Até o gesto mais natural pode se revestir de sobrenaturalidade, na medida em que o vemos não como um mero ato biológico, mas como a continuação do processo e do ato ‘criativo’ originário do próprio Doador da vida. Haverá quem diga que esta é a típica postura do ‘homem religioso’ - que por se sentir ignorante e incapaz de explicar e compreender o ‘mistério’ da vida – atribui tudo a um Deus invisível. E que Este, inclusive, teria sido forjado e projetado por ele próprio de acordo com seus interesses, sonhos e expectativas. Em que pese a significação que cada pessoa possa atribuir a esta ou a aquela ‘manifestação natural’, a esta ou a aquela concepção, ou nascimento biológico, há algo maravilhoso e espantoso em tudo isso. Em cada concepção, em cada ‘origem’ da vida. E não somente no de Jesus! A ‘origem’ de Jesus começa lá onde ‘Alguém’ planeja a Sua existência. Não tanto a sua gestação biológica, mas a sua ‘existência’. O seu ser/estar no mundo, a sua missão específica que será chamado a realizar. Desde um ponto de vista cronológico a narrativa da concepção foi a última parte a ser elaborada pelo evangelista.
Mateus que já conhecia e admirava o inteiro itinerário da existência de Jesus, quis ver já na sua concepção uma específica intervenção divina. É como se Deus tivesse colocado de lado, para si e para o mundo, aquele que iria nascer. Para Mateus, Deus não estava presente somente nos gestos de fraternidade, de cura, de serviço gratuito e de acolhida do Jesus adulto, mas desde a sua ‘origem’. Tendo visto como Jesus havia realizado a sua missão de ‘salvar’ pessoas, Mateus nos diz que foi o próprio Deus, e não os humanos, a planejar a sua vida/origem. E que quem olha para Jesus contempla o próprio Deus. Jesus seria a ‘longa mão, e o coração’ visível do Deus invisível e insondável. A preocupação, portanto, do evangelista não é de caráter historiográfico, mas teológico. Tudo isso pode ser aplicado a cada humano. Cada um de nós foi ‘planejado e colocado de lado’ por Deus para realizar uma missão específica. A de Jesus estava contida e explicitada no seu nome: ‘Jesus - Javé salva’. A nossa missão nessa existência deve ser descoberta progressiva e continuamente. O importante é perceber que nós não somos os senhores da nossa ‘origem’. E que podemos dispor do jeito que queremos. Não podemos jogar fora energias, tempo, esperanças, expectativas, qualidades que deveriam convergir para levar adiante o ‘processo de salvação’ de uma humanidade ainda muito ferida e provada. Uma criação ainda não completada, mas interrompida.
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