Muitas vezes tomamos decisões que marcam o resto da nossa vida a partir da ausência, do distanciamento ou daquilo que nós interpretamos ser o fracasso de pessoas próximas. Vivemos a dúvida e a indecisão até quando alguém que vinha significando muito para nós, por alguma razão se distancia ou, nós mesmos o fazemos para demarcar o nosso próprio espaço de atuação em relação a ele. É como se num determinado momento da vida quiséssemos nos emancipar de quem nos inspirou e motivou. Sem desprezar o que ele fez por nós sentimos que temos que partir para algo próprio e diferente do nosso inspirador. É o que ocorreu com Jesus! Jesus devia muito a João Batista. Havia sido ele a abrir seus olhos sobre a realidade de desigualdade e de dependência de Israel. E a sacudi-lo para que Jesus assumisse a sua responsabilidade de cidadão e de ‘enviado’ junto àquelas pessoas que eram esquecidas pelas elites e pelos ‘puros’ de Israel. Jesus, mesmo compreendendo e aceitando a sua nova consciência de servidor dos esquecidos no seu batismo, ainda não tinha tomado a decisão concreta de partir para um ‘vôo próprio’. Isto se dá, segundo Mateus, justamente quando João é preso. Quando Herodes e seus asseclas tentam silenciar o ‘leão que rugia no deserto’ contra os que produziam escravidão e medo. Jesus intui que um ciclo se havia completado e encerrado. Não somente porque de forma ilegal e violenta mandaram calar a boca de João, mas porque Jesus sente que Deus em lugar de castigar e de se vingar pela infidelidade de Israel, - como João pregava, - estava querendo lhe oferecer, de forma compassiva, uma nova chance de conversão e de graça. Jesus não se adaptou ao deserto como João.
Jesus escolhe os centros habitados, onde havia gente para socorrer e convocar. Mais que isso. Escolhe uma aldeia em particular como sua nova residência. Uma aldeia de pescadores impuros da ‘Galiléia dos pagãos’, mas que tinha a ‘sorte’ de estar situada ‘no caminho que leva ao mar’. O caminho que favorecia o diálogo com novas culturas e experiências de vida. Numa encruzilhada existencial, onde as pessoas tinham que dialogar, cooperar entre si e optar. A escolha de Jesus implicou uma clara ruptura com o seu passado, com os conhecidos e bitolados parentes e co-nacionais de Nazaré. Significou também assumir o desafio de construir novas redes de relações humanas, de amizade e colaboração. É nesse novo espaço que Jesus entra em contato com pessoas que partilham a sua mesma visão de mundo e os seus valores. Junto, o novo grupo, decide re-construir a sua própria autoconfiança abalada e tenta devolver a esperança ameaçada a numerosos invisíveis e esquecidos. No caminho pelo qual passavam mercadorias, estrangeiros e fiscais do Império, Jesus e o seu grupo inicia uma força-tarefa para dar um novo sentido para viver e lutar. Um modo inédito de viver e de administrar a vida. O modo de Deus, e não o de César! Cabe a cada um de nós se sentir chamado e convocado a reconstruir a paz agredida, e a proclamar que ainda temos chance de construir o 'modo de ser' de Deus!
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