Quando a pessoa amada morre e nos deixa, sentimentos de dor e angústia parecem tomar de conta da nossa existência. Vagamos na escuridão e na falta de motivação para viver. Todo dia temos que encontrar uma razão para não ‘perder a cabeça’. Todo dia temos que descobrir um novo sentido para enfrentar um cotidiano que nos aparece sempre mais insignificante. É a primeira fase pela qual passa uma pessoa que amou e foi amada por outra pessoa que, agora, já não está mais ao seu lado. Com o passar do tempo, a dor vai se atenuando. Surgem, então, no nosso ser genuínos sentimentos de uma ‘doce saudade’ da pessoa amada. Visitamos o seu túmulo com mais serenidade. Olhamos a sua foto. Lembramos dos momentos bonitos em que convivíamos com ela, e de quando juntos celebrávamos a vida. Os nossos olhos podem até se encher de lágrimas, mas elas são manifestação do reconhecimento natural de que foi bonita e intensa aquela convivência com a pessoa amada e querida. Que valeu a pena tê-la conhecida e amada. Sentimos sim a sua ausência, mas a capacidade de fazermos memória dos momentos intensos de comunhão com ela nos alimenta e nos dá força para não cair no desespero. É a segunda fase pela qual passa a pessoa amada na sua tentativa de co-existir com a ausência física da outra pessoa que se foi. Mas há uma terceira fase pela qual só algumas pessoas conseguem passar. É quando a pessoa amada que se foi fisicamente se ‘manifesta’ a nós de forma peremptória, carregada de intensa humanidade. A sua presença é tão forte e ineludível que temos a sensação que ela voltou a ficar ao nosso lado. Ela se revela a nós, mas nós também a conseguimos perceber e sentir como pessoa ‘presente’, e não mais ‘ausente’ como antes. Que volta a nos convidar a conviver com ela de outra forma. Como se ela também estivesse precisando da nossa ‘presença’ para ela também continuar viva. O interrompido volta a se re-constituir. Surge uma nova relação com ‘a mesma pessoa’.
É o que João nos descreve no evangelho de hoje. A intensa dor dos discípulos e das discípulas em Jerusalém foi substituída paulatinamente pelas visitas sistemáticas ao lugar onde Jesus havia sido sepultado, mas ainda eram incapazes de senti-lo vivo novamente. Voltam, então, a percorrer os mesmos lugares que que haviam visitado juntos com o Mestre, acolhendo doentes e pobres e anunciando-lhes um novo horizonte, talvez num tácito desejo de ‘revê-lo e de senti-lo’ novamente. Uma piedosa ilusão? É justamente naquele ‘velho’ cotidiano, na repetição dos mesmos gestos de lançar as redes, de pescar e comer peixe à beira lago, como muitas vezes haviam feito com o mestre, que os olhos deles se abrem e o coração começa a palpitar. Começam a perceber que os gestos de outrora, que pareciam insignificantes, de pescar e comer juntos adquirem, agora, um sentido totalmente novo. Algo revelador. Torna-se uma intensa ‘experiência numinosa’. O Mestre havia voltado para convidá-los a sentar à mesma mesa e a fazer novamente comunhão com ele. Havia voltado para perdoar as antigas traições e a confirmar num amor que nunca morreu. Eles, discípulos e discípulas o haviam trazido de volta, definitivamente. Reata-se novamente aquela convivência amorosa que parecia rompida irremediavelmente com a sua partida física. Não precisam se tocar e nem se ver fisicamente. É suficiente reproduzir os mesmos gestos de amor, comunhão e acolhida para ‘sentir’ que o 'outro' vive. Que 'os outros' vivem. Que os dois continuam juntos num vínculo indissolúvel de amor re-confirmado.
Um comentário:
Se alguma vez eu tivesse ouvido uma interpretação do evangelho tão linda e tão verdadeira, jamais teria nem por um segundo desanimado na minha fé...
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