Uma análise de Clóvis Rossi
O massacre de mais de 600 pessoas no Egito devolve o país à situação prévia à chamada Primavera Árabe: volta a ser uma ditadura militar. Mudam só os nomes: ontem era Hosni Mubarak, agora é Abdul Fatah al-Sisi, chefe das Forças Armadas, o verdadeiro dono do poder, embora o presidente nominal seja um fantoche civil. Na verdade, a ditadura se instalou quando foi derrubado o presidente legítimo, o islamita Mohammed Mursi. Mas ainda se preservava a forma, o que ruiu por completo ontem.O que está em curso é a velha tendência de interditar o islamismo, com o que se interdita, na verdade, a democracia.Na democracia, governa a maioria, com o perdão pela obviedade. E, nas eleições, o braço político da Irmandade Muçulmana e os islamitas mais radicais da Al Nour ficaram com 65% dos votos, enquanto os grupos seculares/liberais não passaram de 15%. Que os militares, que mantiveram a Irmandade na clandestinidade a maior parte de seus 80 e poucos anos de vida, queiram repetir o esquema já é condenável, mas pelo menos é explicável. É o eterno braço de ferro entre as duas grandes forças egípcias. Mas é escandaloso que os liberais tenham se juntado aos militares para golpear a democracia. Veja-se o que escreve Steven Cook, do Council on Foreign Relations, especialista na região:
"O fato de alguns grupos revolucionários [os da Primavera Árabe] e ativistas da democracia, que se consideram liberais, terem feito causa comum com os remanescentes do antigo regime e com os militares mina sua pretensão de serem democráticos. E também faz deles, se não forem cuidadosos, peões potenciais em um jogo que forças antirrevolucionárias estão jogando com o intuito de restaurar alguma aparência da velha ordem"."Algumas pessoas pensam que o regime policial de Mubarak foi desmantelado, o que é falso. Ele continuou durante a transição militar [entre a queda de Mubarak e a eleição] e, depois, com o presidente Mohammed Mursi. Durante todo esse tempo, nenhuma ação foi tomada para a reforma da instituição policial e dos programas ensinados na academia de polícia. Da mesma forma, nenhuma medida foi tomada contra os oficiais acusados de violação dos direitos do homem. O massacre de ontem pode provocar uma "forte condenação", como diz a nota oficial da Casa Branca, mas não deveria provocar surpresa ante a preservação de um estamento militar habituado à violência desde sempre. Por falar na nota da Casa Branca, é patético "urgir o governo do Egito --e todas as partes no Egito-- a evitar a violência e resolver suas diferenças pacificamente. Equivale a pôr no mesmo pé quem entrou com o sangue e quem entrou com as balas.(Fonte: Clóvis Rossi)
Nenhum comentário:
Postar um comentário