Aparências e ostentações, sede de autoafirmação e reconhecimento público, hipocrisia e bajulações convivem no ser humano com atitudes de simplicidade e sobriedade, de humildade e singeleza. No universo cultural em que vivemos as primeiras atitudes parecem predominar sobre as segundas. Emergem com mais vigor porque existe no ser humano um desejo insaciável, mesmo que inconsciente, de ser reconhecido e valorizado. De mostrar poder sobre os outros, mesmo que seja fictício. De aparecer generosos, mesmo sendo tacanhos. De ser fiéis a normas e preceitos mesmo sendo traidores de valores e princípios éticos. O evangelho hodierno de Marcos nos diz de que lado Deus está. O que e quem Ele prefere. Quais as atitudes que os seguidores de Jesus de Nazaré deveriam assumir. O evangelista o faz de forma magistral, sagaz e crítica. Descreve sucintamente a estrutura comportamental, social e religiosa, dos doutores da lei. Descreve-os como ‘pessoas que procuram os primeiros lugares, que gostam de vestir roupas vistosas, de serem cumprimentados em locais públicos, mas também como pessoas que sob o pretexto ‘de longas orações nas casas das viúvas aproveitam para devorá-las e esvaziá-las.’. O evangelista, a seguir, passa a descrever o comportamento de pessoas ricas, - supostamente ligadas aos doutores da lei ou, talvez, sendo os mesmos, - e de uma viúva. Todos nas mesmas circunstâncias, no espaço sagrado do templo. Ou seja, no espaço habitado por Deus. Os primeiros se comportam de acordo com a fama e o ‘prestígio moral’ que lhe é tradicionalmente atribuído, e que eles acham possuir: oferecem dízimos vistosos. Eles devem manter as aparências de pessoas generosas, e sempre solícitas em ‘comprar’ a benevolência divina!
A viúva, ao contrário, passando quase invisível, coloca no cofre apenas duas pequenas moedas. Uma oferta insignificante desde um ponto de vista financeiro, mas que representava tudo o que ela tinha materialmente. Com isso, de forma muito sutil, Marcos deixa a entender que a viúva deu pouco ao templo porque a ‘casa dela havia sido esvaziada e devorada pelos doutores da lei graças às suas longas orações na sua casa’. Eles usam e manipulam o sentido da oração, do sagrado, para extorquir e sequestrar os poucos bens que ela e os pobres possuem. Mesmo assim, a viúva doou a Deus o pouco que os ‘homens de Deus’ haviam deixado da sua rapina na sua casa. Um dinheiro, inclusive, que acabaria sendo usado e administrado pelos mesmos autores da rapina! Marcos ao fazer a sua crítica ao sistema religioso e social de Israel reafirma de um lado a sua convicção de que os pobres são portadores de uma riqueza moral que é a única capaz de construir novas relações de fraternidade. E do outro, que não são os ricos e poderosos a agradar e a seguir a Deus, e a construir o novo jeito de governar de Deus, como muitos seguidores de Jesus pensavam. Os ricos só dão sobras que são, afinal, não o fruto de sua generosidade e criatividade, mas de suas rapinas contra viúvas e pobres. As viúvas, os pobres, os pecadores, e as prostitutas, ao contrário, - pessoas que não gozavam de nenhum prestígio social, - sabem renunciar a tudo o que eram e tinham, para se entregarem à ‘generosidade divina’, e a construir um novo jeito de convivência humana. Elas são o verdadeiro dízimo preferido por Deus. Porque souberam mergulhar com fé no colo de um Pai que sempre assegura beleza aos lírios do campo, comida farta aos passarinhos do céu, e não deixa cair sequer um fio de cabelo dos filhos e filhas que ele gerou com amor.
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