O Jesus dos últimos dias de sua vida que nos é apresentado por João é um Jesus consciente, lúcido, senhor da situação. Parece que é ele que está no controle de tudo. Ele sabe que chegou a sua hora, sabe quem vai traí-lo, sabe aonde vai após a sua morte. Evidente que responde a uma clara teologia assumida pelo evangelista: o que ocorre a Jesus não é fruto do acaso, mas atende a um plano divino. Jesus não é vítima dos acontecimentos planejados por outros, mas é o protagonista único de uma trama de relações que longe de representar um fracasso da sua missão a enaltece ainda mais. O enviado do Pai 'tinha que passar por isso', e passou, sem recuar, sem desesperar.. Era necessário que acontecesse para que o mundo descobrisse o outro lado de Deus. Ninguém 'entrega' Jesus, é ele que se entrega. Ninguém trai Jesus, é ele que permite que isso aconteça. Assim procede João. O que chama a atenção, no entanto, no evangelho de hoje, é justamente a ‘traição’ iniciada por Judas e que desemboca na morte do mestre. Uma traição que começa depois que Jesus 'dá a permissão' oferecenmdo o pão a Judas. Só nesse momento né que satanás entra no seu coração. Tudo planejado. Tudo permitido. A decepção do ‘radical anti-romano’ Judas para com Jesus pode estar na raiz do seu gesto. Jesus não propunha uma mera troca de governantes, e sim um sistema totalmente inédito em que não houvesse divisão entre governantes e governados. Onde todos fossem servidores uns dos outros. Judas como tantos outros esperavam um líder poderoso, que usasse todos os meios disponíveis lícitos e ilícitos, para se livrar dos dominadores romanos. A decepção chega ao constatar que Jesus propõe uma mudança radical na consciência de cada pessoa, uma adesão pessoal e coletiva aos grandes valores da partilha, do respeito pelo outro, da justiça, antes mesmo de pensar num modelo de sistema político. Na realidade, Judas se sentiu traído por Jesus. Por ele não ter correspondido às suas expectativas políticas. Jesus já não servia para os seus planos de mudança. Podia ser dispensado ou mesmo eliminado, réu de ter iludido muitas pessoas. Em geral a decepção ocorre quando idealizamos uma pessoa. Quando depositamos expectativas excessivas e não percebemos que também o outro é humano e pode falhar e não corresponder àquilo que nós 'construímos' sobre ele, sem contar realisticamente com os seus limites e diferenças. Um amor traído, um princípio banalizado, uma causa desmoralizada, uma amizade ignorada podem levar a reações inesperadas. Melhor ser realistas e ‘esperar tudo de todos’!
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