sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Batismo entre os indígenas: um novo sentido de pertença

Nas visitas e andanças pela região de Grajaú e Barra do Corda percebo como continuam vivas e insistentes as demandas indígenas por batismo. Sempre olhei com certo temor quaisquer solicitações indígenas que, a meu aviso, significavam “deturpação ou introdução externa indevida” de elementos culturais não próprios. Talvez essa seja a parte mais delicada e polêmica no meu trabalho junto aos povos indígenas principalmente diante da minha convicção e reafirmação do princípio de respeito pela cultura, identidade e religião indígenas.
Entretanto, não há como negar que manifestações e ritos da religião católica foram histórica e estruturalmente incorporadas e re-significadas por vários setores indígenas exigindo, hoje, uma sua explicitação e continuidade. Sua negação seria uma repetição das históricas formas de exclusão e discriminação cometidas pela igreja católica ao longo de vários séculos. O batismo, por exemplo, se inicialmente foi praticado de forma compulsória por jesuítas e capuchinhos da região, hoje ele manifesta a pertença dos indígenas à totalidade da sociedade brasileira, sinal de inclusão, embora com manifestações específicas. Sem falar no poder liberatório e acumulativo que este sacramento possui para a maioria dos indígenas. De um lado libera de tudo o que não presta e, do outro, ao não se contrapor com outras práticas próprias, ajuda a acumular força espiritual, conhecimento e reconhecimento público de uma dignidade humana que era colocada sob suspeita sem o batismo católico. Longe de querer se contrapor às investidas sempre mais agressivas das igrejas evangélicas e pentecostais, uma inserção inteligente, respeitosa e recuperadora de novos e velhos sentidos nesse campo, poderá colocar o dedo numa ferida que ainda continua aberta: a sede de vivenciar o sagrado que com o contato com o colonizador católico ficou fragmentado e ameaçado.
Nesse sentido acho que se torna urgente uma nova presença evangélica junto aos povos indígenas para resgatar e integrar o sagrado difuso que está em cada pessoa e povo, num espírito de diálogo e comunhão que nos enriquece e nos motiva reciprocamente. Não há como se trabalhar as diferentes dimensões da vida junto aos povos indígenas de forma “separada” e assimétrica. No universo indígena tudo está interligado, as partes interferem no todo e, por sua vez, este recria as partes. Da mesma forma, ao debater e enfrentar uma problemática específica não há como não interligá-la com a totalidade. O sentido do sagrado e a sua onipresença no todo são marca indígena registrada. No nosso caso concreto é difícil separar o padre do professor/capacitador, o aliado/amigo do “pa’i”/mediador com o sagrado. Este ano, mais que em outros anos, aceitamos o desafio de assumirmos este perfil “multi-identitário” e trabalharmos de forma explícita, a partir do convite por batismos, a dimensão integradora do sagrado e da prática evangélica da justiça, da gratuidade, da reconciliação, do direito e da paz. Estamos tateando, sem fórmulas e caminhos trilhados. Sem ânsia de conquistar almas e freguesias, sem contraposição ao que já é praticado, mas também sem falsos pudores que podem cheirar a omissão, falta de respeito ás novas sensibilidades indígenas e renúncia prévia a mergulhar no mundo do outro sem medo de se perder e/ou se achar...com ele!

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