As tristes memórias do sistema monárquico parecem macular o sentido da festa de Jesus ‘rei do universo’. Da mesma forma, podemos nos sentir liturgicamente ludibriados ao lembrarmos as insistentes e irritadas recusas de Jesus em não aceitar o papel de líder político, notadamente o de ser rei. Contudo, por que não ver nisso uma forma para ‘ridicularizar’ os humanos ‘metidos a rei’? Por que não ver nessa atribuição real ao Jesus amigos de pobres, mendigos e prostitutas uma forma para distanciá-Lo e opô-Lo àqueles humanos que ainda aspiram e necessitam de cargos de prestígio, expressão de um mandonismo arcaico, para se sentirem vivos? Por que não ver, enfim, na festa de hoje uma crítica sutil ao ‘espírito de reizinho’ que está escondido, e sendo ‘chocado’ naquele lado ambicioso do nosso coração, e que produz tantos sofrimentos em muitas pessoas?
O evangelho de hoje para ilustrar essas tendências e tentações da nossa alma humana nos propõe o diálogo de Jesus com Pilatos na livre versão de João. De um lado um governador fiel e devoto submisso ao ‘divino’ César. E do outro, um Judeu errante, curador, pregador, contador de histórias e estórias que só enxergava ‘Deus’ como único e legítimo Rei. De um lado um cauto e temeroso político, atento e vigilante para reprimir com crueldade quantos não reconheciam o ‘Reizinho de Roma’ como único soberano. Do outro, um mestre sábio, armado somente de sacola e sandálias, sem cavalo e sem castelo, anunciando que o Reino de Deus, - e não o do ‘divino’ César, - já havia iniciado, e que estava sendo mediado pelos pobres invisíveis de Israel. O diálogo segue duas lógicas totalmente diferentes, antagônicas. E não podia ser diferente! Nas palavras de Pilatos a preocupação e o desejo de desmascarar um possível rival, mas logo percebe na sua lógica militarista que o perigo para ele e para Roma não viria daquele judeu solitário, sem exército, abandonado até pelos seus mais íntimos e medrosos discípulos. Nas palavras de Jesus, nos seus gestos, a certeza e a firmeza de que a verdadeira ‘realeza’ consiste no testemunho da ‘verdade’, a do reino de Deus. Uma verdade incompreensível para Pilatos, mas que desmascara e ridiculariza o ‘poderoso’ império romano feito de reizinhos e rainhas. Jesus confirma que ele não é ‘rei’, pois não adota a truculência e nem a repressão militar dos reizinhos humanos como Pilatos e os ‘divinos’ imperadores. Reafirma, ao contrário, que ele é testemunha da verdade, aquela que é capaz de agregar um ‘exército’ de desesperados, de leprosos, de mendigos, de famintos, de prostitutas e ladrões e transformá-los pessoas novas, renovadas, confiantes em si e no seu ‘Rei’. E, ao mesmo tempo, cidadãos/ãs resistentes a tudo o que cheira a mandonismo truculento, despotismo corrupto e administração injusta, negadora da vida e da dignidade. Enfim, em pessoas fiéis e devotas ao único ‘Rei’ que sabe governar com compaixão e justiça, mesmo sem ser....rei!
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