O golpe atual obedece a uma posologia comum a todos os golpes, um método repetido desde tempos imemoriais. A fase de preparação. Uma campanha sistemática de descrédito do grupo a ser derrubado, tirando a besta (o efeito-manada) da jaula, visando intimidar os que se opuserem à escalada. A rápida virada de posição do ex-PGR Rodrigo Janot e dos Ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Edson Fachin coincidiram com ataques desfechados contra eles. Conquistada a vitória, com o Judiciário e o Legislativo sob controle, tenta-se baixar a fervura, conferir aparência de legalidade ao golpe e disfarçar o estado de exceção implantado.
Firma-se um pacto de invisibilidade entre Judiciário, Ministério Público e mídia: só é considerado fato aquilo que a imprensa publica. E a imprensa só publica um lado das questões. Hoje em dia, por exemplo, as críticas contra a Lava Jato têm gerado um vagalhão de processos e condenações pecuniárias na Justiça Federal do Paraná contra jornalistas de fora do sistema. Como a mídia não deu, não aconteceu. E, como não são jornalistas do sistema, não merecem a defesa nem do STJ, nem do CNJ , que montou um conselho exclusivamente para amparar os grupos jornalísticos contra as condenações excessivas.
O país é claramente dividido entre "nós" e "eles". Anunciam-se providências para apurar atentados à caravana de Lula, ao acampamento em Curitiba, ao assassinato de lideranças populares. Passados alguns dias, tudo termina em pizza. Chega um momento em que, por excesso de abusos, não dá mais para esconder o jogo político. A estratégia final, da simulação de legalidade, falha pela ausência de candidaturas competitivas alinhadas com o golpe. Com isso, fecha-se o espaço para a continuidade da pantomima legalista. Bate meia noite, a carruagem da legalidade transforma-se em abóbora e parte-se para as vias de fato.
O próximo passo será a ditadura explícita. De certo modo, o momento atual está para o golpe jurídico-midiático como o AI-5 para o golpe militar. Na época, poucas vozes se insurgiram contra o Ato, como o vice-presidente Pedro Aleixo. Mais à frente, um grupo de advogados passou a batalhar pela volta do habeas corpus. Depois de sua atitude, o desembargador Rogério Favreto está sendo alvo de um massacre, com divulgação de seus telefones pelas redes sociais, disseminação da imagem de sua família e até um general da reserva insuflando as pessoas a agredirem-no. Segundo os jornais, a Polícia Federal vai investigar novas ameaças contra o juiz Sérgio Moro. Nenhuma manifestação sobre as ameaças dirigidas a Favreto.
A Ajufe (Associação dos Juízes Federais) solta uma nota em defesa das prerrogativas de Sérgio Moro, e nenhuma linha a respeito das ameaças recebidas por Favretto. O país chega, então, a um desses momentos cruciais, em que todos os ritos são atropelados e instaura-se o vale-tudo contra o "inimigo". Solta, a besta se torna incontrolável. Os episódios dos últimos dias destruíram de vez hierarquias e procedimentos no Judiciário. A história está repleta de exemplos em que o combate inicial ao inimigo gerou uma dinâmica incontrolável, produzindo episódios trágicos. O avanço de Bolsonaro é uma consequência direta desse processo. Quem irá segurar a onda?
O STF, que tem como presidente Carmen Lúcia e como inquisidores Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, que não resistiram aos primeiros ataques contra sua reputação? O Superior Tribunal de Justiça (STF), com Laurita Vaz, ou o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), cuja presidente Carmen Lúcia montou um grupo de trabalho especificamente para defender os direitos absolutos da mídia, e nenhum grupo para discutir o direito à diversidade de opinião? Não existe vácuo de poder. Essa balbúrdia desaguará, em pouco tempo, em alguma liderança autoritária.
E a escolha será entre o déspota primário e o esclarecido
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