Constantemente somos chamados a tomar decisões e a fazer escolhas. Algumas as consideramos importantes, outras menos. Poucas se revelam decisivas, e condicionam a vida inteira. Estas não são tomadas de forma fulgurante, de uma hora para outra, mesmo que assim pareça aos nossos olhos. Essas decisões ou opções existenciais centrais são o resultado de outras numerosas escolhas, reflexões e discernimentos. Fruto de um longo e árduo processo de seleção e de postura perante a vida. Perante um conjunto de valores que conhecemos e acabamos incorporando progressivamente. No evangelho de João, hoje, Jesus parece colocar os seus discípulos numa situação de ‘aut-aut’, ou seja, ou aceitam a sua proposta e projeto de vida, ou que voltem de onde vieram. É como se o Mestre, após longas aulas de vida junto aos seus discípulos, os colocasse com as costas contra a parede. E os obrigasse a tomar uma decisão que será central na sua vida: seguir o Mestre assumindo as suas condições, ou abandoá-lo, e viver a sua vida de outra forma. O radicalismo de Jesus se explica. Após ter apresentado e mostrado quais eram os reais valores que alimentam e satisfazem a ‘fome e a procura humana’, Jesus não aceita que o seu discípulo fique a tergiversar. Que mantenha um pé na lógica e na prática de Jesus, e outro na do seu passado, nas suas aparentes seguranças pessoais, na sua vida antes de conhecer o Mestre.
Numa época em que os radicalismos são frontal e universalmente condenados, e se apela sistematicamente para o ‘soft e light’ como forma de fazer prevalecer a diplomacia da ‘boa convivência’, embora indiferente e anônima, Jesus radicaliza. Mas radicaliza ‘didaticamente’ com os seus. Com aqueles que, - diferentemente da massa, - haviam convivido com Ele e haviam tido a oportunidade de crescer humana e espiritualmente com Ele. Que haviam tocado com mão o que significa ‘acolher o pão da vida’, da fraternidade, da acolhida, da compaixão. Não condena nem demoniza aqueles que ‘murmuram’ e que acham ‘duro’ o seu discurso e a sua prática proposta. Só exige decisão, não importa qual. Não há como esconder uma certa decepção de Jesus ao constatar que ‘muitos discípulos’ diante do seu ‘aperto duro e firme’ o abandonaram, mas, afinal, tomaram uma decisão. Talvez a pergunta mais ‘dura’ seja aquela que Jesus dirige diretamente aos seus ‘apóstolos’: vocês também querem ir embora’? A resposta de Pedro, o representante dos doze, ainda que não seja fruto da adesão plenamente consciente, reflete a sincera aspiração daqueles apóstolos. Um profundo desejo de dar continuidade ao sonho do Mestre de ‘matar a fome’ de um povo sempre mais faminto de proteção, de justiça, de perdão, mas ainda tão dividido nas suas formas de encontrar o verdadeiro alimento...
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