Há quem diga que é preciso reinventar, reinterpretar e recontemplar o Natal, principalmente à luz do que tem ocorrido ao longo desse ano. É para se perguntar se isso não seria válido o tempo todo, e não somente por ocasião dessas datas chamativas e, agora, nas atuais excepcionais circunstâncias! Fossilizamo-nos nos velhos e arcaicos ritos, nos jargões insossos, nas palavras contaminadas, nas análises decadentes, nas mesmices apáticas. Por que esse Natal deveria ser diferente e com a obrigação de desencadear algo inédito? Não dizíamos o mesmo há um ano? Dor, mortes, tragédias, desgraças nos acompanham, permanentemente, e por que só as atuais marcadas por uma pandemia planetária teriam o dever/poder de nos tocar tão profundamente a ponto de chegarmos a rever a nossa vida, nossas escolhas, nossas atitudes, nossos pseudovalores?
É um dado de fato, contudo, que a liturgia católica na vigília do Natal apresenta, infalivelmente, a mesma narrativa evangélica. Por que, afinal, se o mundo muda, até os vírus são sempre mais mutantes e os acontecimentos se desencadeiam com um ritmo e uma originalidade sempre mais intensos e variegados? Paradoxalmente, à distância de muitos anos, o mistério da ‘encarnação’ permanece imutável, em que pesem suas multifacetárias interpretações! Meditando a narrativa do nascimento de Jesus segundo o olhar de Lucas podemos compreender o nosso eterno e imutável hoje, a saber:
1. Jesus, filho de Deus, se esvazia de sua divindade e de supostos privilégios, e se humaniza, assumindo fragilidades e limitações de toda ordem. No entanto, ‘humanos’, como César Augusto, querem se despir de sua humanidade para serem tratados como divinos, absolutos, imortais! Acham que podem tratar e dispor dos humanos como se ‘eles’ também não o fossem! Isso mudou aos nossos dias?
2. Maria e José são obrigados pelo ‘divinizado imperador’ a se cadastrar para declarar o tamanho de sua renda, e conhecer, consequentemente, quanto a Receita imperial iria abocanhar. Os cidadãos, para esses ‘divinizados’ não passam de um exército de códigos de barra, sem nome, sem sonhos, sem projetos. São peças a serem sugadas, usadas e descartadas! Isso mudou aos nossos dias?
3. Maria e José longe de sua casa-pátria experimentam a precariedade e a insegurança na capital! A cidade universal, a escolhida, em lugar de acolher, sonega hospitalidade, e trata seus filhos como estrangeiros e impuros em sua própria casa! Isso mudou aos nossos dias?
4. Os pastores, notórios ladrões, sem religião e sem lei, são envolvidos pela luz divina, e não pelo julgamento ou a condenação. Eles, os humanos descartados e condenados pelos humanos divinizados, são agraciados e acolhidos pelo Altíssimo. Realmente, isso nunca vai mudar: Deus continua a se revelar preferencialmente aos pequenos anônimos e rejeitados, não porque são os melhores ou os merecedores, mas porque a lógica do ’humano Deus’ é pautada pela compaixão e pela misericórdia infinita! Feliz Natal
Nenhum comentário:
Postar um comentário