Quem de nós nunca fez a experiência de ter fome ou de passar fome? Não
importa qual tipo de fome. Sentir, por exemplo, um desejo fisiológico de se
abastecer, de se saciar e satisfazer aqueles estímulos que parecem nos levar ao
desfalecimento no seu sentido mais amplo? Mas sentir também a necessidade de
satisfazer aquele desejo quase visceral de justiça, de direito, de respeito, de
reconhecimento do próprio valor? A fome e sede de justiça de que fala Jesus? João
no trecho evangélico hodierno nos apresenta um Jesus atento aos mais recônditos
desejos e expectativas humanas. Uma atenção que precede as manifestações e as
explicitações das próprias pessoas. Jesus, na sua capacidade compassiva se
antecipa a qualquer formulação e pedido. ‘Jesus ergueu os olhos e viu uma
multidão avançando...’ faminta de curas, de proteção, de acolhida, de aconchego,
de comida. Nesse sentido ‘a fome’ tal como Jesus a interpreta parece ser uma
fome que vai mais além da manifestação-satisfação fisiológica. É sim fome de
pão material, concreto, mas é, acima de tudo, a manifestação da fome de um povo
que nunca havia visto realizadas e satisfeitas suas mais profundas e legítimas
aspirações. João apresenta, ao mesmo tempo, um Jesus que conhece seus próprios
discípulos e a lógica que os guia. Uma lógica ainda dominada pela equação
custo-benefício: quanto dinheiro seria preciso para atender às expectativas e às
‘exigências’ humanas? Uma lógica que vai encurralando e descartando qualquer
possibilidade de recorrer á ousadia, à criatividade, ao inédito. Jesus não só
rejeita radicalmente tal lógica como aponta para soluções que já se encontram
ao alcance dos próprios ‘famintos’. Apontadas e experimentadas por eles. Ou
seja, Jesus nos deixa claro que são os ‘famintos’ que conhecem o drama da fome,
e as suas consequências. E que, por isso, têm condições de apontar para
soluções viáveis, possíveis. A satisfação dos estímulos produzidos pela ‘fome’
é definitivamente realizada pelas próprias vítimas da fome e não pelos
‘abastados e saciados’, pelos possuidores de dinheiro e bens. Aliás, eles são
os produtores da fome que se enriquecem pela indústria da miséria, da fome, da
sonegação.
Um menino, talvez um ‘pequeno’, um invisível, um dos muitos anônimos
da massa que avança rumo a Jesus é quem possui e disponibiliza ‘cinco pães e
dois peixes’. São os alimentos básicos, estritamente necessários para não
passar fome totalmente. Ele, o faminto, os disponibiliza para que outros possam
matar a fome que ele mesmo sente. Sem querer o faminto desencadeia o processo
multiplicativo e distributivo operado por Jesus. É como se o próprio Jesus
tivesse sido incapaz de operar a distribuição-satisfação das necessidades e
aspirações da massa se aquele ‘faminto’ não tivesse colocado a disposição dele
e de todos o que ele mantinha como essencial para matar a sua própria fome. Foi
o gesto desse ‘pequeno faminto’ que motivou outros ‘pequenos famintos’ daquela
massa a socializar seus pães e peixes, ou seja, suas pequenas ou médias
soluções. Contribuições e aberturas para satisfazer as inúmeras e vastas
necessidades e aspirações de uma massa que, na medida em que ‘partilha’ de
forma organizada, deixa de ser massa, e se torna definitivamente povo. Povo que
constrói o seu futuro alicerçado, agora, numa nova lógica. Não a do dinheiro
que ‘compra’, nem a de acumular e segurar para si, mas a lógica que ele acabava
de compreender e adotar. Passar da compaixão e atenção ao outro para o
atendimento concreto, histórico e estruturado de tudo o que surge de um coração
humano faminto e sedento por plenitude de vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário