Alguns afirmam que o papado de Francisco só começou realmente nesse sábado com a escolha do novo Secretário de Estado, Dom Parolin, no lugar de Bertone. Uma confirmação de que, sem a remoção desse último, o divisor de águas entre passado e presente permanecia nebuloso, incompleto. Provavelmente, Bertone começava a pressentir isso. No entanto, não quis, ou talvez não foi capaz, de entender que a sua época tinha acabado: tinha se concluído no dia 28 de fevereiro, com a renúncia de Bento XVI e tinha sido enterrada com a eleição de Jorge Mario Bergoglio. Contudo, ele não quis ou não soube entender que o momento era de deixar. Revistas agora, as suas raras imagens ao lado do Papa Francisco na recente viagem ao Brasil para a Jornada Mundial da Juventude, relatam uma relação quase inexistente. Bertone pensava em continuar desempenhando um papel ao menos semelhante ao que lhe havia sido concedido por Bento XVI. A sua última tentativa foi de resistir à cúpula da comissão cardinalícia que controla o IOR. A conversa com Francisco em meados de agosto teria sido uma espécie de diálogo breve, embaraçoso entre surdos. De fato, o pedido de Bertone agravou as suspeitas daqueles que se perguntam se ele quer acompanhar a problemática operação de transparência financeira do IOR só pelo bem da Igreja ou porque há interesses encorpados e incômodos para defender. Nisso, Francisco demonstrou que não quer recuar um centímetro.
O declínio de Bertone, portanto, não será indolor, porque não é só o de um alto prelado, mas também de um sistema de governo e de uma mentalidade dos quais, apesar dele, ele se tornou há muito tempo o símbolo e a metáfora. Não existem problemas pessoais com o novo pontífice. Mas o ex-arcebispo jesuíta de Buenos Aires é a expressão de um conclave que queria e conseguiu eleger um papa chamado para eliminar aquilo que o agora ex-secretário de Estado representou, para além das suas reais responsabilidades.O retorno a Roma do "jovem" Pietro Parolin, o diplomata da escola de Agostino Casaroli, que ainda não é nem cardeal, soa como a derrota total do modelo anterior. Indica sobretudo a vontade do Vaticano de voltar a fazer política externa, depois de uma fase de imobilismo e improvisação.Que fique claro: Bertone não foi a causa do ataque do coração do poder vaticano; no máximo o revelou. Mas, certamente, a sua figura controversa assinalou e tornou extremas as suas contradições e o seu anacronismo. Nesse ponto, ficou ainda mais claro para os episcopados mundiais que o sistema devia ser radicalmente reformado, a fim de evitar desvios e guerras internas devastadoras.Mas o universo autorreferencial de Bertone já estava periclitante. Francisco e o conclave apenas reconheceram isso, com tempos lentos, mas inexoráveis, de uma igreja que voltou a olhar para frente.(Fonte: IHU)
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