Quando chegam as águas novas, carregadas de calor e nutrientes, dispara o ciclo reprodutivo dos peixes de piracema. Então, em cardumes, eles arrancam rio acima na busca desesperada pela reprodução da espécie. Um peixe como o dourado tem que nadar pelo menos quinhentos quilômetros contra a corrente, até à exaustão. Quando encontram um obstáculo em seu percurso, lutam para vencê-lo. Quando é impossível vencê-lo, a exemplo de uma barragem no leito de um rio, se lançam contra a parede até desfalecer, ou até morrer. Muitos preferem morrer que renderem-se ao obstáculo, porque o instinto da vida os leva a lutar até morrer. Os que se acomodam não se reproduzem, vivem seu tempo como indivíduos, até sua extinção e a extinção total da espécie.
Porém, quando é possível vencer o obstáculo, prosseguem sua “arribada” rumo à reprodução da vida. Só na exaustão as fêmeas amadurecem os hormônios, liberam os ovos na água, enquanto os machos liberam seus espermas. Então, a fecundação acontece na água. Levados pelas correntes, os ovos fecundados eclodem no prazo de quinze horas. Agora já alevinos, levados pela enchente e pela correnteza, são carreados para seu berçário natural, isto é, as lagoas marginais. Ali ficarão pelo prazo de um ano, até a próxima cheia, quando já peixes jovens, voltarão ao leito do rio. Em alguns anos, quando estiverem maduros para a reprodução, farão o mesmo ciclo de seus pais.
É só assim, nadando contra a corrente, até à exaustão, que o milagre da vida acontece. Os peixes que não migram não amadurecem seu processo hormonal, não desovam, não liberam esperma, não se reproduzem, não contribuem para a perpetuação da vida. Servem apenas para serem pescados e devorados pela espécie humana.
Para os que têm fome e sede de justiça um dourado basta.
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