A chave para entender o relato é quando se diz que ‘Moisés e Elias envoltos em glória falavam sobre a morte de Jesus em Jerusalém’. Ou seja, é o momento em que Jesus toma consciência de que poderá ser eliminado fisicamente e que a sua missão profética poderá ser varrida. Paradoxalmente, o texto inicia falando em esplendor, brancura, em transfiguração, seja de Jesus como de Moisés e Elias, mas para sublinhar que estavam falando sobre a ‘morte de Jesus’. Tanta luz, afinal, não consegue ocultar uma realidade tão trágica quanto a morte iminente de Jesus. Mateus parece nos dizer que é preciso se transfigurar, mudar radicalmente de perspectivas, deixar de sermos nós mesmos por um instante, para podermos ter a coragem de falar e encarar a nossa morte iminente sem perdermos o controle de nós mesmos. Ou seja, numa situação de ‘normalidade’ seriamos incapazes de enfrentar uma realidade/tabu que, afinal, faz parte do nosso ‘devir humano’. O evangelista, entretanto, nos diz muito mais: a morte é algo que deveremos enfrentar sozinhos. A força necessária para encará-la a deveremos encontrar dentro de nós mesmos. Travar uma luta de resistência contra a morte, sentir medo do medo que está por vir, vislumbrar de forma realista a perspectiva de derrota de um sonho, de um projeto, não significa ser um vencido, de antemão.
Foi nessa experiência angustiante que Jesus vislumbrou também a sua superação. Ao fazer a experiência da dor educamo-nos progressivamente a lidar com ela; ao fazer a experiência da derrota, apreendemos a vencer e a superar obstáculos. Esta, de fato, foi a experiência iluminadora que Jesus teve ao perceber a iminência da sua prisão e do fracasso missionário. A perspectiva da paixão e da morte, em lugar de abalar Jesus, - embora o tenha turbado profundamente – permitiu que mudasse radicalmente o modo de encarar a sua missão. A metamorfose que ocorreu em Jesus foi surpreendente: na morte violenta iminente Ele se sente confirmado de que o que vinha fazendo estava certo! Após momentos de angústia e desnorteamento inicial, Jesus se sente confirmado pelo Pai de que era imperativo ir a Jerusalém e assumir as conseqüências previsíveis de tal decisão. A morte poderia ser, afinal, o último gesto profético do ‘servo de Deus’ de Nazaré para tentar provocar uma ’metamorfose/transfiguração’ nas opções e atitudes das pessoas. Para tentar sacudir uma nação que se demonstrava incapaz de perceber a iminência do colapso moral, econômico e político. No desespero, Jesus aprende a esperar. Na aparente derrota e fracasso, Jesus sente-se um vitorioso. É nas crises extremas e aparentemente sem saída que, em geral, encontramos saídas inéditas e criativas. Que isto aconteça conosco e com a humanidade!
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