Na oração da missa do domingo de Ramos rezamos: ”Ó Deus vós que QUISESTES que o vosso filho se fizesse homem, sofresse e padecesse na cruz...” Como acreditar que um pai QUER o sacrifício de um filho? E ver na sua morte violenta a expressão da vontade divina? Como sufocar a revolta interior ao ouvir devotos que consolam uma mãe que acaba de perder uma filha de 20 anos sussurrando-lhe ao seu coração que ‘esta seria a vontade de Deus’? E que nada se pode contra ela. O próprio Jesus, na cruz, naquela fatídica sexta feira, vendo que tudo estava consumado, só lhe restou gritar com lágrimas e sangue ‘Meu Deus, meu Deus, para que me abandonaste’? Ele não queria conhecer o ‘porquê’, o motivo do seu sacrifício. Sabia que não havia motivo para ser abandonado pelo Pai. Ele queria somente entender o ‘para que’, a finalidade daquela morte humilhante. E dar sentido a um sacrifício que se apresentava radicalmente incompatível com o modo de ser do Pai que Ele conhecia. Muitas pessoas ainda não compreendem qual é, de fato, a vontade de Deus. E mesmo assim, agem como se fossem seus fiéis intérpretes. Na realidade, se valem de uma ‘suposta vontade de Deus’ para impor aos outros a sua própria vontade. Manipulam e chantageiam pessoas feridas e provadas pela vida a aceitarem docilmente uma ‘incompreensível e misteriosa vontade divina’. E cooptam, mediante o medo e a ameaça, a liberdade interior das pessoas que é a essência da nossa filiação divina. Ainda hoje, no consolidado vocabulário espiritual e religioso, utilizam-se expressões tais como ‘Foi Deus que quis’; ‘Deus sabe o que faz’; ‘Deus pode até não querer a morte de um filho, mas Ele permite...’ Tudo isso revela uma relação distorcida com o Deus Pai apresentado e vivenciado por Jesus. Essas crenças são escandalosamente desviantes e revoltantes. Paradoxalmente, nos momentos em que mais precisamos sentir a proximidade de um Deus que nos consola e dá força é que aparecem os arrogantes e pretensiosos ‘homens de fé’ a justificar nossas angústias como sendo parte de um ‘misterioso plano de Deus’. A ser aceito com resignação e passividade! Na realidade, é uma imoral deturpação da identidade de um Deus que só pode ser compreendido e acolhido como ‘Protetor e Defensor’ de seus filhos!Jamais como carrasco e vingador!Faz-se urgente compreender o que Jesus queria dizer quando no projeto do ‘Pai Nosso’ pede que ‘seja cumprida a vontade do Pai’.
Jesus não fala do cumprimento de uma vontade divina genérica e misteriosa. A vontade a que Jesus se refere está diretamente relacionada à plena realização da ‘Realeza do Pai’. Ou seja, à sua firme vontade de ‘administrar e governar com amor, com justiça, e em espírito de serviço gratuito’ a sua família, a humanidade. A consciência de Jesus é de que a vontade do Pai consiste em cuidar e preservar vidas! Jesus não utiliza o verbo ‘fazer a vontade’, mas ‘cumprir a vontade’. Deixa claro, desse modo, que o desejo de Deus de amar e proteger seus filhos só se realiza se há um compromisso mútuo entre o Pai e seus filhos. A vontade é clara, mas precisa ser ‘cumprida’! E até às últimas consequências. Nesse sentido, não precisamos adivinhar ou discernir a vontade de Deus. Ela só precisa ser incorporada e estendida em todas as dimensões e direções da vida. E isso não é nada fácil. Amar e cuidar de verdade significa, muitas vezes, se colocar contra aqueles que humilham e atentam à vida de tantos irmãos indefesos. Quando os discípulo escutam os clamores e assumem as dores desses irmãos feridos incorrem, eles próprios, no risco de serem perseguidos e eliminados. O próprio Jesus, no Monte das Oliveiras, (Mt. 26,42) por coerência e fidelidade à sua missão de salvar vidas tinha consciência que devia tragar a ‘bebida amarga do cálice de vinho tinto de sangue’. A ‘vontade pessoal’ de se poupar, e de se preservar, deixou lugar ao imperativo ético de ‘cumprir a vontade de Deus que é amar até o fim seus filhos’. A mesma missão ‘divina’, afinal, realizada por humanos como Ezequiele Ramin, Irmã Doroty, Chico Mendes, e tantos outros que se preocuparam em ‘obedecer antes à vontade de Deus do que à dos homens’(At.5.29). E pagaram com o sangue a sua fidelidade radical em promover o sonho-vontade de Deus. Esta ‘não consiste em fazer a nossa vontade, mas a vontade de Quem nos enviou; e a vontade de NOSSO PAI é que NÃO PERCAMOS ninguém daqueles que nos foram confiados’(Jo. 5,30). A indiferença e o descompromisso com a missão de proteger irmãos em situação de risco, a adesão e o apoio disfarçado aos violentos por parte de inúmeros discípulos de Jesus, fazem com que percamos, a cada dia, muitas vidas, de muitos ‘pequeninos’. Quem descobriu, como Jesus, que a vontade do Pai é ser ‘boa notícia’ para os ameaçados e abandonados não espera a vontade de Deus acontecer. Cumpre-a! Sem medo. Agora. Aqui, na terra, pois, dessa forma, será cumprida, simultaneamente, também no céu!
(Artigo do blogueiro que comenta o Pai Nosso aparece todo mês no O Jornal do Maranhão da Arquidiocese de São Luís)
(Artigo do blogueiro que comenta o Pai Nosso aparece todo mês no O Jornal do Maranhão da Arquidiocese de São Luís)
Nenhum comentário:
Postar um comentário