terça-feira, 28 de julho de 2015

Os juízes e a banalidade do mal


Diante do quadro de horror dos presídios brasileiros, como é que juízes continuam a encaminhar homens e mulheres para esses espaços que violam os mais comezinhos direitos fundamentais? Também respondo: tal qual Adolf Eichmann, convicto de que atuava na estrita legalidade do regime político de sua época, os juízes brasileiros assim procedem com a certeza de que, ao encaminhar seus réus para a prisão, apenas cumprem com suas obrigações legais. Se Eichmann afirmava desconhecer o destino dos trens repletos de judeus para eximir-se de qualquer culpa, também os juízes criminais brasileiros, ressalvadas as honrosas exceções, não se interessam por conhecer a realidade das quase-masmorras para onde vão os camburões, tampouco o destino de seus prisioneiros uma vez recepcionados do lado de dentro dos muros. O mesmo vale – e devo fazer o registro – para outros personagens que participam da persecução penal, com destaque para a polícia e o Ministério Público. Com as respeitáveis exceções de sempre, policiais e promotores de justiça, aliás, assumem abertamente e sem qualquer constrangimento o discurso de que o que vale mesmo é a punição, seja a que custo for. A esses agentes do Estado talvez sequer se apliquem as escusas de Eichmann, pois assim o fazem certos de que a sanção penal não precisa respeitar limites e que a violação de direitos dos presos não tem relevância, tampouco significa motivo de preocupação ou culpa, pois seria resposta legítima para a violação a que correspondiam os crimes praticados contra suas vítimas. 
Se o inimigo da Alemanha nazista era o povo judeu, aqui os inimigos são identificados no delinquente e no preso. Contra eles toda a força da lei, dentro de um positivismo estúpido. E para que a máquina punitiva atue, tanto naquele regime autoritário quanto neste que se pretende democrático, as engrenagens são lubrificadas com um óleo alienante, o que faz com que os funcionários públicos que conduzem o processo penal não vejam qualquer culpa pelas consequências de seus atos. Afinal, sua atuação cumpre os rituais previstos expressamente na lei e o conjunto da obra, esse resultado de horror e morte no cárcere, não poderia ser a eles imputado. É a banalidade do mal que deixou de ser um simples conceito filosófico para ser o fundamento de um sistema. E o sistema de justiça criminal assim se manifesta, repleto de ações isoladas e “inocentes” que, somadas, produzem as mais graves violações de direitos humanos em solo brasileiro.A legalidade formal e, por isso mesmo, superficial, das prisões decretadas por juízes e tribunais dos quatro cantos do país, dissolve-se nos horrores da prisão. Entretanto, tal qual Eichmann, os artífices do sistema de justiça criminal apresentam-se como servidores públicos exemplares, cumpridores da ordem emanada da lei penal e, assim, isentos de qualquer responsabilidade. (Fonte: Tirado do artigo de Haroldo Caetano Silva - promotor de justiça do Goiás)

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