quinta-feira, 5 de abril de 2012

Semana Santa III - a ceia de despedida. Um conto.


Tudo está pronto para a ceia da páscoa. O clima ameno daquele final de dia é convidativo. A enorme mesa de cedro do Líbano posta na sala espaçosa daquele sobrado de pedra clara hospeda as velas a fervilhar, e as tigelas cheias de pão. O seu perfume, misturado com o aroma do vinho e o cheiro azedo do cordeiro com ervas amargas exalam por toda a sala. São verdadeiros sacramentos da abundância divina e do suor transformador das criaturas humanas. Os apóstolos já chegaram todos. Estranhamente, bem arrumados e perfumados. Alguns deles haviam conseguido trazer alguns familiares da Galiléia. Outras três famílias amigas de Jerusalém haviam sido convidadas para a ceia, e se juntaram ao grupo. Há também alguns idosos entre elas. São os pilares firmes da memória histórica do povo de que fazem parte. As mulheres, as fiéis do grupo de Jesus, não arredam. Elas estão lá, coordenando e ajeitando para que não haja surpresas na hora de iniciar a liturgia pascal. Afinal, é uma páscoa especial esta!Uma páscoa com sabor de despedida. O mestre os havia alertado. É preciso celebrar intensamente o memorial de um passado eternamente presente. Hoje mais do que ontem.

O memorial de um Deus-Javé que continua permanecendo ao lado daqueles que não aceitam a escravidão. Nem a dominação. A de ontem, e a de hoje. Que não querem servir aos faraós e nem aos imperadores! E que têm ainda a coragem de atravessar ‘os Mares Vermelhos’ do medo, da covardia, da conformação. Alguns ficam a bisbilhotar e comentam entre si que o rosto de Jesus, hoje, tem um semblante estranho. Ele parece quase que encoberto por um véu de tensão, mesmo que contida. Ele acolhe sorrindo os convivas, mas não parece ser efusivo como em outras ocasiões. Todos parecem intuir que algo diferente está para acontecer.....Não há espaço para sermões ou discursos. Pareceria algo retórico e inadequado naquele momento. São os gestos simbólicos, afinal, - aqueles gravados na mente e no coração - que deixam uma marca indelével! Jesus sabe disso e, em silêncio, começa a lavar os pés de cada um. E da cada uma d@s presentes. Lava justamente a parte do corpo mais exposta à contaminação. Aquela parte que acumula mais poeira, sujeira, bactérias e micróbios. Jesus lava aqueles pés que percorreram com ele léguas e léguas. De povoado em povoado. Pés feridos e inchados. Pés que os haviam conduzido a anunciar esperança e vida nova a pessoas que haviam perdido a vontade de viver e sonhar. Jesus, agora, ajoelhado aos pés de cada um parece quase adorá-los. Lava-os com carinho, enxuga-os com uma toalha de linho fino, e beija-os com delicadeza. Parece retribuir a tod@s o mesmo gesto que poucos dias antes uma mulher discípula havia feito com ele. Com perfume, lágrimas e longos cabelos. O rosto de Jesus, agora, está mais sereno. Não há mais tensão nele. É o semblante de uma pessoa profundamente grata. A gratidão por el@s existirem em sua vida. Por o terem acompanhado até aí. Por não o terem abandonado. Por dividirem com ele o pão da compaixão e da solidariedade. Por beberem com ele o vinho da alegria. A alegria de viver e de esperar. O vinho do martírio. O vinho que ajuda a superar o medo de morrer! Agora ele pode, enfim, partir....

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