Muitas vezes ouvimos expressões do tipo: ‘passa fome porque quer’ Só quem está de barriga cheia e perdeu todo tipo de sensibilidade ousa explicar o drama da fome dessa maneira. E tenta justificar a sua indiferença diante de milhões de seres humanos desnutridos. Muitos não compreendem que no ‘planeta da fartura’ extensos grupos humanos vivem na permanente insegurança alimentar pela forma injusta segundo a qual nós humanos nos administramos. A fome é causada muito mais pela péssima distribuição dos bens produzidos e pela concentração de terras, do que pelas péssimas condições climáticas ou pela suposta passividade dos famintos. Sem entender as causas profundas da existência de mais de um bilhão de vítimas da fome nesse planeta não nos é possível vivenciar plenamente essa obra de misericórdia corporal. A fome, portanto, se é produzida pelo nosso iníquo sistema social e político, - e não pelas fatalidades da vida, - só poderá ser superada por nós mesmos, de forma coletiva e institucional. Já o papa Francisco nos alerta sobre o fato de que ‘ o cuidado com a cidade-polis, ou seja, a Política com ‘P’ maiúsculo, é a mais alta expressão da caridade. O próprio Jesus naquele significativo gesto de ‘multiplicar pães e peixes’ pediu que fossem os próprios discípulos a ‘dar de comer’ de forma bem organizada, pedindo que a multidão fosse dividida ordenadamente em grupos (Lc. 9,13). Naquele gesto Jesus deixou claro que antes de multiplicar pães era necessário multiplicar sensibilidades, solidariedade, articulação e justiça. Aliás, sem ‘ter fome e sede de justiça’ dificilmente haverá o ‘bem-aventurado’ encontro entre a comida e o que tem fome. Sem sentir dentro de si fome e sede de equidade e de compaixão sempre haverá quem alimente a indústria da fome. Esta obra de misericórdia corporal não visa, portanto, a distribuição aleatória e individual de pão-comida a quem não tem. Ela mira, principalmente, a extinguir toda forma de cobiça humana, de acumulação criminosa, de desperdício de alimentos, de especulação de preços dos alimentos ou, pior, da sua transformação em combustível para carros! Ela nos diz que as boas ações individuais, embora louváveis nos momentos emergenciais, - e até como práticas pedagógicas de compaixão, - são insuficientes para debelar o flagelo da fome corporal. Como nos lembra papa Francisco no seu discurso na sede da FAO ‘devemos ser livres de pressões políticas e econômicas para cuidar da irmã e mãe terra, para evitar que se autodestrua.... superando a indiferença sempre mais crescente de governos e grupos humanos, pois a fome e a desnutrição jamais podem ser considerados um fato normal ao qual se habituar, como se fosse parte do sistema. Algo deve mudar em nós mesmos, na nossa mentalidade, nas nossas sociedades’.(o mesmo artigo é publicado no Jornal do Maranhão, da Arquidiocese de São Luis)
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