Passou quase um ano desde a eleição de Jorge Bergoglio ao sólio de Pedro, e agora toda a Igreja tem confiança nele, os fiéis, sobretudo. Também as estruturas institucionais, na Itália e em todo o mundo, o apoiam sem mais as reservas iniciais que não eram nem poucas nem marginais. Estimam-no e querem dialogar com ele os rabinos e as comunidades judaicas, os imãs que pregam o Alcorão e até – até – os não crentes. Roma tornou-se novamente a capital do mundo. Não a Itália, mas Roma, a cidade do Papa Francisco, é o centro do mundo. Mas Francisco vem desagradando a Igreja que tem como principal objetivo a sua conservação e o poder, o temporalismo que deles derivam. A que Francisco degradou em notável medida à categoria de "intendência", a que deve fornecer os serviços necessários para a Igreja combatente e missionária. Em suma, os mandarins, como os chamariam na China. Sempre houve os mandarins da Igreja Católica depois dos três primeiros séculos da Igreja patrística. Eles combateram guerras não só teológicas, mas também com lanças e espadas e espingardas e canhões e navios e cavaleiros e inquisições e perseguições. Derrotas e vitórias e cismas, heresias e vinganças e intrigas e diplomacias e dogmas e excomunhões. Essa foi a história do Papado e da Igreja; não em intervalos, mas continuamente. Uma Igreja vertical muito pouco apostólica. Vinte e um Concílios em 2.000 anos; muitos sínodos, mas com poucos poderes. Agora – e pela primeira vez – a Instituição está sob o risco de perder o seu status de guia. Em parte, já o perdeu, mas não totalmente. Os mandarins ainda existem. Fizeram ato de submissão, se alinharam, mas ainda combatem. Como? Eles acreditam que podem convencer Francisco a implementar boas reformas, mas não uma revolução. A Igreja-instituição não foi a pregada por Jesus, senão em parte. Por séculos e até por milênios, a prioridade de papel foi da Instituição consciente do valor da Igreja pobre, mas dedicada principalmente ao exercício do poder e, portanto, da temporalidade, embora atualizada aos tempos, mas dedicada ao fortalecimento e à ampliação da temporalidade.
O Papa Francisco sempre esteve em guerra contra a primazia da temporalidade. Ele é flexível e consciente e conhecedor da força dos seus adversários, é astuto na gradualidade e na necessidade de compromissos, mas também é sagaz para captar o momento do ataque radical dos obstáculos que os mandarins lhe opõem. Em suma, é uma guerra e vai durar por um longo tempo. O papa, que hoje conduz a obra de purificação e de transformação que Ratzinger não pôde fazer, tem dentro de si o objetivo do santo de Assis e a metódica de Inácio. A contradição é esta: a purificação do pântano é um propósito que Inácio também tinha bem presente no seu tempo, mas a sua metódica se desenvolvia no pântano, utilizava o pântano para tornar ainda mais necessária a presença da Companhia. Agora, ocorre que o jesuíta Bergoglio fez com que a metódica jesuíta passasse novamente de metódica a instrumento. Por isso, ele assumiu o nome de Francisco. Mas essa não é uma posição reformista que os mandarins tolerariam e até mesmo apoiariam. Essa é uma revolução. Um jesuíta que escolhe esse nome é, talvez contra as suas intenções, talvez mesmo sem que esteja plenamente consciente, uma bomba. Isso nunca tinha acontecido na história da Igreja. É a pessoa adequada para o escopo que se propôs. Mais de 90% dos fiéis estão com ele, mas os obstáculos são inúmeros, e o Espírito da terra, como se queira identificá-lo, é uma muralha de borracha dificilíssima de erradicar. (Fonte: síntese de um artigo de Eugenio Scalfari)
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