sexta-feira, 5 de outubro de 2012

FIDELIDADE AOS 'PEQUENOS/AS', 'CARNE DA MESMA CARNE' (Mc. 10, 2-16)

Vivemos numa sempre mais árdua e desafiadora convivência humana. Nela somos, ao mesmo tempo, geradores e vítimas de relações que oprimem e libertam. Que dominam e que reconhecem a igualdade como valor. Somos cúmplices de relações que apelam à competição desregrada e à negação do outro e, simultaneamente, promotores e defensores da dignidade do outro. Experimentamos a beleza do serviço gratuito, discreto e anônimo, mas cedemos à sedução do nosso reconhecimento público, e da ‘cobrança’ econômica e emocional. Transbordamos de fortes e sinceros afetos pelas pessoas que cuidam de nós, diuturnamente, de forma abnegada, mas caímos nos braços da última efêmera e fatal atração. Choramos a nossa tristeza interior por nos sentir uma permanente contradição ambulante, incapazes de nos desvencilhar de algo que parece ter fugido definitivamente do nosso controle. Com angústia nos perguntamos se nos é possível experimentar, de fato, a plena liberdade. E realizar o que sonhamos e almejamos. Uma consciência essa que estava presente também nos discípulos de Jesus. Reiteradas vezes eles perguntavam ao Mestre se lhes era possível se salvar diante de exigências existenciais e evangélicas tão radicais!

O evangelho de hoje desenvolve, substancialmente, os conteúdos abordados também no domingo passado: os ‘pequenos’ são herdeiros do Reino de Deus, e acolhê-los é acolher o próprio Deus de Jesus. No evangelho hodierno, especificamente: é preciso se tornar ‘pequenos’, invisíveis (micrói) para poder ‘ver’ e saborear a novidade da Realeza de Deus que já iniciou e consiste no reconhecimento e na prática da igualdade e da unidade com o outro/a (v.14). Renunciando, portanto, a toda forma de superioridade e dominação sobre o outro, sobre o pequeno/a desamparado e ‘repudiado’. Jesus trabalha isso a partir de uma indagação específica feita pelos seus discípulos, ou seja, se era legalmente permitido ou não abandonar definitivamente a própria ‘mulher’. Jesus, com extrema perspicácia, não cita as normas legais em vigor como costumavam fazer os escribas. Ao contrário, lembra-lhes o princípio da igualdade – na diversidade, - que vinha existindo entre o homem e a mulher desde que Deus os criou. Ao concebê-los como filhos e filhas seus Deus lhes soprou o espírito da vida como se fossem um único e indissociável ser. Em plena igualdade entre si. Uma carne só, um projeto unitário de vida em comum. Um vivendo para e pelo outro (v.7). Pelo contexto em que Jesus afirma isso, parece evidente que não se refere direta ou diretamente a esta ou àquela instituição social ou religiosa (matrimônio institucional), mas ao fato de que nenhuma dessas duas novas criaturas’ poderá prevalecer sobre a outra. Nenhum dos dois novos seres poderá dominar e subjugar o outro. Ou rejeitar e abandonar o outro. Ao contrário, homem e mulher são uma unidade indissociável, criativa, de colaboração, de serviço recíproco, de cumplicidade amorosa. Superando sentimentos de superioridade sobre o outro,  egoísmos mesquinhos, e machismos  homofóbicos e misóginos.

É nesse sentido que Jesus afirma que os humanos não podem destruir e dissociar a ‘unidade na igualdade’ entre homem e mulher que Deus quis desde o início!(v.9) Numa realidade cultural em que o homem tinha poder absoluto sobre a mulher e dispunha sobre ela como bem quisesse, a postura de Jesus era surpreendente!Afinal, o Jesus que estava caminhando rumo à cruz percebia que a única coisa que ainda lhe restava era acolher o outro/a como sendo o seu ‘pequeno/a’ a ser acolhido e amado infinitamente. Ao acolhê-lo e ampará-lo o reconhecia como ‘igual’, e mesmo na sua diversidade, o acolhia como sendo ‘carne da sua mesma carne’. Irmanados pelo único e visceral amor de Deus. Um Deus que em Jesus continuava a acolher e a amar fielmente, sem recuos e arrependimentos, os ‘seus pequenos/as’ herdeiros e construtores do novo Reino.

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