Vivemos numa realidade em que tudo parece estar regulamentado por normas, leis, prescrições. Mesmo sem conhecê-las plenamente nos sentimos obrigados a obedecê-las. Outras vezes, mesmo conhecendo algumas normas as desrespeitamos porque achamos que elas nos prejudicam. Achamos que limitam a nossa liberdade sagrada. Ou, compreendemos que são normas e leis feitas por um pequeno grupo de iluminados que têm poder para tirar proveito da grande maioria do povão. Tudo isso faz sentido. O mesmo pode acontecer com ‘as normas éticas’ contidas no evangelho. Para alguns podem parecer algo castrador, e limitadoras de felicidade e liberdade sem fim. Como se fossem exigências para nos purificar, e nos impedir de sermos totalmente autônomos. Jesus, na sua época, agiu de forma tão livre perante a lei que muitos diziam que veio para derrubar tudo o que Israel havia construído ao longo de tantos séculos. Jesus mexeu em pilares sagrados como a observância do repouso no dia de sábado. Muitos diziam que isso era mais que um irreverência, era blasfêmia. E mesmo assim, ele nunca deixou de agir dentro da ‘legalidade do Reino’. Uma legalidade que ia além da lei em si e procurava descobrir o seu sentido mais profundo. Uma necessidade de praticar uma justiça que ia além da justiça dos fariseus hipócritas.
No evangelho de hoje Jesus parece querer acalmar as pessoas que o acusavam de infringir as normas sagradas e coloca os pinguinhos nos ‘is’. Ele veio para dar plenitude à lei que está no antigo testamento e mostrar come age a ‘justiça do Reino’. É preciso ir mais além do simples cumprimento formal da lei. Temos que superar a atitude legalista, da mera obediência, cega e acrítica, e ir mais a fundo. E para isso faz alguns exemplos que são de extrema atualidade. Peguemos somente um mandamento: não matarás – Jesus nos diz que ninguém pode se sentir dono da vida do outro e eliminá-lo quando achar conveniente. Em nenhuma hipótese um humano pode dispor da vida de outro humano, mesmo quando ele é um perigoso criminal. Uma pena que mais de 60% de cristãos do nosso país, hoje, esteja a favor da pena de morte! Mas Jesus sabe também que há pessoas que não o fazem, e poderiam se sentir tranqüilas só por não serem assassinos. Aí ele nos lembra que não é suficiente não matar fisicamente uma pessoa, mas que temos também a obrigação de não ofendê-la em sua dignidade. De fato, a língua afiada e caluniosa mata tanto quanto a faca ou o revólver. A mentira e a ofensa tiram a vida e a paz de tantas pessoas que vivem ao nosso lado e caminham pelas ruas e praças das nossas cidades. A tortura física e psicológica que humilha e deforma corpos e almas tiram o hálito da vontade de viver e crer. Tudo isso torna essas pessoas verdadeiros cadáveres ambulantes porque a sua dignidade foi destruída por algum ‘homicida’ que acha que ‘nunca matou’! Não anestesiemos a nossa consciência. Corramos para junto da pessoa que ofendemos ou ‘matamos’ com os nossos estúpidos sarcasmos, e nos reconciliemos. Em nada servem dízimo, missa, promessas, confissões e oferendas litúrgicas se não tivermos a humildade e honradez de restabelecermos os vínculos de irmandade que deveriam unir os humanos. O Reino começa lá onde termina a obediência hipócrita a normas que, frequentemente, são utilizadas para justificar nossos interesses e omissões!
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