É preciso ser livres no sentido mais pleno do termo para conseguirmos compreender o sentido de muitos gestos, sinais, ações, acontecimentos da nossa vida. Quando fazemos a experiência de sermos/estarmos dependentes de algo ou de alguém somos inclinados a interpretar tudo pela ótica daquela relação ‘viciada’. É ela que nos condicionará no nosso modo de encarar a realidade. É claro que hoje vivemos numa realidade de interdependência. De alguma forma, todos dependem de todos. E todos precisam de todos para viver. Mas, aqui, não se trata disso. A dependência de que falamos é quando a pessoa é colocada numa situação em que não tem as mínimas condições de fazer uma escolha ou tomar uma decisão de forma soberana e autônoma. Porque algo ou alguém lho impede. E o mantém, direta ou indiretamente, dominado. Isto nos remete ao evangelho de hoje. Nós leitores do evangelho de domingo passado tínhamos nos enganado ao pensar que aquela ‘massa’ alimentada por Jesus no dia anterior tivesse aprendido a lição dos ‘pães e dos peixes’. Na narração de hoje, aquela mesma massa o procura insistentemente para que Jesus reproduza novamente o mesmo gesto para poder se beneficiar pessoalmente. Se isto acontecesse a livraria de ela mesma ter que procurar pão e peixe e reparti-los.
O trecho evangélico de hoje inicia com um desabafo de Jesus em que ele externa a sua decepção. Ele constata a atitude aproveitadora e incoerente daquela massa. Jesus se sente usado. Procurado só porque as pessoas tinham visto nele aquele que podia resolver suas necessidades materiais e imediatas. Não tinham compreendido que aqueles gestos apontavam para algo mais estrutural, em que todos deviam se sentir envolvidos. Afinal, socializar ‘pão e peixe’ conforme as reais necessidades das pessoas não eram gestos/sinais isolados de uma pessoa somente para preencher a carência de um dia. Era algo a ser reproduzido permanentemente por todos para resolver as desigualdades existentes em Israel. Jesus afirma claramente para aquela massa, - que ainda não havia se tornado ‘povo’ organizado e consciente, e que ainda pedia mais um sinal para poder acreditar nele - que o ‘verdadeiro pão’ que não se acaba e que não cria dependência é justamente a ‘interiorização’ da lógica adotada por Jesus. É na medida em que todos procuram ‘matar a fome’ de todos, - o tempo todo, - que se faz a experiência de ‘compreender o único sinal’ que ajuda a dar sentido à vida: a adoção da prática de Jesus de Nazaré. Uma prática que alimenta e mata a nossa fome de justiça. Na medida em que nos apropriamos do seu modo de agir e de se relacionar com as pessoas é que nos saciamos. E matamos a nossa ‘fome de existência’. A falta de compreensão e aceitação disso acabará gerando fatalmente sempre mais fome e necessidades insatisfeitas. E gerando sempre mais dependência.
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