa de analisar crítica e sistematicamente os desfechos, os avanços, as mudanças de rumos, e, porque não, os resultados concretos desses encontros combonianos. Certamente, tem havido a clássica avaliação de fim-de-encontro que, sistematicamente cai no vazio no dia seguinte, mas referimo-nos, essencialmente, a um olhar mais atento, profundo e sistêmico do ‘conjunto da obra’ até para ver se, efetivamente, esses ‘encontros globais’ têm sido fonte de inspiração e de práticas concretas e, simultaneamente, expressão real e histórica delas, ou se, ao contrário, continuam sendo movidos por uma espécie de obscura força inercial, e nada mais. Essa tentativa de jogar luz sobre o processo como um todo é algo que deveria ser feito internamente, mas também institucionalmente, entre as províncias combonianas que têm enviado representantes, ou do continente americano ou de outros. Não seria legítimo, por exemplo, se perguntar quais foram, de fato, as resoluções que foram implementadas nos diferentes níveis (provincial, continental, e no instituto)? Houve, concretamente, o esforço de criar mecanismos reais para dar continuidade e consistência às intuições e encaminhamentos que emergiam, progressivamente, nos diferentes encontros? Seria algo paradoxal se perguntar se valeu a pena e o porquê? A sensação que temos é de que até a lembrança histórica, não a documental, tenha evaporado com o tempo!
Causa-nos estranheza observar como ao se promover mais um encontro de tamanha envergadura, como o que vai ocorrer em Belém, dentro em breve, exista uma sorta de corrida automática às inscrições como se isso fosse um positivo reflexo concreto e coerente de uma sensibilidade e de um compromisso já efetivos, na província, na ordem da ‘ecologia integral’, nesse caso específico. Constatamos, todavia, que há ainda uma clara discrepância entre o que é proclamado e registrado em documentos provinciais formais e as práticas concretas das pessoas/missionários, comunidades combonianas, nessa dimensão. Não se trata, tampouco, de constatar as normais contradições próprias dos humanos, mas de enxergar um desvio ou omissão de intencionalidade, consciente ou não. Concretamente, torna-se urgente se perguntar se existe, de fato, uma sincera preocupação com a ‘integridade da criação’, - como se falava inicialmente, - como estamos a enfrentar nós, aqui, no Brasil, as assim chamadas ‘questões climáticas’ na atualidade? Quem de nós está a refletir, debater, produzir sobre os dramas da seca na Amazônia, a desolação dos ribeirinhos, a destruição praticada pelas dragas dos garimpeiros, os efeitos catastróficos da extração de minérios em várias aldeias indígenas e a sua industrialização em numerosas cidades desse País? Ou a progressiva e alarmante destruição do Cerrado, a monocultura da soja, as inundações no Sul do Brasil e suas vítimas, só para citar algumas? Quais foram os encaminhamentos operativos que surgiram ao longo dos anos nessa dimensão e que foram efetivamente acatados pela nossa Província, e se sim, quais mudanças concretas produziram na nossa Província? E, simultaneamente, como toda essa inegável riqueza de debate e de reflexões acumuladas interferiram na ‘formação de novas consciências, metodologias e sonhos’ e numa sensibilidade mais apurada dentro do próprio Instituto como um todo?
Acreditamos que não se trata de produzir alguns artigos supostamente científicos a respeito, pois existem em abundância, e nem de aderir, simplesmente a determinadas ‘plataformas’, mas de se perguntar onde nós nos situamos neste contexto sócio-histórico ambiental como missionários Combonianos do Brasil, defensores dos ‘últimos e abandonados’ como frequentemente nos autoproclamamos. Surge natural se perguntar se vale a pena continuar a promover e a sustentar ainda essas manifestações que, talvez, nesse momento concreto veiculem mais a imagem de uma contraditória e decadente vitrine de uma opção que já vem definhando há bastante tempo. Não se trata, aqui, de cuspir sentenças e de fazer sumários julgamentos históricos, - pois, afinal, estamos todos no mesmo barco, - e sim, de nos rever e avaliar com franqueza a partir do que somos e do que queremos nesse momento histórico, a partir dos recursos humanos que possuímos, sem medo de deixar emergir no grupo, divergências e conflitos patentes ou latentes. Será que ao afirmar isto estaríamos enganando a nós mesmos ou, porventura, o que aqui se coloca seria ‘totalmente falso’? Ou, por acaso, estaríamos deixando nos levar nas asas da memória de um tempo nostálgico, utópico, considerado luminoso, glorioso, mítico e que já não existe, mas que nos ilude de que nós somos ainda os profetas e defensores de causas e lutas de vanguarda, ‘ecologicamente corretas’?
Que esta simples reflexão e provocação, - mesmo não encontrando confirmação, - seja, pelo menos, entendida como um mero e legítimo parecer de quem não alimenta mais esperança para um debate aberto e franco na atual conjuntura interna, nas suas instâncias formais onde tende a reinar, necessariamente, o clima de ‘fraternidade e de comunhão’ acima de tudo. E, ao mesmo tempo, que esses questionamentos sejam expressão de uma tênue e subjetiva percepção ou de um simples registro de quem, desde o seu ponto de vista singular, acredita que, talvez, tenha chegado a hora de nos olhar com desarmante franqueza, como grupo Comboniano do Brasil, sem subterfúgios e sem maquiagens, em assembleias formais ou não, e reconhecer com humildade e realismo as nossas rugas e rusgas. E, quem sabe, ao reconhecê-las, possivelmente possamos redescobrir um outro rosto mais autêntico e mais bonito.
Piquiá, 21 de julho, 2025
sábado, 19 de julho de 2025
16° domingo comum - Chega de submissão a uma tradição engessada e patriarcal e seja discípula que escuta e segue o Mestre!
Estranho comportamento o de Marta! Justamente na hora em que o amigo Jesus a visita ela inventa serviço. E mais: exige que a irmã Maria faça o mesmo, ou seja, renuncie a escutar o Mestre e mergulhe nos afazeres domésticos como ela faz. O que parece ser uma caricatura na realidade para o nosso teólogo Lucas é a manifestação de uma postura ideal perante o visitante Jesus. Quando Jesus nos visita, esqueçam o resto e se coloquem a seus pés para ouvi-lo! Só que não era a atitude conveniente para uma mulher à epoca. Afinal, lugar de mulher era na cozinha! Maria rompe com a tradição, entende o momento oportuno para crescer em humanidade ao aprender com o Mestre. Oportunidades assim não aparecem todos os dias. O nosso evangelista que tem um olhar atento ao papel das mulheres discípulas nas primeiras comunidades cristãs não se intimida perante as clássicas posturas machistas e patriarcais e deixa claro que Jesus prefere a escolha de Maria. Caberá à vítima da tradição, Marta, se libertar e romper com um passado de submissão e se sentar ao lado do Mestre para ouvir, debater e se confrontar como todo discípulo e discípula deveria fazer!
quinta-feira, 10 de julho de 2025
XV DOMENICA - Dio è amato e venerato quando amiamo visceralmente i suoi figli feriti e agonizzanti
La parabola del “Buon Samaritano” ci mostra qualcosa di paradossale. Ci dimostra come la religione puó impedire l'esercizio della caritá che è il fulcro della nostra vita religiosa! Quando un "religioso devoto" si preoccupa esclusivamente di "obbedire ai precetti rituali e alle norme liturgiche" della sua religione – credendo che così facendo compiacerebbe il suo Dio – finisce spesso per mettere in secondo piano i "figli di Dio" e i loro bisogni, che è ciò che veramente conta! Se il presunto amore per Dio non si traduce in amore viscerale e compassionevole per il "prossimo escluso e ferito" – indipendentemente di chi sia – non è altro che alienazione pura. Gesù è ancora più diretto: non basta "amarlo come se stessi", ma dobbiamo amarlo 'come Dio ama' perché il metro di paragone non è "se stessi", ma il Padre misericordioso. Ma come ama Dio? Dio ama come un umano carico di compassione e che si avvicina, assiste, si prende cura, guarisce i suoi figli feriti e agonizzanti, anche se ció lo rende "infedele e impuro" agli occhi della sua religione. Dopotutto, per Gesù, la più grande 'impurezza religiosa' è la mancanza di compassione e di misericordia verso i 'suoi prossimi' che sono umiliati, deportati, bombardati e torturati, sotto i nostri "occhi spietati e negligenti"!
15º domingo comum - Deus é amado e venerado ao amarmos, visceralmente, os seus filhos feridos e agonizantes!
A parábola do ‘bom samaritano’ nos mostra algo paradoxal. Prova como a religião e suas obrigações pode impedir o exercício da caridade que é o cerne da vida religiosa! Quando um ‘religioso devoto’ se preocupa exclusivamente em ‘obedecer a preceitos rituais e normas litúrgicas’ da sua religião, - achando que com isso estaria agradando ao seu Deus, - acaba, frequentemente, colocando em segundo lugar ‘os filhos de Deus’ e suas necessidades que é o que, de fato, importa! Se o suposto amor a Deus não se traduz em amor visceral e compassivo, ao ‘próximo excluído e ferido’, - sem se importando quem ele seja, - não passa de uma mera alienação. Jesus é mais direto ainda: não é suficiente ‘amar o próximo como a si mesmo’ mas que temos que amá-lo como Deus o ama, pois o metro de comparação não é ‘si mesmo’, mas o Pai misericordioso. Mas, como é que Deus ama? Deus ama ao se aproximar, se compadecer, assistir, cuidar e curar o outro que é necessitado e agonizante, mesmo que isso o torne ‘um infiel e impuro’ perante a sua religião. Afinal, para Jesus, a maior impureza religiosa é a falta de compaixão e de misericórdia para com o nosso próximo que está sendo humilhado, deportado, bombardeado e torturado, debaixo dos nossos ‘olhos impiedosos e omissos’!
Se não por Deus, façam-no pelo que resta de humano na humanidade... Artigo de Mimmo Battaglia, arcebispo de Nápolis
O planeta ressoa com os tambores da guerra em todas as direções do horizonte. Na Ucrânia, treze mil civis dizimados pelo fogo; em Gaza, cinquenta e sete mil vidas apagadas em vinte e um meses de cerco; do Sudão, quatro milhões de corpos marchando em busca de um lenço de sombra; em Mianmar, três milhões e meio de rostos espalhados entre cinzas e selva; e, acima de tudo, uma cidade invisível que não para de crescer: cento e vinte e dois milhões de refugiados lançados ao vento como sementes.
Esses números – vocês os sentem pulsar? – deveriam gelar o sangue, mas se dissiparão como névoa se não aproximarmos nossos ouvidos à batida que eles conservam. Cada número é uma testa que arde, uma fotografia desbotada apertada na mão, uma voz que pede apenas um minuto sem sirenes. A vocês que detêm as alavancas do poder – governos falsamente democráticos, conselhos de administração lubrificados como engrenagens, alianças militares com vozes de metal – eu digo que o Evangelho não dá descontos nem suaviza a verdade. Não pede carteirinhas, não exige incenso: exige que se reconheça um homem quando o vemos, que se chame de mal o que esmaga o homem. "Tive fome e me deste de comer, era estrangeiro e me acolheste" não é um enfeite piedoso: é uma norma primária escrita com o pulso de Deus. Não existem cláusulas, não existem notas de rodapé minúsculos para esconder o egoísmo. Se querem ser guia e não leme desgovernado, detenham os comboios carregados de morte antes que atravessem a última fronteira; desmantelem as maquinarias que gotejam chumbo e forjam arados, tubulações, carteiras escolares. Levem os orçamentos de guerra à mesa de um professor cansado: transformem milhões destinados a mísseis em salas de parto iluminadas, ambulâncias capazes de chegar até os sofrimentos mais remotos. E vocês que se afundam nas poltronas vermelhas dos parlamentos, abandonem dossiês e gráficos: atravessem, mesmo que por apenas uma hora, os corredores apagados de um hospital bombardeado; sintam o cheiro de diesel do último gerador; ouçam o bipe solitário de um respirador suspenso entre a vida e o silêncio, e então sussurrem – se conseguirem – a frase "objetivos estratégicos".
O Evangelho – para quem crê e quem não crê – é um espelho impiedoso: reflete o que é humano, denuncia o que é desumano. Se um projeto esmaga o inocente, é desumano. Se uma lei não protege o fraco, é desumana. Se um lucro cresce às custas da dor de quem não tem voz, é desumano. E se não querem fazê-lo por Deus, pelo menos o façam por aquele pouco de humanidade que ainda nos mantém de pé. Quando os céus se enchem de mísseis, olhem para as crianças que contam os buracos no teto em vez das estrelas. Olhem para o jovem soldado enviado para morrer por um slogan. Olhem para os cirurgiões que operam no escuro num hospital destruído. O Evangelho não aceita os seus comunicados "técnicos". Descasca qualquer verniz de pátria ou interesse e deixa-nos perante a única realidade: carne ferida, vidas destruídas. Não chamem de "danos colaterais" as mães que escavam entre os escombros. Não chamem de "interferência estratégica" os jovens a quem roubaram o futuro. Não chamem de "operações especiais" as crateras deixadas pelos drones. Podem até tirar o nome de Deus se isso lhes assusta; chamem de consciência, honestidade, vergonha. Mas ouçam-no: a guerra é o único negócio em que investimos a nossa humanidade para obter cinzas. Cada bala já está prevista nas planilhas daqueles que lucram com os escombros. O humano morre duas vezes: quando a bomba explode e quando o seu valor é traduzido em lucro. Enquanto uma bomba valer mais do que um abraço, estaremos perdidos. Enquanto as armas ditarem a agenda, a paz parecerá loucura. Portanto, desarmem os canhões. Silenciem os títulos da bolsa que sobram às custas da dor.
Restituam ao silêncio a aurora de um dia que não manche as ruas de sangue. Todo o resto – fronteiras, estratégias, bandeiras infladas pela propaganda – é névoa destinada a dissipar-se.Só restará uma pergunta: "Salvei ou matei a humanidade que me foi confiada?" Que a resposta não seja mais uma sirene na noite. Convertam os planos de batalha em planos de semeadura, os discursos de poder em discursos de cuidado. Sentem-se ao lado de mães que vasculham os escombros para salvar um bichinho de pelúcia: vocês descobrirão que a estratégia suprema é impedir que uma criança perca a infância. Levem o cheiro de pedras queimadas para dentro de seus palácios: deixem que impregne os tapetes, lembrando a cada passo que ninguém se salva sozinho e que o único caminho seguro é trazer cada homem de volta para casa inteiro de corpo e coração. A nós, povo que lê, cabe o dever de não desistir. A paz brota na sala de estar - um sofá que se alonga; na cozinha - uma panela que se duplica; na rua - uma mão que se estende. Gestos humildes, obstinados: "você vale", sussurrado àquele que o mundo descarta. O grão de mostarda é mínimo, mas se torna uma árvore. Assim é o Evangelho: duro como pedra, tenro como o primeiro choro. Exige uma escolha clara: construtores da vida ou cúmplices do mal. Não há terceiras vias. Dobre, Cristo, o orgulho dos poderosos, convide os forjadores de armas a dobrar o ferro em pás, convoque todas as consciências a se abrirem e a defenderem o frágil com a teimosia de quem sabe que o bem é moeda que não se desvaloriza. Cada minuto de atraso grava um novo nome no mármore.
Que esta página – despida de retórica, áspera de Evangelho – se torne um espelho: quem se olha nela decida se permanecer servo da violência ou se tornar servo dos seus irmãos. Deus do respiro negado, arranca a mesa aos senhores que vendem o mundo a golpes de cúpulas. Inverte as suas cartas de ferro: que o chumbo espalhado volte a ser torrão, que o balanço armado se torne berço. Oferece aos poderosos o espelho que não sabem quebrar: o rosto de uma criança sem noite, o tremor de um médico que ficou sem luz. Faz com que não consigam desviar o olhar até que o privilégio se transforme em vergonha e a vergonha em justiça. Lembre-nos de que a carne vale mais que o emblema, que quem lucra com o sangue cava a própria cova, que a aurora não pertence a quem tem canhões, mas a quem guarda um abraço. Silencie as sirenes, dobre as bandeiras inchadas de barulho e devolva-nos um silêncio capaz de fazer florescer o futuro.