quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça porque deles é o Reino dos céus (Mt.5,10)


Segundo dossiê divulgado pelo Comitê Brasileiro de Defensores de Direitos Humanos (CBDDH), no ano de 2016 foram assassinados 66 defensores e defensoras de direitos humanos no Brasil e outros 64 foram criminalizados, atacados ou ameaçados. O Relatório da Anistia Internacional de 2017 aponta que, na região das Américas, o Brasil é o país com o maior número de defensores de direitos humanos assassinados todos os anos, e que os números vêm aumentando a cada ano, num padrão contínuo de homicídios. Empresários e latifundiários, em parceria com instituições de justiça e de segurança pública são apontados como verdadeiros carrascos. O verbo ‘perseguir’ utilizado por Mateus nessa bem-aventurança indica uma perseguição praticada ‘internamente’, ou seja, por alguém que vive no mesmo grupo, nação, família ou comunidade. Mais que isso: o perseguidor age em nome de uma suposta justiça divina! Nesta última bem-aventurança segundo Mateus nós esperaríamos uma aprovação geral de todas aquelas pessoas que se solidarizaram com os pobres. Ao contrário. Assistimos a uma espécie de inversão. Aqueles que praticam o direito e a justiça, os ‘pobres em espírito’ são, por sua vez, perseguidos. ‘Ser justos’ na acepção das bem-aventuranças, significa assumir com radical fidelidade o programa de mudança iniciado por Jesus. Incorporar seus valores e sua metodologia. O Mestre, por outro lado, não lhes esconde as consequências dessa opção. Pensemos, por exemplo, na situação de muitas das nossas comunidades. Parece não haver mais espaço para a profecia e a ousadia evangélica. Aquela feita de testemunhos marcantes e contagiantes em favor de uma multidão de ‘injustiçados’. A submissão dócil de tantos cristãos às normas canônicas e litúrgicas, e ao rigor doutrinário, parece anestesiar todo compromisso corajoso em favor da justiça para todos, em todas as dimensões da vida. As consequências, hoje, são evidentes: muitos líderes de movimentos populares, comunidades e associações, sinceramente preocupadas com a situação real de seu bairro, são vítimas de calúnia e de perseguição política e policial. Homens e mulheres de fé que denunciam, arriscam e articulam ações corajosas são taxados por seus próprios irmãos de comunidade de ‘comunistas e cabeças quentes’. 

São esses perseguidos ‘por causa de Jesus e de seus valores’ que, mesmo levados às delegacias e aos tribunais, não se abatem e nem se desviam. Parece paradoxal, mas é quando nos mantemos firmes nos momentos de perseguição é que amadurecemos e crescemos muito mais na fé e em humanidade do que em tempos de calmaria. É extremamente atual a reflexão de Jesus ao afirmar que ‘se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua um simples grão de trigo, mas se morre ele produz muito fruto’ (Jo.12,24). O que parece falência e morte torna-se o início de uma inesperada produtividade missionária. Não é a perseguição em si que destrói a missão, mas a falta de convicções do próprio missionário. Ao narrar a parábola da semente Jesus deixa claro que não é nem o sol e nem os espinhos que matam a semente. É, ao contrário, a falta de raízes, de convicções profundas, e a falta de coragem do missionário em conviver com os espinhos devastadores da perseguição que determinam o seu fracasso (Mt.13). Hoje, como ontem, se quisermos ‘avaliar’ o grau de fidelidade evangélica é preciso olhar para a capacidade de resistência dos seguidores de Jesus perante as perseguições físicas e psicológicas. É inegável que hoje em dia, estado, polícia, empresas e instituições financeiras aprimoram suas formas de cooptação de comunidades, de presbíteros, de pastores e de líderes leigos de todas as denominações religiosas para impedir que os construtores de paz e os que promovem a justiça venham a desmascarar suas práticas excludentes e dominadoras. É nessa hora que deve ecoar dentro de nós como um permanente brado de alerta o que Jesus dizia aos seus discípulos que se sentiam tentados em sucumbir diante da perseguição e da calúnia: ‘Ai de vós quando os homens vos elogiarem, pois os pais deles agiam da mesma forma com os falsos profetas’(Lc. 6,26) Todo parto comporta dor e sacrifício. Para dar à luz ‘o Novo Adão-Eva, e os novos céus e novas terras, é imprescindível enfrentar os atuais patrocinadores das modernas ‘guerras justas’. Os mesmos que usam e abusam do nome de ‘Deus’, mas que na realidade dobram seus joelhos somente aos ídolos que eles mesmos fabricam. Os ídolos da cobiça, da ganância e do poder dominador. É em nome desses ídolos que os perseguidores fardados ou não, continuam a torturar e a aniquilar os pobres em espírito, os aflitos, os amansados, e os famintos de justiça.   

( o artigo do blogueiro é publicado todo mês no O Jornal do Maranhão da Arquidiocese de São Luís, Maranhão)

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