Como é difícil parar no frenesi hodierno. E quando paramos, muitas vezes é para fugir de nós mesmos e dos outros. Distanciar-nos de nós mesmos para não nos defrontar com as nossas indecifráveis sensações de angústia, de fracasso, de incompletude, de insatisfação, de escuridão quanto ao nosso futuro....Podemos parar sim, mas para nos esconder daqueles que nos solicitam insistentemente e que exigem sempre mais de nós. Paramos, mas vigilantes para não permitir que a nossa consciência nos cobre serviços e compromissos com ‘aquelas pessoas que nos sugam e pressionam’. Vivemos um paradoxo: sentimos de um lado a necessidade de parar, de nos distanciar, de nos abstrair do cotidiano para compreendê-lo melhor. Para nos recarregar e nos inspirar, mas tememos parar. Poderíamos descobrir que não sabemos parar para contemplar, para avaliar e agradecer, e para curtir o bonito que Deus faz através ou, até, apesar de nós. Já a legislação de Moisés ao justificar a parada/repouso do povo, no sábado, citava o próprio repouso contemplativo de Deus, após ter criado a matéria e os seres vivos. Deus parou não porque cansado pelo trabalho realizado, mas porque precisava ‘contemplar a bondade’ da sua obra. Talvez, até para ver se havia algo a melhorar... Jesus, - o profeta que nas narrações evangélicas parece não parar nunca, - um incansável ‘motor móvel’ que vive itinerante, sem residência fixa, visitando aldeias e povoados, que sente a urgência da proximidade do reino de Deus, - pede aos seus discípulos de se ‘retirarem num lugar isolado e repousarem’. Pede isso justamente após tê-los enviado dois a dois dando disposições para não ‘perder tempo’ para cumprimentar pessoas ao longo do caminho, para enterrar mortos, e até os alertou de sair imediatamente lá onde não encontrassem acolhida e adesão.
Marcos parece ver nesse gesto/convite de Jesus o próprio gesto do Deus Criador. Jesus escuta e contempla as maravilhas que os seus discípulos haviam operado em sua missão: curas, expulsões, devolução de esperanças perdidas, manifestações da graça e da presença compassiva de Deus na vida de tantos sofredores. Um convite a contemplar a bondade dessa ‘nova criação’ que Deus continuava a realizar na vida e no íntimo das pessoas. Só que, agora, através deles. Mais do que justo repousar para reconhecer nos ‘frutos/obras do reino’ o surgimento de uma nova realidade para quantos achavam que nada poderia mudar. Marcos nos informa que, paradoxalmente, a ‘intenção-tentativa’ de Jesus e dos discípulos de se isolarem e repousarem fracassou fragorosamente. ‘Os que solicitam e sugam’ haviam-se antecipado. Haviam-no precedido na outra margem do lago, solicitando mais presença, mais curas, mais expulsões, mais compaixão...mais vida/criação nova. Jesus, agora, contempla aquelas pessoas/criaturas/obras de uma criação ainda incompleta de Deus. E sente compaixão. Sente que é um povo sozinho e abandonado. Vítima de um mundo deformado e deturpado por criaturas que manipularam a obra do Criador. Uma solidão muito similar àquela primordial de Adão sem a presença de Eva. Talvez, até mesmo a própria solidão de Deus antes de moldar o homem e a mulher à sua imagem e semelhança. Jesus sente que, agora, só ele, - autêntico e único pastor/criador, - poderá fazer sentir àquele povo que o Deus criador continua criando e recriando proteção, acolhida, apoio, presença amorosa.
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